Gioconda Rizzo

Primeira mulher brasileira a ter autoria fotográfica reconhecida e a ter um estúdio próprio.

Nascida em São Paulo, no ano de 1897, Gioconda Rizzo iniciou seu trabalho quando tinha apenas 14 anos de idade. Seu pai, Michele Rizzo, era fotógrafo e tinha um estúdio chamado Ateliê Rizzo. Com um exemplo da profissão dentro de casa, Gioconda se interessou pela fotografia e logo começou sua carreira.

Descrição: Gioconda sentada em uma cadeira, num ambiente que parece ser uma casa. No fundo, há porta retratos e enfeites em uma prateleira. A fotógrafa veste roupas de frio e tem uma expressão tranquila.
Autor desconhecido (a)

Na época, a menina só tinha permissão para fotografar mulheres e crianças, mas inovou com seu enquadramento fotográfico: focava nos ombros e nos rostos das modelos. Em 1914, inaugurou seu estúdio, chamado Photo Femina, mas, infelizmente, foi fechado no ano de 1916, por pressão da sociedade conservadora.

A fotógrafa trabalhou com muitos nomes prestigiados na sociedade, entre eles, a 1° Miss Brasil, Zezé Leone, e a Miss Universo, Yolanda Pereira.  Faltando poucas semanas para completar seus 107 anos, Gioconda faleceu, em 2004.

Confesso ter tido dificuldade para encontrar o acervo da fotógrafa. Isso porque Rizzo era  uma mulher inovando em pleno século XX e, devido ao machismo intrínseco na sociedade, suas obras eram pouco valorizadas, com raros registros oficiais e armazenamentos precários. Fato que me faz refletir na quantidade de mulheres que, assim como Gioconda, tiveram seu trabalho apagado e silenciado perante uma sociedade que as depreciava e invisibilizava.

Descrição: Mulher olhando fixamente para a câmera. Maquiada para o ensaio, a modelo tem uma expressão séria e assustada. Seu cabelo, cacheado, é curto e tem um corte característico da época.
Gioconda Rizzo
Descrição: Mulher posando para um retrato, que parece ser antigo. Ela posiciona-se de perfil e está bem arrumada: usa acessórios como brincos e um cordão, e está maquiada. A foto tem foco em seu busto, que é centralizado e destacado.
Gioconda Rizzo
#galeria é uma coluna de caráter informativo, com periodicidade semanal. É publicada toda segunda-feira pela manhã. Trata-se de uma série de postagens que apresenta um recorte da obra de uma fotógrafa ou fotógrafo de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica, acompanhadas por uma breve biografia sua. Quer conhecer melhor a coluna #galeria? É só seguir este link.

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SOARES, Maria Clara. Gioconda Rizzo. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2023/01/gioconda-rizzo.html>. Publicado em: 17 de jan. de 2023. Acessado em: [informar data].

Seja um(a) colaborador(a)!*

Convidamos tod_s _s estudantes dos cursos de Ciências Humanas, Sociais e Aplicadas da UFOP para atuar como extensionistas no Cultura Fotográfica.

O Cultura Fotográfica é um Grupo de Cultura, Ensino, Extensão e Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)que, a partir do aporte teórico e metodológico da Educomunicação, dos Estudos Decoloniais e da Fotografia Participativa, e em concordância com os planos nacionais de Cultura e de Educação, visa contribuir com a sociedade brasileira, mediante a produção e a difusão de conhecimentos artísticos, científicos e tecnológicos úteis ao campo da cultura e, em particular, ao da fotografia.
 
Atualmente, desenvolvemos 2 programas e 1 projeto isolado:
  • Cultura Fotográfica: plataforma de produção e distribuição de conteúdo fotográfico e sobre fotografia. Programa composto por 4 projetos de extensão.
  • Olhares Comunitários: método de alfabetização fotográfica que visa apoiar a aquisição de competências de leitura e escrita do mundo e de imagens fotográficas por jovens de comunidades periféricas. Programa composto por 1 projeto de extensão, 1 de extensão com interface com a pesquisa e 2 de pesquisa.
  • Império do Olhar: pesquisa sobre os usos da fotografia na construção da imagem do império brasileiro durante o Segundo Reinado.

