A dualidade existencial de muitos de nós

O preconceito silencioso contra os mestiços

O preconceito silencioso contra os mestiços

Que o Brasil é o país mais diversificado do mundo, muita gente já suspeitava. Essa miscigenação é datada do período colonial, quando diversos grupos de pessoas de etnias diferentes migraram para cá. Desde então, os pardos e seus olhos castanhos, azuis, esverdeados, puxados ou não, ocupam qualquer espaço. A raça “parda”, aliás, só existe neste país. Lá fora, são chamados de mixed, mixed-race, ou em tradução literal, misturados ou mestiços.

Mulher mestiça, de origem italiana e paquistanesa, vestindo calças jeans e blusa estampada com tons de verde. Utiliza um cinto de couro com fivela dourada. Está posicionada de frente a um fundo totalmente verde.
Tenee Attoh

Vivo me perguntando, enquanto mestiço, como se tornou tão complicado falar do racismo contra pardos num país que normalizou a cor da pele como indicativo exclusivo de ancestralidade racial e origem étnica. É tão normal encontrar uma pessoa mestiça nas ruas brasileiras que isso sequer é falado, é cotidiano; mas, o fato de ser comum não deveria tornar a existência de problemáticas associadas à raça invisíveis, intocáveis e indiscutíveis.

Esses problemas são justamente o que tornam importante o trabalho de Tenee Attoh: as associações cotidianas com algo que passa despercebido aos olhos eurocêntricos, mesmo daqueles que não são caucasianos, inclusive os pardos: a diversidade.

A cultura do preconceito racial está tão enviesada no tom da pele, que é constrangedor até mesmo ter orgulho de suas raízes neste país. Afinal, se você não é negro retinto o suficiente para ter origens senegalesas, ou caucasiano o suficiente para ter descendência alemã, aos olhos de pessoas preconceituosas, você é visto com estranhamento e isso demanda explicações e afirmações. Sendo assim, se torna cansativo fazer das suas origens étnicas motivo de orgulho; é uma luta constante por auto-afirmação.

Para a modelo da fotografia, a dualidade cultural (italiana e paquistanesa) faz parte de sua essência. O fato de ter herdado culturas diferentes de seu pai e de sua mãe moldou a forma como ela enxerga política, por exemplo. Entretanto, em entrevista concedida para o site do projeto de Tenee Attoh (Disponível em: https://mixedracefaces.com/) ela alegou que por muito tempo teve questões delicadas a respeito de seu não-pertencimento.

Afinal, mestiços, seja em Londres, onde ela reside, ou no Brasil, são uma minoria desrespeitada cuja cultura lhes é desassociada. É aí onde a xenofobia e o racismo se unem para remover de toda uma parcela crescente, em nível global, suas heranças culturais.

Desde pequeno me vi não pertencendo às minhas origens de forma total, e sei que este é o caso da modelo da foto. Ela não possui traços que imediatamente são associados com o povo italiano, nem tampouco com o povo paquistanês, ainda que os fenótipos estejam lá parcialmente, em ambos os casos. É como misturar tinta vermelha em tinta branca: você só consegue compreender que o rosa é uma mistura depois de aprender sobre teoria das cores, mas não é algo instintivo.

Fica claro, para qualquer pessoa escura, que o racismo se esconde em qualquer penumbra, principalmente onde os comentários e olhares não podem ser vistos ou escutados. Assim fica mais fácil de acobertar a tentativa social de atribuir aos mestiços os duplos, ou triplos, ou sejam lá quantas forem as matrizes originárias destes povos do qual preconceitos são atribuídos, sem que algum crime seja cometido.

Na Itália, por exemplo, muitas pessoas possuem o que é chamado de “olive skin” no exterior e que aqui no Brasil é conhecido como moreno-claro, ou, surpreendentemente, pardo. No século 19, com um número alto de imigrantes italianos nos EUA, o preconceito afetou muito aquele povo. A miséria e a fome fortaleceram as atribuições a eles, como o odor fétido de peixe, que pejorativamente era associado à cor dos mesmos. Aqueles imigrantes ficaram conhecidos como pele-de-peixe, que recentemente se tornou um easter-egg em filmes como “Luca” e “A Praia”.

