Quando os Yanomami foram ao museu: O episódio de Cláudia Andujar na série Inhotim – Arte Presente

As imagens produzidas por Andujar são encantadoras e impressionantes, sendo o mais curioso o fato dela nunca ter feito um curso de fotografia.

Descubra o que o povo Yanomami pensou quando se deparou com a obra de Cláudia Andujar no Instituto Inhotim.

Quando fui ao Inhotim, em julho de 2019, não sabia muito bem o que encontraria. A maior galeria de arte a céu aberto no mundo, justo no meu país, no meu estado e relativamente próximo de onde eu estudava! Mais do que abrigar coleções de alguns dos mais importantes e interessantes artistas nacionais e internacionais da contemporaneidade, trata-se de um espaço enorme em que botânica, arquitetura e arte se unem de uma forma absolutamente harmônica e inacreditavelmente poética. Assim, enquanto estudante de fotojornalismo, não pude deixar de passar bastante tempo em uma galeria de uma fotógrafa até então desconhecida para mim. A galeria Cláudia Andujar, que abriga desde 2015 uma boa curadoria de trabalhos da fotógrafa suíça naturalizada brasileira, representa uma fase marcante e definitiva em sua carreira.
Uma fotografia de Cláudia Andujar é revelada em uma sala de luz infravermelha, com líquido revelador. Sobre a superfície, é visível uma mão enluvada. A foto mostra um jovem indigena Yanomami submergindo na água. 
Cena do episódio Cláudia Andujar, da série Inhotim – Arte Presente

Quando se estabeleceu em São Paulo, Andujar trabalhou como fotógrafa para as revistas Cláudia, Life e Realidade. Essa última lhe rendeu a experiência de imergir na floresta Amazônica. O que se seguiu foi o divisor de águas da carreira de Andujar. Com o apoio de bolsas da Fundação Guggenheim  e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, passou a conviver e fotografar o povo Yanomami nos anos que se seguiram. O resultado foi uma vasta e consagrada produção fotográfica revelando aspectos da cultura, espiritualidade e conflitos em torno desse grupo indígena. Quanto mais se envolveu com eles, mais passou a defender seus direitos, constantemente ameaçados pela exploração por homens brancos da região em busca de minérios. Muitos Yanomami morreram em decorrência de doenças oriundas da presença de homens brancos e por conflitos violentos, com a ocorrência de invasões seguidas por assassinatos. 

As imagens produzidas por Andujar são encantadoras e impressionantes, sendo o mais curioso o fato dela nunca ter feito um curso de fotografia. Ainda assim, é visível um cuidado técnico e estético com suas imagens, como o uso de longa e dupla exposição em registros de rituais, como meio para transmitir a espiritualidade envolvida naqueles momentos, ou o truque revelado no episódio dedicado à criação de sua galeria na série Inhotim – Arte presente, de 2018, em que, para conseguir o desfoque lateral de muitas das fotografias, ela revela que usava vaselina diretamente sobre a lente de sua câmera.

Há universos iconográficos dentro da  vasta coleção de fotografias, presentes na galeria, como a série “Marcados”, que constitui-se por retratos de indígenas olhando diretamente para a câmera, com um número de identificação em placa preta pendurado em seus pescoços. Trata-se do meio encontrado para numerar e saber quais indígenas já haviam sido vacinados durante as expedições de médicos às aldeias em decorrência de uma epidemia que se alastrou entre eles na época em que eram feitas construções de estradas em seu território, nos anos 80. No jogo de sentidos que se estabelece através das imagens, a série Marcados ganha outras proporções ao ter em mente que aquelas eram pessoas que estavam marcadas para morrer ao ter sua segurança e sua história ameaçados por ações de homens brancos que jamais se preocuparam com toda uma comunidade indígena, tendo em vista o progresso e a economia. Ironicamente, a palavra “yanomami” significa “ser humano”, mas nas fotografias de Andujar, o que vemos são pessoas desprovidas de sua humanidade, ao serem reduzidas a números. São marcados para morrer, assim como os parentes judeus de Andujar que, ao final da Segunda Guerra Mundial, carregavam em seus ombros a estrela de Davi como identificação, obrigados a viverem em guetos e posteriormente, confinados em campos de concentração.

São visíveis diversos indígenas, homens e mulheres, diante de um fundo branco neutro e olhando diretamente para a câmera. Cada um possui uma placa com um número de identificação pendurado ao pescoço. 
Cláudia Andujar. Série Marcados.

A morte é ainda o principal mote para compreender a recepção dos Yanomami à obra de Andujar quando, no melhor momento do episódio, são convidados a irem ao Inhotim, um espaço que, apesar de belo e relevante para a arte contemporânea, pouco, ou melhor, nada tem a ver com a vida e cultura de povos indígenas. É curioso ver no episódio o momento em que os Yanomami olham as fotografias, com expressões que por vezes parecem muito semelhantes à dos demais visitantes do Inhotim, mas em outros, parecem tão diferentes, pois identificam rituais, posam diante de sua própria memória e até estranham a forma como um branco – no caso, Andujar – os representou, como quando o pajé questiona o por quê de haverem fotos de mãos e pés, como se a fotógrafa quisesse saber como são seus membros, como se pudessem ser algo muito diferente do usual.  

Acontece que muitas das pessoas mostradas nas fotografias já estão mortas, o que muda por completo a relação do Yanomami com as fotografias. O pajé Davi Kopenawa deixa claro que não reconhece muitas das pessoas que estão ali representadas, algumas por serem de outras tribos, outras por já terem morrido a muito tempo. Os nomes dos indígenas não consta, como observa uma índia Yanomami a seu lado quando observam uma das imagens, o que parece apenas dificultar o seu reconhecimento. Um outro indígena, que não foi identificado no episódio, explica com um smartphone na mão que não há problema em fazer registros fotográficos de seus parentes e amigos enquanto sabe que aquela pessoa ainda está viva e que esteve presente naquele lugar, mas em caso de falecimento, não hesitaria em deletar tais imagens, explicando que não devem ser preservadas quando são tudo o que restou da existência daquela pessoa.