 


Sabemos que somente mediante a atuação de colaboradores conseguiremos alcançar os objetivos de cada um desses projetosPor essa razão, convidamos tod_s _s estudantes dos cursos de Ciências Humanas, Sociais e Aplicadas da UFOP a manifestarem seu interesse em participar do Cultura Fotográfica.
 
Chamada de Colaboradores Voluntários
1. A presente chamada visa selecionar estudantes interessados(as) em atuar nos projetos vinculados ao Cultura Fotográfica.
1.1. A colaboração voluntária, de caráter temporário, não gera vínculo empregatício.

1.2. Para atuar como colaborador(a) voluntário(a), o(a) estudante deverá estar regularmente matriculado(a), a partir do 2º período, em curso de graduação universitária das áreas de Ciências Humanas, Sociais ou Aplicadas da UFOP e ter perfil e desempenho acadêmico compatíveis com as atividades previstas no projeto.

 1.3. O(A) colaborador(a) voluntário(a) deverá cumprir as atividades constantes em Plano de Trabalho, em jornada de 15 (quinze) horas semanais.

i.  Ao final do período, a(o) estudante receberá declaração de participação nas atividades do Cultura Fotográfica.

ii. É vedado ao(a) estudante o acúmulo de atividades de ensino, pesquisa e/ou extensão, remuneradas ou não, cuja carga horária total supere 54 horas semanais.

1.4. A(O) estudante voluntária(o) deverá ter disponibilidade de horário às quintas-feira no horário de 9h às 11h para participar de atividades síncronas, presenciais ou remotas, do projeto.

1.5. A(O) estudante voluntária(o) deverá manter coeficiente acadêmico igual ou superior a 7 (sete)

2. As inscrições de estudantes interessados(as) deverão ser realizadas exclusivamente pelo formulário acessível, somente a usuários logados no domínio da UFOP, pelo seguinte endereço eletrônico: https://forms.gle/oWmhH15dDpyvjVcKA
2.1. No ato de inscrição, o(a) estudante interessado(a) deverá anexar seu Currículo Profissional e seu Histórico Escolar.
2.2. Os documentos a serem anexados no ato de inscrição deverão estar salvos no formato .pdf. 
3. A seleção de estudantes interessada(o)s será realizada pelo Prof. Dr. Flávio Valle, coordenador do Cultura Fotográfica, em duas etapas: (i.Análise da Inscrição e (ii.Entrevista.
 
3.1. As entrevistas serão realizadas por meio da ferramenta Google Meet em horário previamente comunicado ao(a) estudante interessado(a) por meio de mensagem enviada para o email informado no formulário de inscrição.

3.2. O resultado da seleção será comunicado ao(a) estudante interessado(a) pelo email informado no ato de inscrição.

* Postagem atualizada em 12 de janeiro de 2023.

A dualidade existencial de muitos de nós

O preconceito silencioso contra os mestiços

O preconceito silencioso contra os mestiços

Que o Brasil é o país mais diversificado do mundo, muita gente já suspeitava. Essa miscigenação é datada do período colonial, quando diversos grupos de pessoas de etnias diferentes migraram para cá. Desde então, os pardos e seus olhos castanhos, azuis, esverdeados, puxados ou não, ocupam qualquer espaço. A raça “parda”, aliás, só existe neste país. Lá fora, são chamados de mixed, mixed-race, ou em tradução literal, misturados ou mestiços.

Mulher mestiça, de origem italiana e paquistanesa, vestindo calças jeans e blusa estampada com tons de verde. Utiliza um cinto de couro com fivela dourada. Está posicionada de frente a um fundo totalmente verde.
Tenee Attoh

Vivo me perguntando, enquanto mestiço, como se tornou tão complicado falar do racismo contra pardos num país que normalizou a cor da pele como indicativo exclusivo de ancestralidade racial e origem étnica. É tão normal encontrar uma pessoa mestiça nas ruas brasileiras que isso sequer é falado, é cotidiano; mas, o fato de ser comum não deveria tornar a existência de problemáticas associadas à raça invisíveis, intocáveis e indiscutíveis.