A Itália é a nação de um povo miscigenado, não uma etnia. E já passou da hora do Brasil e o restante do mundo compreender isto. Bem como já estamos num ponto em que a pureza racial deveria ser uma mentalidade extinta por completo. Ou será que as pessoas se esqueceram que foi essa mentalidade que levou aos acontecimentos do holocausto? Ou será que os brasileiros caucasianos nunca se olharam no espelho e notaram que o tom de suas peles, quase nunca é tão claro, quanto o tom da pele de um caucasiano purista da velha Europa? O que é branco aqui, lá seria preto.

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

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BRITO, C. S. A dualidade que existe em muitos de nós. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: https://culturafotografica.com.br/a-dualidade-existencial-de-muitos-de-nos/ Publicado em: 12 de jan. de 2022. Acessado em: [informar data].

E o mar passou

A força do mar abatida pela imponência de um homem

A força do mar abatida pela imponência de um homem

O mar, em toda sua intensidade, atinge o homem fotografado por Luisa Dorr. Atinge suas costas, mas não o desestabiliza, ele mantém sua postura firme, com a bacia que carrega em sua cabeça, e não parece ter, ao menos, um tremor. Ele olha firmemente para a câmera e apenas permanece naquele local imponente.

Vemos na imagem, uma pessoa, vestida com roupas típicas da Bahia, com as costas voltadas para o oceano, as ondas quebram. Na cabeça, ele carrega uma bacia e no pescoço um colar de miçangas.
Luisa Dorr

Junto com as ondas do litoral baiano, onde foi tirada a fotografia, histórias vem sendo carregadas. O oceano sempre esteve presente, assistindo todas as vidas que passaram por ali, vendo as mudanças que ocorreram durante séculos, embora ele sempre se mantivesse como o mesmo, arredio. Ele mesmo conta uma história, mesmo que silenciosamente, suas ondas sussurram-na para a beirada da praia, como se contasse-as em segredo.

Minha primeira vez vendo o mar foi com 18 anos, foi como renascer, dei meus primeiros passos vendo o azul infinito, não houve o choro do parto, apenas o mar ecoando com seu chiado e um sorriso que se espalhou até se tornar uma gargalhada toda vez que era tocada pela água. 

Sempre tive um fascínio pela água, ao mergulhar em uma piscina era como adentrar um mundo novo, a calmaria e o silêncio me faziam querer nunca emergir. Com o mar a experiência foi a mesma, eu o sentia me puxando para junto de si e me sentia acolhida, era como um abraço. Quando as ondas passavam, me via com o coração a disparar, a ansiedade era tanta, o medo de que quando o mar me atingisse e eu fosse desestabilizada, mas ao mesmo tempo, a sensação de ser abraçada era bem vinda. 

Após ser atingida, todo o medo passava e a calmaria reinava, a água em toda a sua fúria, já não estava mais tão revolta, ela agora só queria voltar para o seu lugar, para logo em seguida se lançar novamente. E esse ciclo se segue infinitamente, sem descanso nenhum, apenas com mais intensidade ou não, trazendo coisas perdidas para a areia, expulsando-as de seu domínio, e arrastando outras para as suas profundezas, coisas essas que nunca mais serão achadas ou que serão levadas para lugares distantes. 

Vendo a imagem desse homem tão imponente de costas para a água, fico a pensar em toda a sua força e coragem, para se manter tão tranquilo e firme diante da profusão de ondas. Ele quase parece fazer parte do mar, com suas roupas se mesclando à espuma marítima. Quando estive diante do oceano, só consegui me sentir pequena e frágil, prestes a ser quebrada e arrastada para longe, o que me deixa ainda mais impressionada com a leveza da figura fotografada.