O pajé ainda comenta sobre a fotógrafa ter feito registros das mãos e pés dos Yanomami, sem que seja possível indicar a quem pertencem tais partes do corpo, e comenta, em tom de brincadeira, que irá fotografar as mãos dela também. Depois, em uma cena ainda mais incômoda, em que está sentado diante de funcionários responsáveis pela galeria e com Claudia Andujar a seu lado, revela que, diferente deles e daqueles que visitam a galeria, olhando para as fotos com interesse e achando-as bonitas, olhar para pessoas que conheceu e que sabe já estarem mortas o entristece, mas completa afirmando conhecer o trabalho de Andujar, a quem chama de Napayama, revelando respeito a ela por seu envolvimento e luta por  seu povo.

Um indígena Yanomami é visto de costas observando fotografias de Cláudia Andujar em uma galeria do Instituto Inhotim. Seu tronco está nu, e  ele usa acessórios característicos, como um colar e um conjunto de penas vermelhos em seu braço esquerdo. 
William Gomes. Yanomami visita galeria com fotografias de Cláudia Andujar.

O episódio segue com as impressões de Kopenawa sobre o próprio museu, em que, não o vê como local de preservação, mas como um local que foi devastado e replantado com árvores que não reconhece como brasileiras, culminando na afirmação de que os verdadeiros responsáveis pela preservação da flora são eles, os indígenas. Há ainda uma discussão sobre a arte indígena, os desenhos feitos pelos próprios Yanomami após serem apresentados ao papel e ao pincel atômico por Andujar e que seriam, portanto, representativos dos seus próprios grafismos e formas de produzir representações em imagens. Há também explicações sobre o envolvimento da fotógrafa com o ativismo para salvar a vida daquele povo durante a ditadura militar. 

É interessante perceber que muitas vezes, através de outras culturas, diferentes visões sobre um assunto podem ser conhecidas. Enquanto nos apegamos às imagens fotográficas para lembrarmos de nossa vida, daqueles que já se foram e até para expô-las em espaços como museus, o povo Yanomami não vê sentido em conservar a existência de alguém querido que já não habita entre eles. O episódio Claudia Andujar é o 4º da série Inhotim – Arte Presente, que está disponível na Netflix.

E aí? Gostou de conhecer um pouco mais sobre a obra de Cláudia Andujar e sua relação com os Yanomami? Conta pra gente aqui nos comentários o que achou da dica de episódio de hoje! Nos siga também no Instagram.

Links, Referências e Créditos

CLAUDIA Andujar. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa18847/claudia-andujar>. Acesso em: 21 de Nov. 2020.

Planejamento e Pesquisa

 Ter uma ideia interessante e descobrir como desenvolvê-la são, às vezes, etapas mais importantes em um projeto fotográfico do que fotografar.

Ter uma ideia interessante e descobrir como desenvolvê-la são, às vezes, etapas mais importantes em um projeto fotográfico do que fotografar.

Pedro David – 360 Metros Quadrados – Libélula, 2012
Descrição: Fotografia em preto e branco de uma libélula em cima de um caderno.
Todo projeto começa com uma ideia. Essa noção pode parecer óbvia, mas o ato de idealizar antes de pôr em prática é tão naturalizado que perde a sua real importância diante da execução do projeto, arrastando para o esquecimento outras etapas que também concernem o momento de idealizar, como, por exemplo, pesquisar. Em um mundo saturado de fotografias, destinar um tempo para conceber a ideia do projeto fotográfico é essencial para evitar a repetição de um assunto ou de visões sobre um assunto que já foram abordadas à exaustão.
O autor de “A Narrativa Fotográfica”, Michael Freeman, sugere “encontrar um assunto que ninguém tenha usado (ou se lembre de ter usado); ou fazer uma foto que  mostre um assunto já utilizado mas de uma maneira que ninguém tenha feito antes” (p.55). É preciso ter em mente, porém, que nenhum assunto é completamente novo, o que não significa que para o público a que se destina seu projeto o assunto que deseja abordar não seja uma novidade. Estabelecer o objetivo do projeto, em termos de onde se deseja chegar com ele, portanto, pode ser um ponto de partida para decidir qual será o seu tema e como ele será abordado. Assim como um assunto inusual pode chamar a atenção, gerar identificação através do tema também é uma opção. Nesse caso, o fator de novidade vai depender apenas da interpretação do fotógrafo.
Pedro David – 360 Metros Quadrados – Torre, 2012
Descrição: Fotografia em preto e branco de blocos de brinquedo empilhados em cima da mesa formando um pirâmide. A parede no fundo da imagem está rabiscada.
O ensaio que ilustra este artigo é um exemplo de como uma abordagem inédita pode ser usada para tratar de um assunto simples e muito cotidiano. “360 Metros Quadrados”, do artista visual mineiro Pedro David, propõe mostrar os mundos possíveis dentro de um ambiente territorialmente limitado, como essa casa de 360 metros quadrados em um periferia brasileira. O autor atinge o seu objetivo enfatizando detalhes tão casuais que é surpreendente que se transformem em uma obra de arte com grande destaque estético. Dessa forma, o fotógrafo realizou um projeto que chama a atenção por sua própria acepção dos temas casa e espaço.
Tendo isso em vista, é importante entender que não é possível abordar um assunto em toda a sua dimensão e que um projeto sempre será um recorte. Estando sem ideias, tente, portanto, pensar em um assunto amplo e, em seguida, nos assuntos mais específicos que existem dentro dele. Por fim, verifique quais são mais prováveis de serem realizados com o seu tempo, dinheiro, equipamento e conhecimento técnico. Essas condições, aliás, devem ser levadas em consideração desde o início, afinal seria horrível perceber durante a execução que, dados os recursos disponíveis, não é possível pôr o seu plano em prática.
Tão crucial para um projeto quanto ter um assunto que se encaixe nas suas possibilidades e que seja atraente é conhecer sobre esse assunto. Pesquisar está, portanto, indissociavelmente atrelado a planejar. Alguns assuntos podem parecer universais, ou seja, assuntos que as pessoas supõem que existe uma única maneira de representar e que, por conseguinte, não parece relevante que sejam pesquisados. Entretanto, é nessa etapa que se descobre o que já foi abordado sobre o tema, o que, portanto, possibilita buscar novas interpretações. Além disso, enxergar o tema pelo ponto de vista alheio fará sua visão sobre ele transcender estereótipos culturais, especialmente quando mídias diferentes são consultadas, como livros de ficção, livros acadêmicos, filmes, etc.
Pedro David – 360 Metros Quadrados – Planisfério, 2012
Descrição: Fotografia em preto e branco de favos de mel com formato de continentes equilibrados no chão.
Se possível, planejar quais os equipamentos e técnicas serão utilizados não deve ser apenas uma questão de conveniência, mas um aspecto fundamental da narrativa. Em “360 metros quadrados”, por exemplo, a escolha da Polaroid 55 é mais um limitador do espaço, acentuando a ideia de um microuniverso em cada fotografia. O material, a técnica e a composição devem ser planejados como parte da narrativa, a maneira que a história será contada pode ser irremediavelmente afetada caso esses elementos sejam deixados de lado no planejamento.
Por último, uma etapa imprescindível para o começo de um projeto é o título, que deve ser curto e não precisa ser definitivo. Se necessário, escreva também um subtítulo que explique o que o título não deixou claro. Tome como exemplo o ensaio de Pedro David e como o seu título é literalmente o seu objeto de fotografia, enquanto o subtítulo o contextualiza: “Uma viagem minúscula em proporções geográficas, mas profunda em significados, dentro dos limites de um terreno residencial na periferia de uma grande cidade brasileira”.
O planejamento é muito pessoal e todos os componentes citados aqui como forma de auxiliar no processo podem ser utilizados na ordem que você desejar, o mais importante é manter o foco para não tratar de aspectos demais do assunto, tornando as fotografias desconexas. Porém, ao mesmo tempo, manter uma visão muito fechada da obra pode limitar o projeto. O ideal, portanto, é fazer projeções a partir das suas possibilidades. E por que não começar a treinar agora? Escolha um dos nossos posts do #fotografetododia e pense em um tema para conciliar com a técnica do post, anote como você transformaria a combinação em um ensaio fotográfico, dentro das suas possibilidades, é claro. Se quiser, compartilhe conosco aqui nos comentários.
Outras postagens da série sobre ensaios e projetos fotográficos:

Referências:

  • FOX, Anna, CARUANA, Natasha. Por trás da imagem. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
  • FREEMAN, Michael. A Narrativa Fotográfica: a arte de criar ensaios e reportagens visuais. Porto Alegre: Bookman, 2014.
  • SIMMONS, Mike. Como Criar uma Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2015.
  • SHORT, Maria. Contexto e Narrativa em Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.

Narrativas Fotográficas

Como contar histórias através das fotografias.

 Narrativa, de modo geral e amplo, implica a reunião de signos cujo sentido será afetado por um contexto histórico, social e cultural particular. Signo, por sua vez, dizemos de um elemento que estará representando outro. Uma operação matemática, por exemplo, é a reunião de signos (pois os números estarão representando quantidades), mas não possui significado particular, muito menos é afetada por um contexto histórico, social e cultural e, portanto, não configura uma narrativa. As imagens, porém, estão suscetíveis a essas nuances de interpretação. Basta pensar em como a forma de ler textos da esquerda para a direita e de cima para baixo afeta a nossa forma de interpretar imagens, de forma que aqueles acostumados a outro tipo de leitura de textos, como os japoneses, por exemplo, leriam imagens de outra maneira, expondo o aspecto cultural dessa interpretação espacial.
Christian Cravo – “Mariana” – Sem Nome
Narrativa, de modo geral e amplo, implica a reunião de signos cujo sentido será afetado por um contexto histórico, social e cultural particular. Signo, por sua vez, dizemos de um elemento que estará representando outro. Uma operação matemática, por exemplo, é a reunião de signos (pois os números estarão representando quantidades), mas não possui significado particular, muito menos é afetada por um contexto histórico, social e cultural e, portanto, não configura uma narrativa. As imagens, porém, estão suscetíveis a essas nuances de interpretação. Basta pensar em como a forma de ler textos da esquerda para a direita e de cima para baixo afeta a nossa forma de interpretar imagens, de forma que aqueles acostumados a outro tipo de leitura de textos, como os japoneses, por exemplo, leriam imagens de outra maneira, expondo o aspecto cultural dessa interpretação espacial.
Na fotografia, a ideia de narrativa é geralmente associada a projetos como ensaios fotográficos ou fotorreportagens, o que não quer dizer que não esteja presente em fotografias individuais. Aliás, se considerado o conceito de narrativa do parágrafo anterior, toda fotografia seria uma narrativa, mas é preciso destacar que nem todas as fotografias são criadas para terem um significado histórico, social e cultural particular e é exatamente essa tentativa de manipular a significação, ou seja, de propositalmente contar algo que marca a narrativa fotográfica.
A noção que parece ser a mais reforçada sobre as narrativas fotográficas é a presença de um começo, de um meio e de um fim. A proposta de uma rota temporal é fácil de  imaginar em ensaios e reportagens, em que um começo pode se tratar de fotografias que introduzem o espaço e os personagens, o meio pode ser o aprofundamento do que foi apresentado no começo e o fim pode ser um desfecho para o que se desenvolveu. Michael Freeman, autor de “A Narrativa Fotográfica”, acrescenta também a necessidade de um clímax, que seria um momento em que o desenvolvimento começa a aumentar e aumentar o ritmo até chegar no ponto alto da história, aquela fotografia mais impactante que prende a atenção, talvez contendo um problema a ser resolvido no encerramento.
Christian Cravo – Fotos do ensaio “Nos Jardins do Éden”
O ensaio “Nos Jardins do Éden”, de Christian Cravo, é um ótimo exemplo de um ensaio com um tema que pode ser disposto em ordem cronológica. Christian é um dos mais importantes nomes da fotografia brasileira contemporânea e “Nos Jardins do Éden”, evidencia esse prestígio. O ensaio retrata rituais de vodu no Haiti, um contexto em que o fotógrafo poderia documentar o ambiente, as preparações, o ritual em si (clímax) e o que acontece depois do ritual, apresentando as fotografias na ordem dos acontecimentos reais. Ou seja, é uma situação em que a narrativa já vem pronta. É preciso lembrar, entretanto, que o fotográfo impõe a sua visão à fotografia, portanto, mesmo que a narrativa venha pronta, ela nunca contará exatamente ou apenas o que aconteceu. A narrativa individual de cada fotografia de “Nos Jardins do Éden” conta também sobre a sujeição dos corpos à fé, além de passar uma mensagem de exotismo, sempre repetindo elementos como o fogo, a nudez e as galinhas, e de fascínio, nas luzes que emanam em feixes sobre as pessoas.
