Nas ruas da infância

Para uma criança tudo pode ser divertido

A fotografia abaixo, ainda que em preto e branco, demonstra o quanto a vida pode ser colorida. Em uma rua de pedras, dois meninos pequenos correm atrás de uma vaca e um bezerro, praticamente do tamanho deles.


Dois meninos correm atrás de uma vaca pequena e um bezerro. Eles usam camiseta, bermuda e chinelo. O menino que está do lado esquerdo mantém seus braços abertos, enquanto o da direita os inclina para frente, mas sem estendê-los.
Ane Souz

Se não fosse pelas vestimentas dos meninos, a foto poderia ser facilmente localizada no passado, tanto pelo registro em preto e branco, quanto pelo cenário, e também pela raridade da atitude em tempos atuais. As crianças de hoje, principalmente nas grandes cidades, estão inseridas em um mundo cada vez mais virtual, em que as experiências no real ficam cada vez mais limitadas. Portanto, em pleno século XXI é incomum haver crianças correndo atrás – ou junto – de animais da fazenda em espaços urbanos.

Nas sociedades capitalistas tudo pode ser transformado em mercadoria, logo, o valor das coisas está em seu potencial de troca. Uma vaca, para um adulto criado nesse contexto, é sinônimo de dinheiro. Com certeza este não é o caso das crianças, que se divertem com os animais sem lhes colocar um peso monetário.

Imagino que os meninos tenham gostado do fato de que, como eles, os bovinos sejam pequeninos. Foi uma peraltagem compartilhada, entre crianças que subvertem os costumes de seu tempo e animais que seguem seus instintos, correndo pelas ruas. Logo, uma experiência legítima de liberdade.

A infância é, sem ressalvas, a fase mais potencializadora do nosso desenvolvimento. Quando convenções sociais, preconceitos e paradigmas ainda não cercearam completamente nossa liberdade, a vida é um arco-íris que possui infinitas cores. À medida que envelhecemos, essas cores se desbotam, mas ficam eternizadas nas lembranças e nos registros que deixamos, e ressurgem quando os visitamos.


#leitura é uma coluna de caráter crítico. Trata-se de uma série de análises de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.


José Luis Barcia Fernandez

O fotógrafo que captura a essência do mistério

O espanhol José Luis Barcia Fernandez, de Astúrias, é formado em química e trabalha como gerente de logística. Entusiasta da fotografia urbana e da arquitetura,  realiza suas fotos somente com telefones celulares.

Fotografia que capta os raios de luzes e a sombra projetada de dois vãos. Na penumbra um homem com um chapéu está caminhando.
José Luis Barcia Fernandez

As fotografias do espanhol são dignas de uma montagem teatral, dado alguns elementos muito peculiares de seus cliques, dos quais o mais evidente é o contraste entre preto e branco e a composição dos elementos na fotografia. É comum encontrar silhuetas de pessoas em suas fotografias, geralmente caminhando para a escuridão.

Luis chama atenção pela composição. De alguma forma, a grande maioria de suas fotografias parece datar de um tempo no passado, ainda que sejam bastante atuais. A luz é sempre forte, e a escuridão, sempre muito intensa. Isso causa uma impressão artística muito forte e uma assinatura muito peculiar nas capturas visuais de Fernandez.

Fotografia foi tirada num ângulo de cima para baixo e é dividida em terços. No terceiro terço há um homem caminhando e nos outros apenas a sombra de alguma coisa projetada sob uma rua ladrilhada. A luz é forte e projeta sombra.
José Luis Barcia Fernandez
Um homem com chapéu caminha num ambiente escuro e esfumaçado. A fotografia possui muitos elementos misteriosos e um jogo de luz e sombras.
José Luis Barcia Fernandez
Fotografia preta e branca de um homem de chapéu está de costas aparentemente olhando para um céu onde pássaros vão entre as nuvens.
José Luis Barcia Fernandez
Fotografia em preto e branco do reflexo de uma mulher caminhando no terço iluminado de uma rua onde uma sombra está projetada logo ao lado.
José Luis Barcia Fernandez

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BRITO, C. S. José Luis Barcia Fernandez. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: https://culturafotografica.com.br/jose-luis-barcia-fernandez/ Publicado em: 07 de Fev. de 2023. Acessado em: [informar data].