 

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PAES, Nathália. E o mar passou. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2023/01/e-o-mar-passou.html>. Publicado em: 5 de jan. de 2023. Acessado em: [informar data].

Feirantes e fregueses

Contrastes sociais evidentes na São Paulo de 1940.

A fotografia abaixo, feita pela fotojornalista Hildegard Rosenthal, retrata uma feira livre na cidade de São Paulo, em 1940. Nela, é possível observar a distinção entre feirantes e fregueses, principalmente por suas vestimentas e características físicas. 


Em preto e branco, a fotografia revela uma feira livre. É possível distinguir barracas e bancadas onde são vendidos os produtos. Algumas mulheres utilizam sombrinhas e usam vestidos ou saias, e estão calçadas com sapatos de salto. Alguns homens usam chapéu, terno, gravata e sapato social. Há meninos negros, de camisa de manga longa e bermuda, alguns descalços, carregando mercadorias.

Hildegard Rosenthal 


O céu quase limpo e as sombrinhas registradas na foto nos contam que o dia estava quente. No entanto, alguns homens utilizam terno ou camisas de manga comprida e, claro, chapéu. As mulheres, por sua vez, usam vestidos ou saias, sapatos de salto, e algumas estão de manga comprida, além de levarem as sombrinhas. Os mais bem vestidos da cena são, intuitivamente, os fregueses e as freguesas da feira. 

O que mais me chama a atenção, entretanto, são os meninos negros, de bermuda e camisa de manga longa, um descalço, o outro de chinelo. Eles se contrapõem à elegância descrita acima, possuem traços físicos diferentes da freguesia e, não menos importante, são crianças. 

Os marcadores de classe, raça e gênero estão bem definidos na composição da fotografia, sendo facilmente isolados. Essa é uma cena comum da primeira metade do século 20, no Brasil. 

A Lei 8069/1990, em seu artigo 60, institui a proibição de qualquer tipo de trabalho a crianças menores de 13 anos. Contudo, entre 1940, quando essa fotografia foi feita, e 1990, quando essa lei foi promulgada, existem 50 anos. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, em 2019 cerca de 1,8 milhões de crianças e jovens exerciam trabalho infantil, sendo 21,3% de 5 a 13 anos, mais da metade do sexo masculino, preto ou pardo. Esses dados evidenciam que, apesar de haver um esforço para combater essa situação, o problema ainda não foi resolvido, e tem um perfil de vítimas bem definido. 

Apesar de haver um contexto histórico intrínseco à foto que não pode ser isolado, as diferenças sociais percebidas me deixam perplexa. Hoje, é assegurado a qualquer criança brasileira o direito à cidadania, e com isso, o dever de ser matriculada em uma escola. O que se revela nesta fotografia é o oposto disso, em uma época em que as crianças, sobretudo negras, tinham poucos direitos.

Interessante também perceber como as concepções de normalidade mudam em meio século, e o que era corriqueiro, como o trabalho infantil, torna-se um crime. Na contra-mão dessa mudança, a juventude negra continua sendo o maior alvo dessa condição. 

O trabalho infantil, a miséria, o analfabetismo e a marginalidade são heranças de uma sociedade que, durante séculos, manteve uma estrutura escravocrata e, portanto, racista. É comum que os trabalhadores resgatados pelo Ministério Público sejam em sua maioria negros. Ainda que haja mudanças estruturais, como na legislação, nem sempre são acompanhadas por mudanças estruturantes. Enquanto a mentalidade social tiver origem escravocrata, crianças e jovens negros não usufruirão plenamente de sua vida cidadã. 