Esses problemas são justamente o que tornam importante o trabalho de Tenee Attoh: as associações cotidianas com algo que passa despercebido aos olhos eurocêntricos, mesmo daqueles que não são caucasianos, inclusive os pardos: a diversidade.

A cultura do preconceito racial está tão enviesada no tom da pele, que é constrangedor até mesmo ter orgulho de suas raízes neste país. Afinal, se você não é negro retinto o suficiente para ter origens senegalesas, ou caucasiano o suficiente para ter descendência alemã, aos olhos de pessoas preconceituosas, você é visto com estranhamento e isso demanda explicações e afirmações. Sendo assim, se torna cansativo fazer das suas origens étnicas motivo de orgulho; é uma luta constante por auto-afirmação.

Para a modelo da fotografia, a dualidade cultural (italiana e paquistanesa) faz parte de sua essência. O fato de ter herdado culturas diferentes de seu pai e de sua mãe moldou a forma como ela enxerga política, por exemplo. Entretanto, em entrevista concedida para o site do projeto de Tenee Attoh (Disponível em: https://mixedracefaces.com/) ela alegou que por muito tempo teve questões delicadas a respeito de seu não-pertencimento.

Afinal, mestiços, seja em Londres, onde ela reside, ou no Brasil, são uma minoria desrespeitada cuja cultura lhes é desassociada. É aí onde a xenofobia e o racismo se unem para remover de toda uma parcela crescente, em nível global, suas heranças culturais.

Desde pequeno me vi não pertencendo às minhas origens de forma total, e sei que este é o caso da modelo da foto. Ela não possui traços que imediatamente são associados com o povo italiano, nem tampouco com o povo paquistanês, ainda que os fenótipos estejam lá parcialmente, em ambos os casos. É como misturar tinta vermelha em tinta branca: você só consegue compreender que o rosa é uma mistura depois de aprender sobre teoria das cores, mas não é algo instintivo.

Fica claro, para qualquer pessoa escura, que o racismo se esconde em qualquer penumbra, principalmente onde os comentários e olhares não podem ser vistos ou escutados. Assim fica mais fácil de acobertar a tentativa social de atribuir aos mestiços os duplos, ou triplos, ou sejam lá quantas forem as matrizes originárias destes povos do qual preconceitos são atribuídos, sem que algum crime seja cometido.

Na Itália, por exemplo, muitas pessoas possuem o que é chamado de “olive skin” no exterior e que aqui no Brasil é conhecido como moreno-claro, ou, surpreendentemente, pardo. No século 19, com um número alto de imigrantes italianos nos EUA, o preconceito afetou muito aquele povo. A miséria e a fome fortaleceram as atribuições a eles, como o odor fétido de peixe, que pejorativamente era associado à cor dos mesmos. Aqueles imigrantes ficaram conhecidos como pele-de-peixe, que recentemente se tornou um easter-egg em filmes como “Luca” e “A Praia”.

A Itália é a nação de um povo miscigenado, não uma etnia. E já passou da hora do Brasil e o restante do mundo compreender isto. Bem como já estamos num ponto em que a pureza racial deveria ser uma mentalidade extinta por completo. Ou será que as pessoas se esqueceram que foi essa mentalidade que levou aos acontecimentos do holocausto? Ou será que os brasileiros caucasianos nunca se olharam no espelho e notaram que o tom de suas peles, quase nunca é tão claro, quanto o tom da pele de um caucasiano purista da velha Europa? O que é branco aqui, lá seria preto.

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

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BRITO, C. S. A dualidade que existe em muitos de nós. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: https://culturafotografica.com.br/a-dualidade-existencial-de-muitos-de-nos/ Publicado em: 12 de jan. de 2022. Acessado em: [informar data].