Irmãos: uma conexão além da sanguínea

Foto que representa o amor entre irmãos desde a primeira interação.

A foto, tirada pela brasileira Daniela Justus – internacionalmente conhecida por suas fotografias de partos e gestantes – retrata a felicidade do momento em que a bebê, ainda no hospital, é mostrada à família.

Menino beija o vidro que a sapara da irmã recém nascida. Ela é mostrada a familiares e amigos
Daniela Justus

Embora a imagem contemple a reação de várias pessoas ao ver a criança, o enquadramento principal é no irmão da bebê. Ele, em um ato de amor incondicional, beija o vidro que os separa, na intenção de que sua irmãzinha possa sentir seu carinho, mesmo sem contato físico direto.

Com a mão no vidro e os olhinhos marejados, a expressão corporal do menino me faz sentir uma imensa compaixão ao ver essa foto. Como se meu coração se aquecesse só de ver essa cena. Me pego refletindo sobre como o nosso corpo é capaz de realizar tarefas que, racionalmente, não tem explicação.

Na foto, por exemplo, é nítido o amor já existente entre os irmãos, que nem sequer se conhecem ainda. Inconscientemente, imagino como será a relação deles. Será que vão brincar no quintal? Será que o menino defenderá sua irmãzinha quando ela chorar por alguém que a fez sofrer? Será que ele dará a ela bons conselhos?

Questionamentos esses que, infelizmente, não terei respostas. Mas, prefiro acreditar que, sim, eles terão uma relação linda. Sim, ele cuidará dela, e serão melhores amigos. Ao fazer a análise de uma foto, é interessante ver como é possível acessar uma memória que, muitas vezes, nem lembramos que ainda está ali.

Considero também uma forma de autoconhecimento. Uma forma de explorar as lembranças, que mesmo quando é de interesse esquecê-las, querendo ou não, estarão ali, guardadas em algum lugar do subconsciente. Não diferentemente, ocorreu comigo quando visualizava essa imagem. Imagino se me fiz todas essas perguntas em relação ao futuro dos irmãos porque não tenho contato direto com o meu.

Assim como no retrato, sou a irmã caçula e, de algum modo, desejava esse carinho fraterno. Por outro lado, reflito sobre esse momento de “apresentação” à família. Um momento em que, sem sequer entender, a bebê já tem inúmeras expectativas materializadas em seu ser. Provavelmente, há um quarto rosa e repleto de bonecas à sua espera em casa.

E, antes mesmo de nascer, possivelmente seus pais já idealizaram seu casamento, sua profissão e até como será sua personalidade. Isso me faz pensar no quanto nosso comportamento pode ser condicionado a expectativas alheias. Quantas de nossas ações são realizadas só porque queremos, sem interferências do mundo externo?

Perguntas essas que surgiram a partir da análise de uma única foto. Impressionante como é possível tirar várias interpretações e reflexões de uma fotografia. É realmente um processo de autoconhecimento. Obrigada, Cultura Fotográfica, por me permitir esses momentos de inserção no meu próprio eu.

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SOARES, Maria Clara.Daniela Justus. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/irmaos-uma-conexao-alem-da-sanguinea/>. Publicado em: 02/02/2023. Acessado em: [informar data].

Shirley Stolze pelas ruas de Salvador

Shirley Stolze, 62 anos, 34 de profissão, é artista visual e uma das principais representantes do fotojornalismo da Bahia.

Shirley Stolze, 62 anos, 34 de profissão, é artista visual e uma das principais representantes do fotojornalismo da Bahia.

Atualmente, Shirley é fotógrafa para o jornal A Tarde, um dos veículos de comunicação baianos de maior destaque. Fotógrafa de rua e auto-intitulada “andarilha”, Shirley costuma andar por Salvador a fim de que sua observação do cotidiano consiga capturar algo que fuja da normalidade ou que seja tão normal que foge da nossa observação.

Um garoto negro em primeiro plano de costas para a câmera segura  uma fita do Nosso Senhor do Bonfim.
Shirley Stolze

Em entrevista para a  Fraude, revista digital de jornalismo cultural, produzida por integrantes do Petcom da UFBA, ela conta: “A rua é uma grande escola, ensina tudo. Basta você estar atento aos sinais, às imagens, e ter muita paciência. Eu nunca gostei de escrever: eu escrevo através da imagem”.