Chamada para ação

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Links, Referências e Créditos

https://ims.com.br/titular-colecao/hildegard-rosenthal/

https://livredetrabalhoinfantil.org.br/noticias/reportagens/o-que-o-eca-diz-sobre-o-trabalho-infantil/

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/29738-trabalho-infantil-cai-em-2019-mas-1-8-milhao-de-criancas-estavam-nessa-situacao

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MORAIS, Isabella Garcia. Feirantes e Fregueses. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/10/feirantes-e-fregueses.html>. Publicado em: 29 dez. 2022. Acessado em: [informar data]. 


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Corpo feminino em forma de revolução

Empoderamento, feminilidade e autoestima nas curvas de uma mulher.

A foto, tirada em 1965, retrata o empoderamento de uma mulher socialmente considerada idosa.

Descrição: Mulher considerada idosa posando nua em um cenário que parece uma floresta. Ela tem o cabelo loiro, curto e ondulado e, como acessório, usa um salto alto e um óculos de sol
Diane Arbus

Diane Arbus, profissional conhecida por seu trabalho ter foco em retratar as pessoas à margem da sociedade, certamente fotografou a mulher da imagem na intenção de trazer uma mensagem à tona. Mas qual?

Primeiramente, é importante frisar o contexto em que a fotografia foi tirada, visto que outros costumes e crenças estavam em vigor na década de 60. Na época, o machismo e o conservadorismo eram ainda mais presentes na sociedade que atualmente, o que enquadrava as mulheres às funções de cuidar dos filhos e da casa, além de terem seus corpos sexualizados como objetos em prol do prazer masculino.

Na foto, admiro como a modelo posa com confiança e autoestima.  Dá pra ver como ela se sente bem consigo mesma, resistindo ao preconceito dos olhos da sociedade, que inferiorizam esse corpo apenas por ser mais velho. Corpo este que é visto como não digno de sensualidade. Um corpo que, apenas por existir, é julgado.

Corpo que, acima de tudo, habita uma alma. A alma de alguém. A existência. A resistência. Para mim, essa mulher não só modela para um retrato, ela faz revolução. Ela revoluciona uma sociedade que estabelece que envelhecer é negativo. Afirmou, por meio de uma imagem, que ficar mais idosa não significa só adquirir conhecimento intelectual. Pode significar também uma nova maneira de ser sexy, de se empoderar e de resistir ao machismo que tanto julga o corpo feminino. De dizer “não” ao capitalismo que tanto impõe produtos e cirurgias estéticas.

Ao analisar essa foto, sinto orgulho sem ao menos conhecer essa senhora. Fico  feliz ao ver a coragem que imagino que ela teve para se expôr em uma época tão conservadora e sexista. Como mulher, reflito sobre a necessidade e urgência de, assim como a do retrato, nos sentirmos confortáveis e seguras. Porque, principalmente, um corpo é o conjunto material que nos torna capazes de realizar nossas atividades essenciais e fisiológicas.

É ele que nos possibilita comer, caminhar, estudar, trabalhar, tocar quem amamos e, por isso, é tão primordial que estejamos em paz com ele, independente de seu formato,  idade e cor. Então, retomando a pergunta inicial deste texto, acredito que o objetivo de Diane Arbus ao realizar esse ensaio fotográfico foi trazer à mídia a mensagem de revolução que a modelo transmite.

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

 

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SOARES, Maria Clara. Corpo feminino em forma de revolução. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: https://culturafotografica.com.br/corpo-feminino-em-forma-de-revolucao/. Publicado em: 22 de dez. de 2022. Acessado em: [informar data].

Aos doze anos

A transição da fantasia infantil à dura realidade machista

A imagem abaixo mostra uma garota de 12 anos vestindo roupas claras. A segurando por trás, há um homem adulto de terno, seu rosto está oculto devido a falta de luminosidade. Tanto o homem como a menina estão na varanda frontal de uma casa de bonecas, ao lado deles podemos ver cadeiras e uma mesa com xícaras para uma provável brincadeira de chá.

Esta foto faz parte do ensaio fotográfico At Twelve: Portraits of Young Women, feito por Sally Mann, que tem como intuito retratar a individualidade de diversas meninas de 12 anos de Lexington, VA, cidade natal da fotógrafa. Curiosamente, esta imagem é, na minha opinião, a que mais evidencia uma crítica social.