Construir uma narrativa em ordem cronológica é o meio mais fácil, mas não é a única maneira que existe de contar histórias por meio da fotografia. As narrativas podem ser cíclicas ou o antes e o depois de um acontecimento podem estar implícitos na fotografia. Um ensaio pode, também, não ter nenhuma relação temporal entre as fotografias, mas manter a coesão por compartilhar o mesmo tema ou um mesmo conceito visual. Já a continuidade entre elas pode ser criada pelo ritmo que a ordem escolhida de apresentação dessas fotografias e o destaque que a edição dá a cada uma delas. Até mesmo a falta de coesão, como colocar uma foto em preto e branco seguida de uma colorida, pode contribuir para estabelecer um ritmo narrativo. Um ensaio com fotografias de um mesmo objeto pode ter um clímax, por exemplo, se a forma que as fotografias foram feitas e dispostas no ensaio sugerirem uma acentuação do tema até uma foto de destaque, por exemplo.
Christian Cravo – Fotos do ensaio “Mariana”
As fotografias acima, também de Christian Cravo, são parte de um ensaio que reflete as consequências do rompimento da barragem de Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana, Minas Gerais, até agora o maior crime ambiental do Brasil. Ao contrário de seus outros ensaios, “Mariana” é colorido apenas para que o próprio monocromatismo do local esteja aparente. Assim, mesmo que as fotos não mostrem o momento do rompimento a cor predominante da lama nos remete ao que aconteceu, as colocando como parte da mesma história, e mesmo que não seja explícita a relação das famílias com o local antes e depois do crime, através de seus pertencentes inevitavelmente deixados para trás o ensaio narra a dor da perda de vidas deixadas em suspenso e de ter uma parte da sua vida inundada por lama.
Sugestão de exercício: procure ensaios fotográficos em revistas ou na internet e após analisar cada fotografia escreva quais são as características narrativas que se destacam nele. Tente responder a questões como: Que história esse ensaio conta? Que recursos o fotógrafo utilizou que me fazem reconhecer as fotografias como uma unidade? Como a composição das fotografias me leva a reconhecer o tema do ensaio? Deixe a suas conclusões aqui nos comentários e se quiser receber mais conteúdos como esse nos siga no instagram @d76_cultfoto.

Referências:

  • FREEMAN, Michael. A Narrativa Fotográfica: a arte de criar ensaios e reportagens visuais. Porto Alegre: Bookman, 2014.
  • SHORT, Maria. Contexto e Narrativa em Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
  • SQUIRRE, Corine. O que é narrativa? Civitas, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 272-284, maio-ago. 2014.

Cores Frias

Como as cores frias afetam a percepção de quem vê a fotografia e como elas podem ser usadas para criar certos efeitos?

A cor é um dos elementos mais importantes em uma fotografia. O uso e a combinação de tons pode afetar radicalmente a intenção e o efeito de uma fotografia para quem a vê. No círculo cromático, as cores frias, tons de azul, verde e roxo, estão em oposição ao vermelho, laranja e amarelo, cores quentes. As cores frias têm mais azul na composição, enquanto as quentes têm mais amarelo. 

Legenda: Círculo cromático. Fonte: Arty (2018)
Descrição: um circulo de cores dividido em duas partes, uma com as cores quentes e uma com as cores frias.

Estes tons mais frios transmitem uma sensação de melancolia e relaxamento, dependendo da forma como forem usados. Quantos mais “desbotado” o verde ou o azul forem, maior a sensação de relaxamento transmitido por eles. Se os tons estiverem muito saturados o efeito calmante se perde um pouco.

Mas por que essas cores tem o efeito de acalmar o observador? Segundo o livro Psicologia das Cores, de Eva Heller, o azul e o verde são muito associados ao céu e a natureza, elementos considerados “divinos” por algumas culturas, o que faz com que elas tenham esse efeito tranquilizante para várias pessoas. Este livro apresenta o resultado de uma pesquisa sobre cores e sentimentos, e um dos capítulos mostra que azul e verde foram as cores mais associadas aos sentimentos de harmonia, simpatia, amizade e confiança.

Legenda: Viaduto Santa Efigênia Visto a Partir do Vale do Anhangabaú. Walter Firmo, 1980.
Descrição: uma avenida movimentada em um horário que parece o entardecer, com o céu começando a escurecer. 

Walter Firmo é um fotógrafo brasileiro, muito conhecido por retratar a cultura negra e brasileira, tendo fotografado artistas como Cartola, Paulinho da Viola, Pixinguinha e Clementina de Jesus. Durante sua carreira passou a ser chamado de “mestre da cor”, justamente pelo uso interessante deste elemento em suas fotografias. 

Legenda: Santo Amaro da Purificação, Bahia. Walter Firmo, 2002.
Descrição: duas pessoas nuas em meio ao que parece ser um canavial. Ao fundo vemos uma pequena igreja. 