Nas ruas, o palco da realidade social, Shirley captura o mais intrínseco da cidade. Fotografias de pessoas no ir e vir, manifestações culturais, comemorações religiosas ou um ensolarado fim de tarde em uma praia. O trabalho da fotógrafa tem como característica o empoderamento de religiões de matriz africana. Além disso, Shirley é autora de uma série de fotografias com a legenda “Salva-Dor”.  Nesse trabalho, que é publicado em seu perfil no Instagram, ela aborda temáticas sociais registrando pessoas em situação de falta de moradia, fome e saneamento precário em zonas urbanas.

A  fotografia mostra um garoto negro mergulhando em uma praia de Salvador, (BA).
Shirley Stolze
 
A fotografia apresenta um homem negro, usando uma camiseta e uma bermuda e calçando chinelos. Ele está deitado em uma calçada, na frente de um estabelecimento com uma porta de correr vermelha, o homem está em cima de um pedaço de papelão, com uns tecidos abaixo de sua cabeça. Ao seu lado, há três cachorros deitados.
Shirley Stolze
 
Em primeiro plano, a imagem mostra uma mulher negra de mãos dadas com  uma menina também de pele negra. A menina usa roupas características do Bembé de Mercado,  uma festa religiosa conhecida também como Candomblé de Rua.
Shirley Stolze

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SILVA, Vinícius Augusto. Shirley Stolze, pelas ruas de Salvador. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2023/01/shirley-stolze-pelas-ruas-de-salvador.html>. Publicado em: 31 de jan. de 2023. Acessado em: [informar data]. 

Cega pela luz

A transformação pela luz.

A transformação pela luz.

 

Na fotografia abaixo, Paulo Vainer utiliza a técnica de motion blur em conjunto com o alto contraste, para passar a sensação de que a imagem está em movimento. Este trabalho faz parte do ensaio fotográfico chamado “movimento”.

 
A imagem, em preto e branco, mostra a vista através da janela de um carro. Apresentando uma rua vazia, a noite, com a luz dos postes acesas.
Paula Vainer

Apesar de todo o movimento aparente na fotografia, ao observá-la só me vem à mente a imprecisão da imagem. A forma que a luz toma, toda estourada, é o que mais se sobrepõe. Essa é uma imagem recorrente para mim. É assim que eu enxergo o mundo, como uma imagem desfocada. 

Me lembro de ter como passatempo, quando criança, ficar deitada olhando para a luz fixamente, vendo seus raios se dissolverem formando caminhos. Aquilo, para mim, sempre foi o normal, enxergar a luz daquela forma. Até que um dia descobri que nem todos viam daquela maneira. Eu só enxergava assim por um problema em meus olhos, e isso não era o normal para os outros. Seria preciso corrigir aquilo.

Com o passar do tempo a minha visão ficou mais prejudicada. Sem os óculos para corrigi-la, eu sou praticamente cega. Ainda mais quando a luz atinge diretamente meus olhos. Andar na rua à noite, é quase impossível. Toda vez que um carro vem em minha direção com seus faróis acesos, sou tomada pela cegueira. A luz domina tudo, me deixando sem ver absolutamente nada.

A luz que antes era divertida, agora só me causa dores de cabeça. Quanto mais luz, mais meus olhos doem. O escuro, que causava medo, agora é reconfortante e querido. Mas, apesar de tudo, ainda gosto de me lembrar de como a luz sempre foi um abrigo para mim, de como ela era minha diversão e me protegia dos monstros à noite. 

 
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PAES, Nathália. Cegada pela luz. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2023/01/cegada-pela-luz.html>. Publicado em: 26 de jan. de 2023. Acessado em: [informar data].
 

Ane Souz

Fotógrafa da assessoria de comunicação da Prefeitura de Ouro Preto.

 

Ane Souz nasceu em 1987, em Itabira, Minas Gerais. Em 1999, mudou-se para Mariana com a mãe, onde, aos 19 anos, aprendeu a fotografar em um curso de câmera pinhole. Desde então, a jovem se apaixonou pela fotografia. Desencorajada pela insegurança e dificuldade financeira, ela não enxergava a fotografia como sua carreira até o ano de 2015.