A foto em preto e branco mostra uma garota de 12 anos  de roupas claras. Atrás dela há um homem adulto, de terno, segurando seu braço, não podemos ver seu rosto devido à sombra em seu rosto. Ambos estão na entrada de uma ‘casinha de bonecas’ que possui uma mesinha e cadeiras na varanda frontal.
Sally Mann

Tentei buscar alguma opinião ou comentário da fotógrafa sobre o ensaio, mas não encontrei nada. Desse modo me peguei pensando, refletindo sobre o que os 12 anos de uma garota significam, para ela, para sua família e para a sociedade.

Normalmente, é próximo aos 12 anos que mulheres têm sua menarca, isto é, sua primeira menstruação. Ao longo das décadas muitos significados já foram atribuídos a este momento. Como, por exemplo, sendo o momento a partir do qual a menina já pode casar, “sair dos braços do pai para os braços do marido”.

Nas últimas décadas do século XX, quando o ensaio foi feito, já não existia tão abertamente este pensamento, mas de algum modo, seus resquícios ainda repercutiam e repercutem na sociedade.

Não é novidade que vivemos numa sociedade machista na qual é presente a cultura do estupro. Uma cultura que perpassa fronteiras e continentes e que, especificamente no Brasil e nos Estados Unidos, muito se assemelha.

O homem ao fundo da imagem, me acarreta a imagem de um primeiro abuso, uma primeira transgressão, uma primeira violência. Ele não possui rosto, chega por trás e num local que ‘não pertence’: a casa de bonecas.

Toda a composição dessa fotografia me grita uma violência na infância, nesta transição para a pré-adolescência, momento no qual, boa parte das meninas começa a ser sexualizada pela sociedade como um todo.

Para quem olha brevemente a imagem pode não aparentar grandes significados, mas, para mim, é de grande profundidade a crítica feita pela autora.

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Um clique que eternizou o ódio

Através das lentes de Alfred Eisenstaedt, somos impactados pelo ódio que sustentou o período mais sombrio do século XX.