Vivian Maier

Focada na produção de imagens urbanas, a artista registrou cidades ao redor do mundo


Vivian Maier produziu cerca de 100 mil negativos que exploram cenas cotidianamente urbanas como a arquitetura dos prédios e retratos de trabalhadores e de mulheres, sempre evidenciando detalhes sutis da conjectura das grandes cidades. Seu trabalho, apenas reconhecido após sua morte, é hoje utilizado como base de estudo em diversas escolas e universidades.


A foto em preto e branco mostra quatro mulheres vestidas de sobretudos aguardando na calçada de costas para um muro alto. Todas carregam bolsas e três das quatro utilizam chapéus à moda dos anos 50. Devido ao sol frontal, suas sombras se projetam no muro cinza às suas costas
Vivian Maier

Nascida em 1926 na cidade de Nova Iorque, pouco se sabe sobre a infância de Vivian Maier, além de que a artista cresceu na Europa e retornou aos Estados Unidos em 1951. Maier morou por alguns anos em sua cidade natal, mas acabou por se deslocar para Chicago, onde morou o resto de sua vida.

Vivian era babá e fotografava em seu tempo livre. Seu principal foco para os retratos eram mulheres, trabalhadores, crianças e moradores de rua. Suas fotografias surpreendem devido à técnica e ao olhar meticuloso da fotógrafa que não chegou a compartilhar seu trabalho em vida.

Maier registrou centros urbanos durante as décadas de 50 à 90, sempre se atentando às sutilezas em meio ao caos e correria das grandes cidades. Seu trabalho é um rico material documental sobre o crescimento urbano e suas mudanças ao longo das décadas.


A foto preto e branco mostra um casal de aproximadamente 60 anos andando na rua de Chicago. O homem, à esquerda, está vestido de terno e segura a mulher, à direita, com força pelo braço. Ela por sua vez possui uma espécie de sorriso no rosto. O cabelo de ambos está bagunçado.
Vivian Maier

Vivian Maier faleceu em 2009 deixando para trás milhares de negativos. 30 mil deles foram desprendidamente comprados num leilão pelo historiador John Maloof que após alguns meses revelou o trabalho de Maier. Percebendo a qualidade das obras, Maloof se dedicou a descobrir a história da autora, buscando conhecidos e amigos da fotógrafa.

A busca resultou na produção de seu site oficial e em exposições fotográficas que, além das fotos, contava com breves histórias da vida de Maier segundo relato de conhecidos e familiares.

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E o mar passou

A força do mar abatida pela imponência de um homem

A força do mar abatida pela imponência de um homem

O mar, em toda sua intensidade, atinge o homem fotografado por Luisa Dorr. Atinge suas costas, mas não o desestabiliza, ele mantém sua postura firme, com a bacia que carrega em sua cabeça, e não parece ter, ao menos, um tremor. Ele olha firmemente para a câmera e apenas permanece naquele local imponente.

Vemos na imagem, uma pessoa, vestida com roupas típicas da Bahia, com as costas voltadas para o oceano, as ondas quebram. Na cabeça, ele carrega uma bacia e no pescoço um colar de miçangas.
Luisa Dorr

Junto com as ondas do litoral baiano, onde foi tirada a fotografia, histórias vem sendo carregadas. O oceano sempre esteve presente, assistindo todas as vidas que passaram por ali, vendo as mudanças que ocorreram durante séculos, embora ele sempre se mantivesse como o mesmo, arredio. Ele mesmo conta uma história, mesmo que silenciosamente, suas ondas sussurram-na para a beirada da praia, como se contasse-as em segredo.

Minha primeira vez vendo o mar foi com 18 anos, foi como renascer, dei meus primeiros passos vendo o azul infinito, não houve o choro do parto, apenas o mar ecoando com seu chiado e um sorriso que se espalhou até se tornar uma gargalhada toda vez que era tocada pela água. 

Sempre tive um fascínio pela água, ao mergulhar em uma piscina era como adentrar um mundo novo, a calmaria e o silêncio me faziam querer nunca emergir. Com o mar a experiência foi a mesma, eu o sentia me puxando para junto de si e me sentia acolhida, era como um abraço. Quando as ondas passavam, me via com o coração a disparar, a ansiedade era tanta, o medo de que quando o mar me atingisse e eu fosse desestabilizada, mas ao mesmo tempo, a sensação de ser abraçada era bem vinda. 

