Feirantes e fregueses

Contrastes sociais evidentes na São Paulo de 1940.

A fotografia abaixo, feita pela fotojornalista Hildegard Rosenthal, retrata uma feira livre na cidade de São Paulo, em 1940. Nela, é possível observar a distinção entre feirantes e fregueses, principalmente por suas vestimentas e características físicas. 


Em preto e branco, a fotografia revela uma feira livre. É possível distinguir barracas e bancadas onde são vendidos os produtos. Algumas mulheres utilizam sombrinhas e usam vestidos ou saias, e estão calçadas com sapatos de salto. Alguns homens usam chapéu, terno, gravata e sapato social. Há meninos negros, de camisa de manga longa e bermuda, alguns descalços, carregando mercadorias.

Hildegard Rosenthal 


O céu quase limpo e as sombrinhas registradas na foto nos contam que o dia estava quente. No entanto, alguns homens utilizam terno ou camisas de manga comprida e, claro, chapéu. As mulheres, por sua vez, usam vestidos ou saias, sapatos de salto, e algumas estão de manga comprida, além de levarem as sombrinhas. Os mais bem vestidos da cena são, intuitivamente, os fregueses e as freguesas da feira. 

O que mais me chama a atenção, entretanto, são os meninos negros, de bermuda e camisa de manga longa, um descalço, o outro de chinelo. Eles se contrapõem à elegância descrita acima, possuem traços físicos diferentes da freguesia e, não menos importante, são crianças. 

Os marcadores de classe, raça e gênero estão bem definidos na composição da fotografia, sendo facilmente isolados. Essa é uma cena comum da primeira metade do século 20, no Brasil. 

A Lei 8069/1990, em seu artigo 60, institui a proibição de qualquer tipo de trabalho a crianças menores de 13 anos. Contudo, entre 1940, quando essa fotografia foi feita, e 1990, quando essa lei foi promulgada, existem 50 anos. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, em 2019 cerca de 1,8 milhões de crianças e jovens exerciam trabalho infantil, sendo 21,3% de 5 a 13 anos, mais da metade do sexo masculino, preto ou pardo. Esses dados evidenciam que, apesar de haver um esforço para combater essa situação, o problema ainda não foi resolvido, e tem um perfil de vítimas bem definido. 

Apesar de haver um contexto histórico intrínseco à foto que não pode ser isolado, as diferenças sociais percebidas me deixam perplexa. Hoje, é assegurado a qualquer criança brasileira o direito à cidadania, e com isso, o dever de ser matriculada em uma escola. O que se revela nesta fotografia é o oposto disso, em uma época em que as crianças, sobretudo negras, tinham poucos direitos.

Interessante também perceber como as concepções de normalidade mudam em meio século, e o que era corriqueiro, como o trabalho infantil, torna-se um crime. Na contra-mão dessa mudança, a juventude negra continua sendo o maior alvo dessa condição. 

O trabalho infantil, a miséria, o analfabetismo e a marginalidade são heranças de uma sociedade que, durante séculos, manteve uma estrutura escravocrata e, portanto, racista. É comum que os trabalhadores resgatados pelo Ministério Público sejam em sua maioria negros. Ainda que haja mudanças estruturais, como na legislação, nem sempre são acompanhadas por mudanças estruturantes. Enquanto a mentalidade social tiver origem escravocrata, crianças e jovens negros não usufruirão plenamente de sua vida cidadã. 


Chamada para ação

#leitura é uma coluna de caráter crítico. Trata-se de uma série de análises de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.


Links, Referências e Créditos

https://ims.com.br/titular-colecao/hildegard-rosenthal/

https://livredetrabalhoinfantil.org.br/noticias/reportagens/o-que-o-eca-diz-sobre-o-trabalho-infantil/

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/29738-trabalho-infantil-cai-em-2019-mas-1-8-milhao-de-criancas-estavam-nessa-situacao

Como citar este artigo

MORAIS, Isabella Garcia. Feirantes e Fregueses. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/10/feirantes-e-fregueses.html>. Publicado em: 29 dez. 2022. Acessado em: [informar data]. 


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São Paulo por Hildegard Rosenthal

Alemã radicada no Brasil, a fotojornalista revelou uma São Paulo efervescente e humanizada. 


Pedagoga de formação, entretanto, Hildegard tornou-se fotógrafa, tendo sido aluna de Paul Wolff na Alemanha. No Brasil, foi pioneira na representação feminina no fotojornalismo, e trabalhou para várias agências de notícias, como a Press Information. São Paulo foi a sua casa e cenário de sua obra, onde fotografou uma metrópole movimentada e diversa. 