A ideologia nazista serviu de base para o governo totalitário de Adolf Hitler que iniciou um dos conflitos mais importantes de toda a História: a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Entretanto, muito antes da guerra começar, com a invasão dos alemães à Polônia, o ódio contra as minorias que fugiam do padrão ariano “ideal” de Hitler já reverberavam fortemente entre os membros de seu governo. O registro de Joseph Goebbles, feito pelo fotógrafo Alfred Eisenstaedt para a revista LIFE em 1933, é a prova que temos dessa ojeriza propagada pelo regime nazista. Já que a foto foi tirada no exato momento em que o ministro da propaganda de Hitler descobre que estava sendo fotografado por um judeu.
Foto em preto e branco do nazista Joseph Goebbles sentado numa cadeira com as duas mãos apoiadas nos braços do assento. Ele veste terno e olha para a câmera com um olhar que transita entre a raiva, o desconforto e o ódio.  À sua direita, um homem está curvado para mostrar a ele o que parece ser um documento. Ainda, atrás de Joseph, vemos um homem com a cabeça baixa, olhando para o papel. O ambiente é um gramado e percebe-se uma construção ao fundo com uma pessoa observando a reunião pela janela, além de outros homens conversando ao fundo. Por fim, há arbustos e alguns pinheiros ao fundo.
Alfred Eisenstaedt
A fotografia foi tirada durante a conferência da Liga das Nações, antecessora das Nações Unidas, na Suíça. O fotojornalista judeu estava cobrindo as notícias e tirando fotos da conferência quando registrou o membro do Terceiro Reich. 
Sobre o acontecido ele contou em seu livro “Eisenstaedt on Eisenstaedt: A Self-Portrait” de 1985, “Em 1933, eu viajei de Lausanne para Genebra para a décima quinta sessão da Liga das Nações. Lá, sentado no jardim do hotel estava Dr. Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. Ele sorriu, mas não para mim. Ele estava olhando para alguém à minha esquerda… De repente, ele me encontrou e eu o encarei. Sua expressão mudou. Aqueles eram os olhos do ódio. Eu era um inimigo? Atrás dele estava seu secretário pessoal, Walter Naumann, com um cavanhaque e o intérprete de Hitler, Dr. Paul Schmidt… Eu devo ter sido perguntado como me senti fotografando esses homens. Naturalmente, não tão bem, mas quando eu tenho minha câmera em minhas mãos eu não tenho medo.”
Analisando essa foto nos dias de hoje, noto como toda a minha atenção se direciona para o rosto de Goebbles que está justamente no centro da imagem. Seu olhar me passa um misto de sensações, sendo o medo a mais marcante. Naquele momento, a forma como ele encara Eisendat é cortante, direta e maligna na essência da palavra. É como se lhe perguntasse “Por que você existe?”
Ainda, sinto que qualquer pessoa que olhe para a foto se colocará no lugar do fotógrafo, como se esse ódio de Joseph fosse direcionado para nós. Pois essa é a expressão pura e simples do que é negar o outro como seu semelhante.
Além disso, o momento rouba toda a atenção do ministro de Hitler: ele não foca no intérprete do Fuher ao seu lado, e sim direciona toda a sua energia na aversão ao judeu. Outro ponto que torna tudo ainda mais triste nesta análise é pensar que anos depois o mundo iria descobrir a forma do governo alemão lidar com aqueles “inferiores à raça pura”. Alfred, felizmente, não foi capturado e mandado para um campo de concentração, mas muitos de seus irmãos não tiveram o mesmo destino. Sentindo em seus corpos toda a energia maligna que estes olhos carregavam através de torturas e assassinatos, entre tantas outras barbáries que ainda assombram a história contemporânea.
Por isso, creio na grande importância de mantermos essa parte da História viva em nossa memória. Afinal, ainda há pessoas que defendem, mundo afora, as mesmas ideias apoiadas por Joseph Goebbles. Portanto, posso dizer que Alfred Eisenstaedt conseguiu eternizar em um clique a maior mensagem da concretização do ódio que assombrou a humanidade e que merece ser deixado no passado; porém, jamais esquecido. 

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O Grande Vizinho, o colosso siderúrgico de Ipatinga

Fotolivro de Rodrigo Zeferino, artista visual ipatinguense, mostra a paisagem industrial da cidade.

A Usiminas é uma das maiores usinas siderúrgicas do mundo e está localizada exatamente no centro do município de Ipatinga, em Minas Gerais. Foi fundada em 1960, quatro anos antes da fundação da cidade, em um projeto do então presidente Juscelino Kubitschek.


A imagem mostra um cemitério com um grande gramado com várias placas distribuídas sob a grama, elas se localizam em cima de túmulos. Ao fundo, é possível ver as chaminés da usina e algumas residências. O céu está em tons de roxo e laranja, e suas cores se mesclam com a fumaça das chaminés.
Rodrigo Zeferino

A fotografia acima foi feita num cemitério da cidade de Ipatinga, mesmo lugar onde meu avô foi enterrado há 18 anos. Escolhi essa imagem justamente por ter um grande significado para mim. 

É engraçado que, antes de ver essa fotografia, nunca fui capaz de notar que era possível ver parte do complexo industrial da Usiminas de lá. Talvez por estar tão imersa no ambiente, eu não fosse capaz de percebê-lo. Mas, agora que estou em outra cidade, ver essa imagem chega a ser um pouco assustador.

A cidade foi construída em torno da usina siderúrgica e, a maioria dos bairros, de alguma forma, depende dela. Esse lugar carrega muitas histórias, muitas vidas dependem dela e outras muitas já foram perdidas por conta dela também. 