A fotografia mostra, em primeiro plano, uma mulher fazendo uma performance artística com bolha de sabão. As bolhas formam uma camada extensa e uniforme. O cenário é a Praça Tiradentes, no centro de Ouro Preto.
Ane Souz

A profissionalização de Ane começou oficialmente no dia 3 de janeiro de 2015, em Ouro Preto. Com uma câmera Canon T4i, duas lentes e um flash, a jovem decidiu que era hora de levar a fotografia a sério. Entretanto, ao mesmo tempo, ela era fotógrafa e artesã, pois o lucro do ateliê que tinha com a mãe era investido em equipamentos. Em 2018, Ane conseguiu fazer da fotografia sua principal fonte de renda. 

Hoje, a fotógrafa trabalha na Prefeitura de Ouro Preto, onde cobre eventos institucionais e culturais, e acontecimentos que marcam a rotina da cidade. Além disso, ela é freelancer. Seu interesse está no fotojornalismo e na fotografia documental. Ane enfatiza que fotografar Ouro Preto é uma grande responsabilidade, mas também um privilégio, considerando a relevância da cidade.


Em preto e branco, a fotografia mostra uma rua sob a neblina típica de Ouro Preto. Ao lado direito da rua, um casal caminha em frente a um estabelecimento comercial.
Ane Souz


A fotografia mostra atrizes e atores andando pela rua São José, no centro de Ouro Preto. Eles trajam figurino de época e de alta costura.
Ane Souz

A fotografia, em preto e branco, registra o momento em que dois garotos correm atrás de uma vaca e um bezerro, em uma rua de pedras.
Ane Souz

O registro fotográfico mostra o momento em que um artista pinta, em aquarela, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Ouro Preto. Ele é idoso, usa óculos e barba, está agasalhado, e olha com atenção para sua obra. Amarradas nas sacadas das casas, há bandeirolas de festa junina. Ao fundo, a igreja.
Ane Souz

A fotografia mostra uma roda de capoeira. No meio da roda, há 3 homens jogando. Enquanto um desfere um golpe com chutes, mantendo o corpo todo no ar, o oponente se desvencilha no chão, e um terceiro parece preparar o próximo golpe.
Ane Souz

A fotografia, em preto e branco, registra um homem de cabelo grisalho observando o lado externo de uma vidraça, onde há construções coloniais. Não é possível ver o seu rosto.
Ane Souz

A fotografia mostra uma rua no centro histórico de Ouro Preto. O sol ilumina as casas do lado esquerdo da rua. Não há pedestres nem trânsito.
Ane Souz

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Nada mais que o cotidiano

Lembranças cotidianas de uma rua pacata

Lembranças cotidianas de uma rua pacata

A fotografia do autor Marc Riboud foi produzida em Liu Li Chang, uma rua de antiquários em Pequim. Essas lojas eram muito procuradas durante a Revolução Cultural, – movimento social com intuito de eliminar as influências capitalistas da China – onde a população chinesa entregava suas jóias para o Estado.

A imagem mostra a vista de dentro de uma loja, o lado de fora é exibido através de seis vidros. Na rua é possível ver a fachada de outros comércios e algumas pessoas, dentre elas sete crianças e quatro adultos. Duas das crianças observam o interior da loja, onde o fotógrafo se encontra, as outras se espalham pela imagem.
Mark Riboud

A cena retratada poderia ser facilmente confundida, caso não houvesse uma contextualização, com um momento cotidiano encontrado em qualquer lugar do mundo. Apesar de todo seu significado histórico, num primeiro momento, o que vemos são pessoas vivendo suas vidas rotineiramente.

O que salta aos olhos é o humano, que torna aquela rua habitada e cheia de vida, independente do motivo de estarem naquele lugar, naquele momento em questão. Os adultos conversam sentados na calçada e observam o que acontece ao redor, enquanto várias crianças se espalham pelo ambiente prontas para iniciar uma brincadeira.

Consigo imaginar essa imagem na rua da cidade onde nasci, durante as pacíficas tardes de domingo quando nenhum carro transita mais. Os adultos se reúnem para conversar na calçada e vigiar as crianças que aproveitam para brincar de jogar bola ou de pega-pega. Por mais monótono que possa parecer ter uma vida rotineira, sem muitas aventuras, é nessas pequenas situações do dia que se encontram a calmaria e o conforto dos problemas. São pequenas coisas acalentadoras que tornam esses momentos mais suportáveis fazendo com que a vida valha a pena, como por exemplo, ir ao bar com os amigos, assistir a novelas sempre nos mesmos horários ou comer macarronada nas datas comemorativas em família.