A fotografia, em preto e branco, mostra a Praça da Sé, no centro de São Paulo. Está lotada de pessoas e há alguns carros e ônibus. No fundo, há alguns prédios e a Catedral da Sé em construção.
Hildegard Rosenthal


Deixando um legado de aproximadamente 3.400 registros negativos, Hildegard foi uma das pessoas que inauguraram o fotojornalismo no país, apresentando uma nova maneira de se construir as narrativas jornalísticas. A fotógrafa exerceu a profissão durante as décadas de 1930 e 1940, em São Paulo. À época, a cidade estava cheia de imigrantes, refugiados dos regimes totalitários na europa (como ela mesma), e também era impactada pelas inovações propostas pelo governo Vargas. 

O ambiente metropolitano e cosmopolita de São Paulo foi bastante retratado na sua obra, com destaque para pontos turísticos e obras que expandiram a cidade, como o Mercado Central, o Viaduto do Chá e a Catedral da Sé. Ela se interessava bastante pelo tema da infância, e buscava retratar a sutileza das pessoas, um trabalho complexo de ser realizado naquela que já era a maior cidade do Brasil. 


A fotografia, em preto e branco, mostra um menino de traços caucasianos segurando um jornal. Ele usa boina, camisa, paletó, bermuda e meias, e posa sorrindo para a câmera.
Hildegard Rosenthal

A fotografia retrata duas meninas de traços orientais tomando sorvete de palito. Elas usam uma blusa de mangas compridas, debaixo de um vestido de manga cavada e que tem um laço na altura da gola da camisa. Elas desviam o olhar da câmera, e uma delas parece estar sorrindo.
Hildegard Rosenthal


A fotografia, em preto e branco, retrata um homem lavando um carro. Ele utiliza uma boina, uma blusa de manga longa e calça de uniforme. Há um carro em suspensão, que é lavado por ele na altura da roda, por uma mangueira.
Hildegard Rosenthal

Em preto e branco, a fotografia revela uma feira livre. É possível distinguir barracas e bancadas onde são vendidos os produtos. Algumas mulheres utilizam sombrinhas e usam vestidos ou saias, e estão calçadas com sapatos de salto. Alguns homens usam chapéu, terno, gravata e sapato social. Há meninos negros, de camisa de manga longa e bermuda, alguns descalços, carregando mercadorias.
Hildegard Rosenthal

Em preto e branco, a fotografia, feita do alto de um prédio,  mostra um entroncamento de ruas. Há muitos pedestres, não só na calçada, como também na via. Alguns fios elétricos cortam a foto, tanto no alto como no chão.
Hildegard Rosenthal



A fotografia negativa mostra pedestres atravessando uma rua. O chão está molhado. Os homens usam terno e gravata, e a única mulher visível está de vestido e sapato de salto. Os prédios não possuem mais do que cinco andares.
Hildegard Rosenthal


A fotografia, em preto e branco, revela o Estádio do Pacaembu. Pessoas dos mais diversos tipos e idades se dirigem aos portões.
Hildegard Rosenthal


#galeria é uma coluna de caráter informativo. Trata-se de uma série de postagens que apresenta um recorte da obra de um_ fotógraf_ de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica, acompanhadas por uma breve biografia sua. Quer conhecer melhor a coluna #galeria? É só seguir este link.


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Hildegard Rosenthal e o protagonismo feminino no fotojornalismo brasileiro

A primeira mulher fotojornalista do Brasil


Hildegard Rosenthal é natural de Zurique, na Suíça e viveu grande parte de sua vida em Frankfurt na Alemanha, onde estudou pedagogia durante os anos de 1929 até 1933. Entre 1934 e 1935 viveu em Paris, mas depois retornou para Frankfurt e estudou fotografia no Instituto Gaedel, com Paul Wolf, especialista em câmera de pequenos formatos e técnicas de laboratório. Após se formar, foi contratada como fotógrafa pela empresa Hein Mainischer Bildverlag, até que em 1937, ela e seu namorado, Walther Rosenthal, precisaram deixar a Alemanha e emigrar para São Paulo no Brasil, pois ele era judeu e precisava fugir do regime nazista.


Hildegard Rosenthal

Já em São Paulo, no ano de 1938, Hildegard começou a trabalhar como orientadora de laboratório na empresa de materiais e serviços fotográficos Kosmos, na Rua São Bento. No mesmo ano, a agência Press Information a contratou para atuar como fotojornalista, onde realizou reportagens para jornais nacionais e internacionais e teve fotos publicadas no “La Prensa”, de Buenos Aires, “Gazeta do Sul”, de Cananeia, e “Folha da Noite”, “Folha da Manhã” e “Estado de São Paulo”.