Após ser atingida, todo o medo passava e a calmaria reinava, a água em toda a sua fúria, já não estava mais tão revolta, ela agora só queria voltar para o seu lugar, para logo em seguida se lançar novamente. E esse ciclo se segue infinitamente, sem descanso nenhum, apenas com mais intensidade ou não, trazendo coisas perdidas para a areia, expulsando-as de seu domínio, e arrastando outras para as suas profundezas, coisas essas que nunca mais serão achadas ou que serão levadas para lugares distantes. 

Vendo a imagem desse homem tão imponente de costas para a água, fico a pensar em toda a sua força e coragem, para se manter tão tranquilo e firme diante da profusão de ondas. Ele quase parece fazer parte do mar, com suas roupas se mesclando à espuma marítima. Quando estive diante do oceano, só consegui me sentir pequena e frágil, prestes a ser quebrada e arrastada para longe, o que me deixa ainda mais impressionada com a leveza da figura fotografada.

 

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PAES, Nathália. E o mar passou. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2023/01/e-o-mar-passou.html>. Publicado em: 5 de jan. de 2023. Acessado em: [informar data].

Feirantes e fregueses

Contrastes sociais evidentes na São Paulo de 1940.

A fotografia abaixo, feita pela fotojornalista Hildegard Rosenthal, retrata uma feira livre na cidade de São Paulo, em 1940. Nela, é possível observar a distinção entre feirantes e fregueses, principalmente por suas vestimentas e características físicas. 


Em preto e branco, a fotografia revela uma feira livre. É possível distinguir barracas e bancadas onde são vendidos os produtos. Algumas mulheres utilizam sombrinhas e usam vestidos ou saias, e estão calçadas com sapatos de salto. Alguns homens usam chapéu, terno, gravata e sapato social. Há meninos negros, de camisa de manga longa e bermuda, alguns descalços, carregando mercadorias.

Hildegard Rosenthal 


O céu quase limpo e as sombrinhas registradas na foto nos contam que o dia estava quente. No entanto, alguns homens utilizam terno ou camisas de manga comprida e, claro, chapéu. As mulheres, por sua vez, usam vestidos ou saias, sapatos de salto, e algumas estão de manga comprida, além de levarem as sombrinhas. Os mais bem vestidos da cena são, intuitivamente, os fregueses e as freguesas da feira. 

O que mais me chama a atenção, entretanto, são os meninos negros, de bermuda e camisa de manga longa, um descalço, o outro de chinelo. Eles se contrapõem à elegância descrita acima, possuem traços físicos diferentes da freguesia e, não menos importante, são crianças. 

Os marcadores de classe, raça e gênero estão bem definidos na composição da fotografia, sendo facilmente isolados. Essa é uma cena comum da primeira metade do século 20, no Brasil. 

A Lei 8069/1990, em seu artigo 60, institui a proibição de qualquer tipo de trabalho a crianças menores de 13 anos. Contudo, entre 1940, quando essa fotografia foi feita, e 1990, quando essa lei foi promulgada, existem 50 anos. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, em 2019 cerca de 1,8 milhões de crianças e jovens exerciam trabalho infantil, sendo 21,3% de 5 a 13 anos, mais da metade do sexo masculino, preto ou pardo. Esses dados evidenciam que, apesar de haver um esforço para combater essa situação, o problema ainda não foi resolvido, e tem um perfil de vítimas bem definido. 

Apesar de haver um contexto histórico intrínseco à foto que não pode ser isolado, as diferenças sociais percebidas me deixam perplexa. Hoje, é assegurado a qualquer criança brasileira o direito à cidadania, e com isso, o dever de ser matriculada em uma escola. O que se revela nesta fotografia é o oposto disso, em uma época em que as crianças, sobretudo negras, tinham poucos direitos.

Interessante também perceber como as concepções de normalidade mudam em meio século, e o que era corriqueiro, como o trabalho infantil, torna-se um crime. Na contra-mão dessa mudança, a juventude negra continua sendo o maior alvo dessa condição. 