A beleza do cotidiano está em passar pelos mesmos cenários e provações, e só perceber quando um belo dia você para e olha para tudo aquilo com outra percepção, vendo como esses momentos fazem falta. Nenhuma aventura consegue ser melhor do que ter uma conversa sincera com alguém querido, por mais corriqueiro que possa ser, a vida é feita em sua maioria dessas situações.

Talvez a vida nunca proporcione grandes conquistas dignas de um livro, e isso não é algo para se sentir mal, isso não a torna menos interessante, a beleza está escondida nas entrelinhas de cada momento, tudo começa a fazer mais sentido quando se para de procurar por histórias épicas e se passa a aproveitar cada instante.

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.
 

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PAES, Nathália. Nada mais que o cotidiano. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2023/01/nada-mais-que-o-cotidiano.html>. Publicado em: 19 de jan. de 2023. Acessado em: [informar data].

Gioconda Rizzo

Primeira mulher brasileira a ter autoria fotográfica reconhecida e a ter um estúdio próprio.

Nascida em São Paulo, no ano de 1897, Gioconda Rizzo iniciou seu trabalho quando tinha apenas 14 anos de idade. Seu pai, Michele Rizzo, era fotógrafo e tinha um estúdio chamado Ateliê Rizzo. Com um exemplo da profissão dentro de casa, Gioconda se interessou pela fotografia e logo começou sua carreira.

Descrição: Gioconda sentada em uma cadeira, num ambiente que parece ser uma casa. No fundo, há porta retratos e enfeites em uma prateleira. A fotógrafa veste roupas de frio e tem uma expressão tranquila.
Autor desconhecido (a)

Na época, a menina só tinha permissão para fotografar mulheres e crianças, mas inovou com seu enquadramento fotográfico: focava nos ombros e nos rostos das modelos. Em 1914, inaugurou seu estúdio, chamado Photo Femina, mas, infelizmente, foi fechado no ano de 1916, por pressão da sociedade conservadora.

A fotógrafa trabalhou com muitos nomes prestigiados na sociedade, entre eles, a 1° Miss Brasil, Zezé Leone, e a Miss Universo, Yolanda Pereira.  Faltando poucas semanas para completar seus 107 anos, Gioconda faleceu, em 2004.

Confesso ter tido dificuldade para encontrar o acervo da fotógrafa. Isso porque Rizzo era  uma mulher inovando em pleno século XX e, devido ao machismo intrínseco na sociedade, suas obras eram pouco valorizadas, com raros registros oficiais e armazenamentos precários. Fato que me faz refletir na quantidade de mulheres que, assim como Gioconda, tiveram seu trabalho apagado e silenciado perante uma sociedade que as depreciava e invisibilizava.

Descrição: Mulher olhando fixamente para a câmera. Maquiada para o ensaio, a modelo tem uma expressão séria e assustada. Seu cabelo, cacheado, é curto e tem um corte característico da época.
Gioconda Rizzo
Descrição: Mulher posando para um retrato, que parece ser antigo. Ela posiciona-se de perfil e está bem arrumada: usa acessórios como brincos e um cordão, e está maquiada. A foto tem foco em seu busto, que é centralizado e destacado.
Gioconda Rizzo
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SOARES, Maria Clara. Gioconda Rizzo. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2023/01/gioconda-rizzo.html>. Publicado em: 17 de jan. de 2023. Acessado em: [informar data].

A dualidade existencial de muitos de nós

O preconceito silencioso contra os mestiços

O preconceito silencioso contra os mestiços

Que o Brasil é o país mais diversificado do mundo, muita gente já suspeitava. Essa miscigenação é datada do período colonial, quando diversos grupos de pessoas de etnias diferentes migraram para cá. Desde então, os pardos e seus olhos castanhos, azuis, esverdeados, puxados ou não, ocupam qualquer espaço. A raça “parda”, aliás, só existe neste país. Lá fora, são chamados de mixed, mixed-race, ou em tradução literal, misturados ou mestiços.