Neste trabalho, Hildegard Rosenthal fez registros do processo de urbanização da grande São Paulo, das cidades do interior paulista, do Rio de janeiro e de algumas cidades do sul. Suas fotografias registraram o fluxo de pessoas nas ruas, o transporte público, a arquitetura, vendedores ambulantes e cidadãos comuns em situações prosaicas. Ela costumava registrar pessoas desconhecidas ou modelos que simulavam situações cotidianas. Desse modo, Hildegard humanizou e congelou no tempo uma metrópole movimentada.

Além desses importantes registros históricos do início da urbanização no Brasil, ela também fez fotos de grandes nomes da arte e da literatura brasileira, capturando os artistas em momentos de criação. Dentre esses grandes nomes estão: o pintor Lasar Segall, os escritores Guilherme de Almeida e Jorge Amado, o humorista Aparício Torelly – conhecido também Barão de Itararé – e o desenhista Belmonte. 


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Links, Referências e Créditos

A nova mulher

Um ensaio sobre a inserção de mulheres nos contextos urbanos

Um ensaio sobre a inserção de mulheres nos contextos urbanos

Com intuito de destacar a presença da mulher nos diversos cenários urbanos, a fotógrafa Hildegard Rosenthal produziu, em 1940, o ensaio intitulado “A nova mulher”, em que retratou sua amiga em diversas cenas cotidianas na cidade de São Paulo. Na imagem abaixo vemos uma cena comum dos anos 40, alguém lendo jornal numa banca, mas que nunca era retratada com a presença feminina em destaque.

 
A foto em preto e branco mostra uma mulher em pé em frente a uma banca lendo um jornal. À sua volta há diversas pessoas andando nas ruas e calçadas, ninguém dá atenção à câmera.
Hildegard Rosenthal

Em suas obras, Hildegard retrata paisagens urbanas como a arquitetura das cidades, vendedores e cidadãos comuns em situações rotineiras. No entanto, após perceber a presença dominante de figuras masculinas em suas fotografias, a artista resolveu produzir o ensaio intitulado: “A nova mulher”, agora com maior presença nos ambientes urbanos.

Anteriormente, os espaços públicos eram frequentados e pensados para homens, enquanto às mulheres era oferecido somente o ambiente doméstico. Porém, vale lembrar que mesmo que ocupados majoritariamente por homens, algumas mulheres já haviam, sozinhas, adentrado tais lugares e conquistado seu espaço. Contudo, é só a partir dos anos 40 e 50 que a grande massa feminina começou a participar ativamente do convívio social, experimentando ocupar espaços que antes lhes eram proibidos.

O ensaio de Hildegard é um exemplo fiel deste momento, retratando o ingresso da mulher no convívio social. Na imagem abaixo, podemos ver a mesma moça da primeira foto comprando um buquê numa feira de flores montada na rua.

 
A imagem em preto e branco mostra uma feira de flores na rua. Em primeiro plano, há um vendedor de branco que carrega um pequeno buquê. Ele conversa com a modelo que sorri e segura um grande buquê em uma das mãos. Ao fundo, do outro lado da rua, vemos mais pessoas olhando as flores expostas na calçada próxima a um muro. E, acima do muro, existem diversos cartazes com propagandas expostas.
Hildegard Rosenthal

Ambas as imagens me atraem o olhar por simplesmente retratar mulheres, há um processo de reconhecimento que acredito ser fundamental nas construções de fotografias cujo objetivo é mobilizar os espectadores, fazendo-os repensar tais assuntos.

Estas fotografias, e o ensaio como um todo, muito me agradam devido à característica feminista de repensar, expor e questionar a presença feminina e o papel da mulher no espaço público. As fotos foram apresentadas num período onde o feminismo era pouco presente no cotidiano brasileiro, discutido apenas pela elite intelectual da época.

O feminismo de hoje só é possível devido a mulheres que, como Hildegard, quebraram as barreiras e estereótipos de seus respectivos períodos históricos. Abrindo espaço para que mulheres fossem vistas e ouvidas, e o feminismo discutido e repensado.

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

Links, Referências e Créditos

Como citar este artigo

COUTO, Sarah. A nova mulher. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/a-nova-mulher/>. Publicado em: 17/08/2022. Acessado em: [informar data].

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