A foto acima tem poucas cores na sua composição. Azul no céu, verde na grama, branco na igreja ao fundo e marrom e preto na pele e no cabelo da mulher e o homem fotografados. A predominância do azul e do verde passam uma sensação de tranquilidade e os olhares dos modelos no horizonte dão a impressão de que eles estão pacientemente esperando algo ou apenas observando a natureza em um momento de contemplação.

Pensar o uso e a intenção da cor na fotografia é fundamental para criar fotos que façam o observador sentir algo enquanto ele observa. Além de observar as cores e as luzes do ambiente no momento de fotografar, também use aplicativos de edição e experimente diferentes tonalidades para as suas fotos. 

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Links, Referências e Créditos

 

Juca Martins

Manoel Joaquim Martim Lourenço, nasceu em 1949 em Portugal e aos 7 anos de idade se mudou com a família para São Paulo.

Fotografou importantes momentos históricos, e ajudou a fundar a F4, uma cooperativa de fotógrafos que lutou pelos direitos desses profissionais.

Manoel Joaquim Martim Lourenço, nasceu em 1949 em Portugal e aos 7 anos de idade se mudou com a família para São Paulo. Ele se tornou fotografo em 1970, e durante sua carreira fotografou para jornais como Folha de São Paulo e Jornal da Tarde, além de revistas como Veja e Quatro Rodas.

Na foto podemos ver os rostos de vários manifestantes, enquanto eles carregam uma faixa com a frase "Abaixo a ditadura" 
Juca Martins, Movimento pela Anistia, Praça da Sé, São Paulo 1979

Juca sempre foi muito politizado, suas fotografias na maioria das vezes retratam lutas sociais, como as  manifestações contra a ditadura militar e a greve dos trabalhadores do ABC paulista. Ao longo de sua carreira ele foi diretor de arte do jornal o Movimento, que era um dos principais jornais feitos em oposição ao golpe militar de 1964, foi vencedor do prêmio ESSO em 1981 por sua reportagem sobre Crianças abandonadas, e cobriu a guerra Civil em El salvador, que lhe rendeu o prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos em 1982.

Também foi um dos principais fundadores da Agência F4, que garantiu aos fotógrafos e fotografas o direito ao negativo,  uma tabela de preços para a comercialização das fotos e, além de outros direitos que esses trabalhadores não recebiam, um controle criativo maior sobre suas fotos.

Na foto vemos cinco pessoas no acostamento de uma estrada, com os braços esticados pedindo esmolas, enquanto um carro de luxo troca de faixa para se distanciar deles. 
Juca Martins. Flagelados da seca do Ceara, 1983
A imagem é composto por vários rostos dos operários parados um do lado do outro. 
Juca Martins, Greve de metalúrgicos da Volkswagen São Bernardo do Campo 1985
Na foto podemos ver 4 policiais armados em primeiro plano e ao fundo uma criança carregando uma arma de brinquedo.
Juca Martins, Intervenção Policial no Sindicato Dos Metalúrgicos São Bernardo do Campo 1980
Na foto em primeiro plano estão quatro policiais acompanhados de cachorros, na frente deles há mais um cordão formado por policiais e logo depois manifestantes parados lado a lado nas escadas de uma igreja. 
Juca Martins, Movimento contra o custo de vida Praça da Sé 1978
Na foto vemos vários trabalhadores em fila, estando 3 deles em primeiro plano e apoiados em uma pedra olhando para câmera.
Juca Martins, Garimpo de Ouro Serra Pelada Pará  1980
Na foto podemos ver dois policiais se ajoelhando em cima de uma travesti, que esta no chão com as mão atrás das costas
Juca Martins, Prisão de uma Travesti, São Paulo SP Juca Martins 1980

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Links, Referências e Créditos

  • https://utopica.photography/pt/artistas/juca-martins/
  • https://ims.com.br/titular-colecao/juca-martins/
  • http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8369/juca-martins
  • http://jucamartins.com/
  • https://focusfoto.com.br/o-fotojornalismo-independente-os-novos-caminhos-e-as-agencias-de-fotografos/

Como citar esta postagem

CAVALHEIRO, Pedro Olavo Pedroso. Juca Martins. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/galeria-juca-martins/(abrir em uma nova aba)>. Publicado em: 27 de jan. de 2021. Acessado em: [informar data].

Tom Beard

Tom Beard é um fotógrafo britânico conhecido por seus trabalhos com artistas da cena musical londrina.

 Conheça Tom Beard, fotógrafo britânico que trabalhou com Florence + The Machine e Adele.

Tom Beard é um fotógrafo britânico conhecido por seus trabalhos com artistas da cena musical londrina. Conheci seu trabalho através de suas fotografias para capas de álbuns e singles da banda Florence + The Machine, que já acompanho a algum tempo. Uma delas, feita para a capa de Ceremonials (2011) faz parte atualmente do acervo permanente do National Portrait Gallery, em Londres, sendo uma fotografia da vocalista Florence Welch feita em uma sala escura com espelhos, que traduziu muito bem a estética sonora e visual da banda nesse trabalho. 

Beard começou a fotografar em um centro para jovens após as suas aulas escolares e conviveu com uma cena musical bastante efervescente onde tornou-se amigo de pessoas como o cantor indie Jamie T e a aclamada Florence Welch, que conheceu quando ainda frequentava a faculdade de artes de Camberwell. Desistiu da faculdade para acompanhar as bandas em suas turnês e fez trabalhos com nomes como Mystery Jets e Larrikin Love, tendo também feito  fotos para a cantora Adele na época em que divulgava seu primeiro álbum de estúdio. O fotógrafo chegou a dizer que só começou a fotografar por “estar no lugar certo e na hora certa”, mas depois esclareceu que disse isso na época por ainda ter dificuldade em crer estar ganhando a vida com algo que gostava tanto.