Mulher mestiça, de origem italiana e paquistanesa, vestindo calças jeans e blusa estampada com tons de verde. Utiliza um cinto de couro com fivela dourada. Está posicionada de frente a um fundo totalmente verde.
Tenee Attoh

Vivo me perguntando, enquanto mestiço, como se tornou tão complicado falar do racismo contra pardos num país que normalizou a cor da pele como indicativo exclusivo de ancestralidade racial e origem étnica. É tão normal encontrar uma pessoa mestiça nas ruas brasileiras que isso sequer é falado, é cotidiano; mas, o fato de ser comum não deveria tornar a existência de problemáticas associadas à raça invisíveis, intocáveis e indiscutíveis.

Esses problemas são justamente o que tornam importante o trabalho de Tenee Attoh: as associações cotidianas com algo que passa despercebido aos olhos eurocêntricos, mesmo daqueles que não são caucasianos, inclusive os pardos: a diversidade.

A cultura do preconceito racial está tão enviesada no tom da pele, que é constrangedor até mesmo ter orgulho de suas raízes neste país. Afinal, se você não é negro retinto o suficiente para ter origens senegalesas, ou caucasiano o suficiente para ter descendência alemã, aos olhos de pessoas preconceituosas, você é visto com estranhamento e isso demanda explicações e afirmações. Sendo assim, se torna cansativo fazer das suas origens étnicas motivo de orgulho; é uma luta constante por auto-afirmação.

Para a modelo da fotografia, a dualidade cultural (italiana e paquistanesa) faz parte de sua essência. O fato de ter herdado culturas diferentes de seu pai e de sua mãe moldou a forma como ela enxerga política, por exemplo. Entretanto, em entrevista concedida para o site do projeto de Tenee Attoh (Disponível em: https://mixedracefaces.com/) ela alegou que por muito tempo teve questões delicadas a respeito de seu não-pertencimento.

Afinal, mestiços, seja em Londres, onde ela reside, ou no Brasil, são uma minoria desrespeitada cuja cultura lhes é desassociada. É aí onde a xenofobia e o racismo se unem para remover de toda uma parcela crescente, em nível global, suas heranças culturais.

Desde pequeno me vi não pertencendo às minhas origens de forma total, e sei que este é o caso da modelo da foto. Ela não possui traços que imediatamente são associados com o povo italiano, nem tampouco com o povo paquistanês, ainda que os fenótipos estejam lá parcialmente, em ambos os casos. É como misturar tinta vermelha em tinta branca: você só consegue compreender que o rosa é uma mistura depois de aprender sobre teoria das cores, mas não é algo instintivo.

Fica claro, para qualquer pessoa escura, que o racismo se esconde em qualquer penumbra, principalmente onde os comentários e olhares não podem ser vistos ou escutados. Assim fica mais fácil de acobertar a tentativa social de atribuir aos mestiços os duplos, ou triplos, ou sejam lá quantas forem as matrizes originárias destes povos do qual preconceitos são atribuídos, sem que algum crime seja cometido.

Na Itália, por exemplo, muitas pessoas possuem o que é chamado de “olive skin” no exterior e que aqui no Brasil é conhecido como moreno-claro, ou, surpreendentemente, pardo. No século 19, com um número alto de imigrantes italianos nos EUA, o preconceito afetou muito aquele povo. A miséria e a fome fortaleceram as atribuições a eles, como o odor fétido de peixe, que pejorativamente era associado à cor dos mesmos. Aqueles imigrantes ficaram conhecidos como pele-de-peixe, que recentemente se tornou um easter-egg em filmes como “Luca” e “A Praia”.

A Itália é a nação de um povo miscigenado, não uma etnia. E já passou da hora do Brasil e o restante do mundo compreender isto. Bem como já estamos num ponto em que a pureza racial deveria ser uma mentalidade extinta por completo. Ou será que as pessoas se esqueceram que foi essa mentalidade que levou aos acontecimentos do holocausto? Ou será que os brasileiros caucasianos nunca se olharam no espelho e notaram que o tom de suas peles, quase nunca é tão claro, quanto o tom da pele de um caucasiano purista da velha Europa? O que é branco aqui, lá seria preto.

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

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BRITO, C. S. A dualidade que existe em muitos de nós. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: https://culturafotografica.com.br/a-dualidade-existencial-de-muitos-de-nos/ Publicado em: 12 de jan. de 2022. Acessado em: [informar data].

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