O trabalho infantil, a miséria, o analfabetismo e a marginalidade são heranças de uma sociedade que, durante séculos, manteve uma estrutura escravocrata e, portanto, racista. É comum que os trabalhadores resgatados pelo Ministério Público sejam em sua maioria negros. Ainda que haja mudanças estruturais, como na legislação, nem sempre são acompanhadas por mudanças estruturantes. Enquanto a mentalidade social tiver origem escravocrata, crianças e jovens negros não usufruirão plenamente de sua vida cidadã. 


Chamada para ação

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https://ims.com.br/titular-colecao/hildegard-rosenthal/

https://livredetrabalhoinfantil.org.br/noticias/reportagens/o-que-o-eca-diz-sobre-o-trabalho-infantil/

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/29738-trabalho-infantil-cai-em-2019-mas-1-8-milhao-de-criancas-estavam-nessa-situacao

Como citar este artigo

MORAIS, Isabella Garcia. Feirantes e Fregueses. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/10/feirantes-e-fregueses.html>. Publicado em: 29 dez. 2022. Acessado em: [informar data]. 


Roberto Bettini

Fotógrafo especializado em corridas de ciclismo.

Com um acervo estimado de mais de 5 mil fotografias, Roberto Bettini atua no cenário competitivo do ciclismo desde 1975. Participou de várias competições importantes, como: o campeonato mundial de Montello, Tours da Itália, Paris Roubaix e Tours da Lombardia. É também editor da Sprint Cycling Magazine desde 2001.

Ciclistas pedalando no plano de fundo desfocado em uma rodovia rodeada por árvores. E no primeiro plano um grupo de caracóis.
Roberto Bettini

Seu olhar certeiro para os acontecimentos breves em corridas é destaque em seu trabalho. Em cada fotografia é possível perceber muito bem as expressões dos corredores e os movimentos que estão executando. As obras de Bettini são pausas peculiares de eventos que ocorrem em frenesi.

Fotografia em preto e branco da linha de chegada de uma corrida. O público ao lado assiste a corrida com atenção e o vencedor ergue os braços em comemoração ao cruzar a chegada.
Roberto Bettini
Ciclista pedalando em meio a um campo florido.
Roberto Bettini
ciclistas competindo numa pista nevada. Nos arredores da pista, sarapintada por árvores temperadas, alguns observadores assistem a competição.
Roberto Bettini
Ciclistas competindo numa pista sob um céu avermelhado e nublado.
Roberto Bettini

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Fotojornalismo na guerra

A importância da reflexão sobre a função da fotografia na vida das vítimas de conflitos armados
Aqui no Cultura Fotográfica, já publicamos diversos textos sobre o fotojornalismo na guerra. Essa profissão é desafiadora, uma vez que requer do fotógrafo o cuidado ao captar momentos extremamente delicados, buscando extrair um retrato fiel da guerra em determinado país. Ainda, é possível refletir sobre os dilemas dessa profissão, já que, a cada viagem, o profissional tem de lidar com a possibilidade de não retornar vivo para sua família e as pessoas que ama.
Um homem segura uma bandeira da palestina com amão direita e com aesquerda gira uma funda. Ele está sem camisa e sua blusa está amarrada na cintura. Atrás dele nota-se agentes da polícia e outros civis. Uma nuvem acinzentada cobre o espaço atrás dele, parecendo ser uma fumaça.

Mustafa Hassona

No blog, foram publicados inúmeros artigos nas colunas leitura e galeria que refletem sobre essas questões e dualidades da profissão. Há reflexões voltadas para filmes sobre o assunto, como na análise de Mil Vezes Boa Noite em que nos deparamos sobre estes diversos dilemas da vida dos fotógrafos de guerra através da história do protagonista. Conseguimos nos questionar se seríamos capazes de seguir tal profissão. Ainda, podemos refletir sobre a saúde mental desses profissionais enquanto se deparam com cenas terrívelmente caóticas de uma guerra. Este é outro ponto que podemos ressaltar na análise de “A Menina e o Abutre”. Nela podemos nos perguntar quais consequências são vividas pelo jornalista ao longo da vida por seu trabalho. Segue a lista de artigos aqui no Cultura Fotográfica acerca do fotojornalismo da guerra e, adiante, questões para te orientar nesse percurso.