Em entrevista com Rodrigo, ele me contou sua intenção ao construir esse projeto: “Em ‘O Grande Vizinho’ tratei de criar uma narrativa que discorre sobre as relações da cidade de Ipatinga com a usina siderúrgica que ocupa seu centro geográfico. A proximidade absurda entre zona urbana e arquitetura industrial produz imagens de alto teor distópico, algo ficcional, de um realismo fantástico. Dediquei-me a explorar essas propriedades inerentes à paisagem local e trazer à tona o estranhamento que jaz inerte no olhar do ipatinguense nativo.”

A indústria cresce ao seu redor e você, como um pequeno ipatinguense, cresce junto dela. Lembro-me de que em 2019 e 2020, estudei em uma escola que ficava bem ao lado da Usiminas. Foi nesse período que senti na pele a coexistência do grande vizinho – era bem comum sentir pequenas partículas de minério frio caindo na pele logo pela manhã e meus tênis tinham que ser lavados semanalmente por conta do pó.

Essa imagem é capaz de mostrar não somente o óbvio, mas também que muitas das pessoas que residem em Ipatinga, dependem da Usiminas. Em muitos desses túmulos, jazem trabalhadores e trabalhadoras siderúrgicas, como meu avô fora um dia. Com muito sangue, suor e lágrimas, todos ajudaram a construir a cidade, a construir uma história, a construir nosso Grande Vizinho.


A imagem mostra o telhado de uma casa. Ao fundo, é possível ver o complexo industrial da Usiminas, um céu alaranjado com uma grande nuvem de fumaça proveniente da usina da cidade.
Rodrigo Zeferino

A imagem parte da prefeitura municipal da cidade de Ipatinga, assim como o pátio e outros prédios. Ao fundo, é possível ver grandes chaminés da Usiminas.
Rodrigo Zeferino
A imagem mostra um complexo residencial cinza escuro. Ao fundo, é possível ver o céu roxo com grandes nuvens de fumaça proveniente da usina da cidade e grandes chaminés.
Rodrigo Zeferino

A imagem mostra parte da Usiminas vista de cima de um morro. É possível ver um garoto observando a paisagem. Ao fundo, no complexo, vê-se fogo, fumaça e muitas luzes.
Rodrigo Zeferino

A imagem mostra um complexo residencial cinza escuro. Ao fundo, é possível ver o céu alaranjado com uma grande nuvem de fumaça proveniente da usina da cidade.
Rodrigo Zeferino

Ao ver todas essas fotografias incríveis, é possível concluir que a Usiminas não é apenas uma usina siderúrgica, mas sim, um onipotente e onipresente Grande Vizinho. O que o fotojornalista, Rodrigo Zeferino, captou com suas objetivas é de fazer cair o queixo e, com certeza, mudou minha forma de ver Ipatinga. 

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CARVALHIDO, Sofia. O Grande Vizinho: o colosso siderúrgico de Ipatinga. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/08/blog-post.html>. Publicado em: 1 de dez. de 2022. Acessado em: [informar data].

O Vestido Branco Esvoaçante

A personalidade forte de Marilyn Monroe através das lentes de Sam Shaw.

A personalidade forte de Marilyn Monroe através das lentes de Sam Shaw.

Uma jovem loira, em pé sobre uma grade de ventilação no metrô de Nova York, usando um vestido branco cujo o ar está empurrando para cima. Essa é a descrição da fotografia mais famosa da grande estrela de Hollywood, Marilyn Monroe, que foi tirada em 15 de setembro de 1954 pelo fotógrafo Sam Shaw no set do filme Seven Year Itch e reimpressa milhões de vezes no mundo.
Sam Shaw

A famosa fotografia da atriz, modelo e cantora norte-americana poderia ser apenas o retrato de uma mulher comum segurando um vestido branco esvoaçante, mas o fato é que há muito mais por trás dessa imagem.