Um diferencial bastante interessante de Beard é seu uso de filme fotográfico para seus trabalhos, tanto relacionados à música, quanto editoriais e seus recentes trabalhos com o audiovisual. Apesar de não desprezar o valor do digital, ele vê os métodos analógicos com sentimentalismo e defende sua materialidade, já que não se dá bem com arquivos de computador e celular. Confira abaixo algumas dessas fotografias.

A cantora Florence Welch é vista em uma sala escura, com sua imagem refletida em espelhos. Usa um vestido de lantejoulas escuras com uma grande fenda. Está de olhos fechados; a cabeça inclinada para a esquerda e uma mão sobre o braço esquerdo. 
Tom Beard. Capa do álbum “Ceremonials”, de Florence + The Machine, 2011
A cantora Adele é vista sentada em frente a uma mesa, usando vestido preto e com uma expressão de tédio. O ambiente, com um balcão ao fundo e homens em uniformes brancos, e os objetos, como uma xícara branca e um cardápio na mesa, indicam que trata-se de um bar ou lanchonete.
Tom Beard. Capa do single “Hometown Glory”, de Adele, 2008
Colagem com diversas fotos mostrando os integrantes da banda Larrikin Love sobre fundo preto. Aos cantos, há imagens com temas circenses como palhaços, mágicos e um cavalo enfeitado. 
Tom Beard. Capa do álbum “Edwould”, banda Larrikin Love, 2006
O cantor Jamie T é visto usando camisa branca, calça jeans, blusa xadrez azul e sapatos pretos pulando de um sofá com listras brancas e vermelhas. Há uma guitarra recostada no sofá e a bandeira do Reino Unido ao fundo.
Tom Beard. Foto da sessão para o álbum “Kings & Queens”, de Jamie T, 2009
A cantora Florence Welch é vista sentada no chão de uma floresta, com as mãos apoiadas em um joelho e olhando para a câmera. Veste uma fantasia de palhaço e está rodeada por flores, folhas, raízes de árvores, figuras de animais desenhados e uma gaiola dourada.
Tom Beard. Florence Welch no set do videoclipe de Dog Days Are Over, 2008
Dois rapazes usando roupas de moletom e tênis são vistos sentados em uma calçada. Tem as cabeças baixas e cobertas pelos braços que estão cruzados sobre os joelhos. Outras pessoas são parcialmente visíveis caminhando ao lado direito da imagem. 
Tom Beard. Foto de arquivo
Foto feita durante o festival Glastonbury. O campo aberto é visto durante o nascer do sol de um dia nublado. Há várias pessoas deitadas e algumas em pé e há sujeira por toda a área. Uma bandeira e algumas árvores são vistas ao fundo.
Tom Beard. Nascer do sol de segunda-feira, Glastonbury.
A cantora Florence Welch é vista posando com uma mão delicadamente repousada sobre seu ombro direito e o mão esquerda erguida na altura dos olhos. A cabeça está voltada para o lado direito da imagem e está de olhos fechados. Usa uma blusa semitransparente de pequenas correntes prateadas e um adereço em forma de pulmões que cobre seus seios. O fundo é composto por um tecido pesado com estampa floral e há galhos com flores e pássaros. 
Tom Beard. Capa do álbum “Lungs”, de Florence + The Machine. 2009

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Profundidade de Campo

A profundidade de campo é a área antes e depois do plano focado que pode ser considerada em foco.

A profundidade de campo é um assunto importantíssimo na hora de fotografar, nessa postagem vamos analisar vários fatores relativos a ela.

Essa é a segunda publicação do Cultura Fotográfica sobre este assunto, então para melhor compreendimento vale a pena ler a primeira, na qual falamos sobre como aplicar o efeito de fundo desfocado configurando a lente para uma abertura máxima, com a maior distância focal possível e se aproximando o máximo possível do objeto. Agora vamos nos aprofundar um pouco mais no assunto.

Em primeiro plano vemos um homem encostado em uma parede, com uma placa no pescoço. Mais ao fundo, mesmo estando desfocadas, vemos várias pessoas transitando.
Henri Cartier-Bresson, Desempregado em Hamburgo, Alemanha 1952-1953

A profundidade de campo é a área antes e depois do plano focado que pode ser considerada em foco. Pense que um plano focado de uma imagem é formada por milhares de pequenos pontos, e conforme a distância em relação a ele vai aumentando os pontos se tornam círculos, quando esses ficam muito grandes, temos o que chamamos de círculo de confusão, a partir daí a imagem está desfocada.

O círculo de confusão poderá variar de tamanho devido a vários fatores. O tamanho no qual a foto será exibida é um deles por isso uma foto que pareça desfocada na tela de um computador pode não parecer vista em um celular.

Entender bem esses conceitos ajuda na hora de decidir a configuração que vamos usar na hora de fotografar. No caso de paisagens, por exemplo, é ideal usar grandes profundidades de campo para que toda a cena esteja nítida, também é necessário pensar bem onde colocar o foco da câmera, se você focar em um objeto próximo, mesmo com uma grande profundidade de campo, é possível que os objetos mais distantes estejam desfocados e vice versa.

Já no caso de retratos, muitas vezes uma curta profundidade de campo pode ser a melhor escolha, mas cuidado, caso ela seja muito curta pode ser que uma boa parte do rosto de uma pessoa fique desfocado.

Henri Cartier-Bresson, famoso fotógrafo francês responsável por algumas das mais icônicas fotos da história e um dos fundadores da agência Magnum, que é considerada uma das mais importantes agências de fotografia da história, tem em seu portfólio várias imagens na qual podemos observar profundidades de campo muito bem calculadas.

Quatro mulheres vestindo roupas brancas que cobrem todo o corpo, estão paradas na encosta duma colina. Uma delas está com as mão erguidas em sinal de oração. Ao fundo podemos ver uma vale cheio de árvores e um rio, além da silhueta de uma cadeia de montanhas.
Henri Cartier-Bresson, Mulher muçulmana na encosta da colina Hari Parbal 1948

Ainda que nessa foto os objetos principais sejam as quatro mulheres, percebesse o uso de uma longa profundidade de campo. Mesmo não estando completamente nítidos, o vale  abaixo delas e o céu contribuem muito para a composição, se eles tivessem sido retratadas com um fundo completamente desfocado a foto não teria tanto impacto.