Lista de postagens que compõem o percurso

Questões orientadoras

Quais os desafios que os fotojornalistas de guerra enfrentam hoje em dia para executar o seu trabalho? E com isso, qual seria o preparo mental desses profissionais em meio a tantas tragédias a serem retratadas?
Qual o poder das fotografias diante de importantes episódios históricos?
Qual é a importância de fotografar os refugiados de uma guerra? A partir daí,  de que forma o jornalismo pode atuar para reconhecer e levar ao público a dor do outro que sofre com a guerra sem promover uma espetacularização da tragédia?

Como citar esta postagem

MAIA, Amanda. Fotojornalismo na guerra. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/12/Fotojornalismo na guerra.html>. Publicado em: 23 de dez. de 2022. Acessado em: [informar data].

Corpo feminino em forma de revolução

Empoderamento, feminilidade e autoestima nas curvas de uma mulher.

A foto, tirada em 1965, retrata o empoderamento de uma mulher socialmente considerada idosa.

Descrição: Mulher considerada idosa posando nua em um cenário que parece uma floresta. Ela tem o cabelo loiro, curto e ondulado e, como acessório, usa um salto alto e um óculos de sol
Diane Arbus

Diane Arbus, profissional conhecida por seu trabalho ter foco em retratar as pessoas à margem da sociedade, certamente fotografou a mulher da imagem na intenção de trazer uma mensagem à tona. Mas qual?

Primeiramente, é importante frisar o contexto em que a fotografia foi tirada, visto que outros costumes e crenças estavam em vigor na década de 60. Na época, o machismo e o conservadorismo eram ainda mais presentes na sociedade que atualmente, o que enquadrava as mulheres às funções de cuidar dos filhos e da casa, além de terem seus corpos sexualizados como objetos em prol do prazer masculino.

Na foto, admiro como a modelo posa com confiança e autoestima.  Dá pra ver como ela se sente bem consigo mesma, resistindo ao preconceito dos olhos da sociedade, que inferiorizam esse corpo apenas por ser mais velho. Corpo este que é visto como não digno de sensualidade. Um corpo que, apenas por existir, é julgado.

Corpo que, acima de tudo, habita uma alma. A alma de alguém. A existência. A resistência. Para mim, essa mulher não só modela para um retrato, ela faz revolução. Ela revoluciona uma sociedade que estabelece que envelhecer é negativo. Afirmou, por meio de uma imagem, que ficar mais idosa não significa só adquirir conhecimento intelectual. Pode significar também uma nova maneira de ser sexy, de se empoderar e de resistir ao machismo que tanto julga o corpo feminino. De dizer “não” ao capitalismo que tanto impõe produtos e cirurgias estéticas.

Ao analisar essa foto, sinto orgulho sem ao menos conhecer essa senhora. Fico  feliz ao ver a coragem que imagino que ela teve para se expôr em uma época tão conservadora e sexista. Como mulher, reflito sobre a necessidade e urgência de, assim como a do retrato, nos sentirmos confortáveis e seguras. Porque, principalmente, um corpo é o conjunto material que nos torna capazes de realizar nossas atividades essenciais e fisiológicas.

É ele que nos possibilita comer, caminhar, estudar, trabalhar, tocar quem amamos e, por isso, é tão primordial que estejamos em paz com ele, independente de seu formato,  idade e cor. Então, retomando a pergunta inicial deste texto, acredito que o objetivo de Diane Arbus ao realizar esse ensaio fotográfico foi trazer à mídia a mensagem de revolução que a modelo transmite.

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SOARES, Maria Clara. Corpo feminino em forma de revolução. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: https://culturafotografica.com.br/corpo-feminino-em-forma-de-revolucao/. Publicado em: 22 de dez. de 2022. Acessado em: [informar data].

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