Nessa fotografia, Marilyn Monroe foi imortalizada pelos seus cabelos loiros, sua sensualidade e feminilidade. De forma espontânea,  ela acabou se tornando um símbolo da indústria cinematográfica, representando perfeitamente o padrão de beleza imposto como ideal às mulheres nos anos 60. 

No entanto, por se tratar de uma foto bastante sensual, ela também simboliza o oposto do que os costumes da época, afinal de contas, as  mulheres deviam se portar de forma mais recatada. 

O vestido voando enquanto ela o segura e o seu olhar de “ironia” geram uma provocação a todas essas regras morais ditadas por homens em uma sociedade patriarcal. Ela desafia os olhares julgadores e parece se divertir com isso. 

Sam Shaw não registrou apenas uma estrela do cinema hollywoodiano ou uma modelo famosa, mas sim uma grande personalidade cujo qual não pôde ser escondida das lentes da câmera e nem tinha a pretensão de se esconder.

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IASMIN, Jade. O Vestido Branco Esvoaçante. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/o-vestido-branco-esvoacante/>. Publicado em: 24 de nov. de 2022. Acessado em: [informar data].

A dura fragilidade da mente e a máscara da felicidade

Como a depressão e a angústia podem ser maquiadas com um singelo e sereno sorriso enquanto corroem a mente

Como a depressão e a angústia podem ser maquiadas com um singelo e sereno sorriso enquanto corroem a mente

O fotógrafo Edward Honaker, diagnosticado com ansiedade e depressão, encontrou em seus equipamentos fotográficos uma forma de retratar como as doenças mentais acabam silenciosamente com o ser humano.

A imagem mostra um homem de terno com o rosto graficamente desconfigurado.
Edward Honaker

Aos 21 anos de idade (2015), ele lançou um trabalho recheado de autorretratos que representam suas experiências pessoais com a depressão e a ansiedade, doenças com as quais fora diagnosticado dois anos antes. Através das objetivas, ele mostra como é a realidade de quem lida diariamente com a doença. Sua finalidade ao fazer o projeto é que as pessoas começassem a falar sobre transtornos mentais e se aceitassem como portadoras, para que pudessem realizar o tratamento correto.

De acordo com dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), em todo o mundo, estima-se que mais de 300 milhões de pessoas, de todas as idades, sofrem de depressão. Isso mostra o quão importante é trazer o tópico “saúde mental” para a sociedade, também de acordo com a OPAS, cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio todos os anos – números alarmantes para que fechem-se os olhos. 

Através da imagem, é possível perceber o que a depressão faz com uma pessoa. Você se perde de si mesmo, não se reconhece mais e quem está a sua volta também deixa de te reconhecer. Nome? CPF? Endereço? Tudo deixa de existir e você passa a ser só mais um no meio da multidão.

A depressão é uma das principais causas de incapacidade no mundo e suas causas são diversas – desde uma predisposição genética até a síndrome de Burnout (que se caracteriza pelo esgotamento mental, mas também físico, advindo de grandes períodos de estresse). Falta ou excesso de apetite, padrão que também se aplica ao sono, desânimo, medo e/ou raiva constantes estão presentes em quadros depressivos. Entretanto, para se ter um diagnóstico concreto, deve-se procurar um profissional da área da saúde mental – psicólogos e psiquiatras.

Não existe uma forma de descrever melhor  como é lidar com a depressão senão da forma como o fotógrafo trouxe. Posso dizer – por experiência própria – que é uma angústia diária que te impede de comer, de realizar hábitos comuns como tomar banho ou colocar o lixo do lado de fora e, principalmente, de sair do quarto. Sua cama vira seu mundo e você está a mercê dos seus pensamentos, refém de si mesmo.

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

Links, Referências e Créditos

Como citar este artigo

CARVALHIDO, Sofia. A dura fragilidade da mente. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/a-dura-fragilidade-da-mente-e-a-mascara-da-felicidade/>. Publicado em: 17 de nov. de 2022. Acessado em: [informar data].

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