Na foto vemos dois homen, um deles está de costas e desfocada, já  o outro está em foco de frente para a câmera, ele está vestindo um grosso casaco de pele e fuma um cachimbo. Atrás podemos ver alguns lampiões de iluminação e o telhada de alguma construção.
Henri Cartier-Bresson Jean-Paul Sartre, Paris, 1946

Essa situação é diferente, o objeto principal da foto é o escritor Jean-Paul Sartre, mas há  um homem entre a câmera e ele. Utilizando uma pequena profundidade de campo Bresson consegue contornar esse fator,  mesmo não estando em primeiro plano Sartre é colocado como principal objeto da foto. 

Então na hora de sair para fotografar não se esqueça de prestar muita atenção  na profundidade de campo, ela é um fator importantíssimo na hora de destacar ou esconder detalhes. E vale lembrar que, assim como o círculo de confusão varia com o tamanho com que uma foto é impressa, a profundidade de campo também varia.

Links, Referências e Créditos

Como citar esta postagem

CAVALHEIRO, Pedro Olavo Pedroso. #fotografetododia – Profundidade de Campo. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em <https://culturafotografica.com.br/fotografetododia-profundidade-de-campo/>. Publicado em: 18 de jan. de 2021. Acessado em: [informar data].

Revista Zum

Uma revista de fotografia que traz reflexões críticas, além de diversas entrevistas com fotógrafos muito interessantes. 

A revista Zum é uma revista de fotografia que se propõe a apresentar uma reflexão crítica do assunto, “entrecruzando a fotografia com as áreas da literatura, do cinema e de outras formas de expressão artística” (PEREIRA, 2018). Criada em outubro de 2011 pelo Instituto Moreira Salles (IMS), dedicado à divulgação de arte, fotografia e literatura nacionais, a revista semestral já tem 18 edições publicadas. 
Legenda: capa da revista Zum edição #18
Descrição: colagem de várias fotos de pessoas e de paisagens naturais com o nome da revista escrito na parte superior esquerda.
Ela traz diversos artigos, ensaios fotográficos e entrevistas com fotógrafos, grande parte deles também publicados no site da revista, podendo ser lidos a vontade, embora a experiência de ler a revista como um todo seja bem mais interessante, devido ao design do veículo que destaca muitos as fotografias.
A revista sempre traz entrevistas e análises muito bem escritas, que não cansam o leitor e te incitam a pesquisar cada vez mais sobre fotógrafos e técnicas da área. Inclusive, algumas entrevistas da revista já foram usadas de base em textos do blog, como as galerias de Bernd e Hilla Becher e de Cristina de Middel. 
A Zum pode ser comprada em versão impressa na loja online do Instituto Moreira Salles, com faixa de preço variando entre 45 e 55 reais. Devido a pandemia, a 18º edição também foi publicada digitalmente e distribuída de forma gratuita no site. A leitura online é muito prática e tem até um efeito de passar a página como em uma revista física.
Legenda: print da tela do computador mostrando a edição online da revista.
Descrição: revista aberta mostrando uma fotografia forma por colagem. 
A Revista Zum traz um conteúdo intrigante e acessível ao mesmo tempo, não só por estar disponível para a leitura em um site, mas também por ter uma linguagem compreensível mesmo para os mais leigos no assunto. Se você se interessa por fotografia e quer aumentar seu repertório, principalmente de fotógrafos e fotógrafas, é uma leitura fundamental. 
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Vivendo com o Inimigo

Nos anos 80, Donna Ferrato registrou cenas de violência doméstica. Infelizmente, agressões deste tipo continuam sendo constantes em todo o mundo.

Donna Ferrato – Westchester County, New York, 1982

Em 1982, a fotógrafa americana Donna Ferrato viveu durante um tempo com um casal, Garth e Lisa, com o objetivo de registrar a sua vida sexual para a revista Playboy Japão. Um dia, Garth agrediu Lisa no banheiro e Donna, ao escutar o grito, correu com a sua câmera nas mãos. O registro do momento é impactante. Garth se projeta na direção de lisa com a mão se movimentando para culminar no que em poucos segundos seria um tapa. Somos espectadores assistindo a ação do canto do banheiro que, por sua vez, é contornado por espelhos que mostram a cena acontecendo em outros ângulos. Assim, vemos diversas Lisas sendo violentadas naquele instante sem fim. Os espelhos, porém, também são os responsáveis por desfazer o encanto da fotografia, aquele que implica no esquecimento da presença do fotógrafo, quase como se a fotografia se criasse sozinha, pois, é possível ver a imagem de Donna, disparando sua câmera, no reflexo do espelho. Para não provocar gatilho nos leitores, a fotografia não será vista no post, mas você pode acessá-la neste link.
Registrar em fotos é um pacto de não envolvimento do fotógrafo e, neste caso, uma negação de auxílio. A atitude de Donna é moralmente dúbia ao abrir mão de ajudar a vítima em prol de documentar a violência (ou, como definiu, de abrir o livro da hipocrisia da sociedade) para que pudessem acreditar nela, mas, em uma sociedade que acredita mais em imagens do que em fatos, suas fotografias podem ter ajudado a confirmar a existência da violência doméstica como um problema social sistemático e não uma exceção a regra, principalmente porque, depois dessa fotografia, Donna Ferrato passou 30 anos visitando conferências, tribunais, emergências hospitalares, grupos de terapia e aulas de defesa pessoal para mulheres, coletando histórias e fotos sobre violência doméstica, algumas delas foram publicadas em 1991 no livro “Living with the Enemy” ou Vivendo com o Inimigo.
Sobre o livro, Donna disse que: “a maior parte de “Vivendo com o Inimigo” nasceu da frustração — primeiro porque eu me sentia impotente para enfrentar a violência que eu via, e, segundo porque por muito tempo nenhuma revista publicaria as fotos”. Para a revista Time, relatou também: “Agora (a partir do livro), eu também tinha um sonho: algum dia o mundo ia acordar para a desvantagem que as mulheres têm nas suas relações íntimas com os homens. Eu iria fazer todos olharem em seus olhos”.
Donna encontrou a sua forma de tentar expor o assunto transformando-o em provas inegáveis e desenvolvendo instrumentos de empatia, mas deve ser sempre lembrado que a melhor maneira de ajudar uma mulher vítima de violência doméstica é fazer a denúncia e ajudá-la a ter acesso aos mecanismo que a justiça prevê para protegê-la.

Confira algumas das fotografias de “Vivendo com o Inimigo”:

Aviso: foram escolhidas fotografias que não retratassem graficamente a violência, para evitar gatilhos emocionais nos leitores, mesmo assim as imagens podem ser fortes para algumas pessoas.
Donna Ferrato – Minneapolis, Minnesota, 1988

O relatório da polícia saiu assim: 7:30 a.m. O pelotão 510 recebeu uma ligação de uma agressão acontecendo… “Eu te odeio” Nunca volte à minha casa”, gritou o garoto de oito anos para seu pai enquanto a polícia prendia o homem por atacar a sua mãe.

Donna Ferrato – Boulder, Colorado, 1985
O marido de Janice a espancava impiedosamente …
Donna Ferrato – Mulher com seu bebê, olhos fechados – 1988
Kim temia que a tensão que ela sentia após deixar seu marido violento e recomeçar sozinha fosse perigoso para o seu bebê. “Eu poderia agarrá-lo agora mesmo se ele fizesse algo ruim e atirá-lo contra a parede”, ela disse no Mulheres contra o Abuso, um abrigo na Filadélfia. “Em momentos como esse, eu acho que meu pai costumava fazer isso comigo, agora eu talvez faça isso com essa criança”.  O funcionários do abrigo ajudam as mulheres a lidarem com tais sentimentos.
Donna Ferrato – Mulher com a sombra do policial – Filadélfia, Pensilvânia, 1986.
Uma esposa espancada reclamou para o policial que  suas ligações por ajuda raramente eram atendidas. Apesar de uma ordem judicial para se manter longe, seu marido invadiu a sua casa pela janela.
Donna Ferrato – Mulheres e crianças com mural – Minnesota, 1988.
Não existe uma residente de abrigo típica, assim como não existe uma mulher espancada típica. No Defensores das Mulheres, em Saint Paul, o primeiro abrigo do país, mulheres podem se abrigar por seis semanas e ter acesso a assistência legal, financeira, médica e trabalhista. O mural da casa foi pintado por uma residente há dez anos.
Donna Ferrato – Policial com um panfleto – 1988
Ativistas pressionam a polícia a passar por um treinamento de violência doméstica e distribuir panfletos sobre o abuso de parceiros, listando as fontes locais de ajuda.
Denuncie!
Quarenta anos depois da foto em que Garth agride Lisa, a violência doméstica continua sendo um grave problema social em todo o mundo e os dados mostram que o confinamento social por causa da pandemia de Covid-19, que fez com as mulheres tivessem que passar mais tempo sozinhas com seus agressores, fizeram os números da violência aumentarem. No Brasil, houve um aumento de denúncias de violência doméstica de 34% por mês, além de um aumento de 5% do feminicídios, ocorrendo só no estado do Pará um aumento de 100%, segundo o monitoramento feito pelo Amazônia Real, Agência Eco Nordeste, #Colabora, Portal Catarinas e Ponte Jornalismo.
Neste contexto, é importante lembrar que no Brasil vigora a Lei Maria da Penha, voltada para a proteção e justiça de mulheres que sofrem violência doméstica. A lei, que só entrou em vigor em 2006, é considerada bem abrangente em termos legislativos, ainda que haja problemas em sua execução.
Se você ou alguma conhecida está passando por essa situação, saiba que a Lei Maria da Penha torna obrigatória a instauração de um inquérito quando uma denúncia de violência doméstica é recebida, que a polícia também deve oferecer encaminhamento médico à mulher, se necessário, e requerer ao judiciário medidas protetivas e de prisão preventiva. Além disso, a vítima só poderá fazer uma retratação (ou seja, retirar a queixa) em uma audiência marcada com esse propósito e, mesmo assim, os magistrados avaliarão se ela corre algum risco, antes de decidir pelo arquivamento do processo. Isso acontece porque a violência doméstica é entendida como um ciclo que engloba a etapa de tensão, que é a fase dos insultos e ameaças; a fase de explosão, quando a violência acontece; o distanciamento, etapa em que a mulher pode procurar ajuda; e a reconciliação, quando o agressor pede desculpas, age carinhosamente e, às vezes, convence a vítima de que a violência não se repetirá, levando-a a tentar retirar a queixa. Mas depois de um tempo de tranquilidade o ciclo sempre recomeça e, segundo uma pesquisa feita com mulheres de Belo Horizonte, o tempo entre as agressões diminui a cada ciclo.
Saber como funciona o ciclo é muito importante para reconhecer quando se está presa a ele, mas, se a agressão física não se concretizar, qualquer outra forma de violência pode ser denunciada, pois, segundo a Lei Maria da Penha, é considerada violência doméstica contra a mulher, qualquer violência física, psicológica, verbal, sexual, moral ou patrimonial contra qualquer mulher, independente de sua orientação sexual, raça, credo ou classe social, cometida por alguém de seu círculo familiar e afetivo.
Por isso, em qualquer fase do ciclo ou sofrendo qualquer uma das violências citadas acima, denuncie ligando para o número 180 ou se dirigindo à Delegacia da Mulher do seu estado. Se não existe a possibilidade de telefonar ou visitar uma delegacia, a partir deste ano as farmácias começaram a receber denúncias, basta desenhar um “x” vermelho na sua mão e mostrar ao farmacêutico e a polícia será imediatamente acionada.

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