Edição e Apresentação

 Terminar de fazer as fotografias não significa que seu projeto já esteja pronto, veja o que vem depois.

Terminar de fazer as fotografias não significa que seu projeto já esteja pronto, veja o que vem depois.

Layout de fotos da fotorreportagem “Hands Across the Water: Sea-watch Tries to Save the Migrants Europe Ignores”, de Daniel Elter, publicada na “Al Jazeera America”.
Descrição: Sequência de fotografias coloridas. A primeira está acima das outras duas, é maior que as demais e retrata dois homens em um barco içando uma vela. A segunda retrata homens em um barco carregando um barril. A terceira, que está ao lado da segunda, retrata, através de uma janela do barco, homens examinando um mapa que está em cima de uma mesa.
A palavra edição pode se referir a diversos processos diferentes que levam a um mesmo objetivo, a finalização e apresentação do seu projeto. Entre eles estão, por exemplo, a escolha das fotos que integrarão o projeto, o tratamento das imagens para correção ou efeitos estéticos e a produção da apresentação do projeto, o que pode se referir a organização de um layout para uma publicação impressa a transformações das fotografias em um produto audiovisual, entre tantas outras formas de se apresentar um projeto. Cada projeto pode requerer tipos específicos de edições, mas é possível dizer que todo projeto passará por uma edição do fotógrafo (a escolha e edição das fotos) e pela edição do designer (a construção do layout), sendo algumas vezes o fotógrafo o encarregado de ambas. Mesmo se não for o encarregado da edição do designer, o fotógrafo deve estar consciente do que concerne a essa atividade para que a escolha das fotografias seja feita com clareza.
A apuração das imagens pelo fotógrafo pode seguir certos critérios como beleza, adequação ao tema ou à narrativa e praticidade, ou seja, a conveniência de certa foto dentro da apresentação, como quando uma foto é escolhida para preencher um espaço faltante ou fazer contraste com a foto anterior ou posterior. Sendo assim, para decidir quais fotos integrarão o projeto, o fotógrafo pode executar um processo análogo ao de peneirar. Primeiro se escolhe as fotos preferidas pelo visual e depois elimina entre essas as que não parecem fazer parte da narrativa. As demais podem ser classificadas de acordo com a necessidade do designer. Na dúvida entre duas fotografias, às vezes a mais bonita pode ser preterida por algum aspecto prático, como ser uma fotografia vertical quando na apresentação ficaria melhor uma horizontal.
Em momentos como esse, a escolha das fotografias e a produção da apresentação parecem ser uma única coisa, com a segunda ditando a primeira. A apresentação define, por exemplo, se as fotografias serão agrupadas por justaposição ou em sequência e cada maneira demanda o seu próprio processo para a apuração das imagens. É possível dizer que a “edição do designer” possui um grande peso dentro do projeto, pois as imagens são extremamente afetadas pelo modo como são apresentadas. É a apresentação um dos poucos recursos para ganhar controle sobre o modo que a leitura das imagens será feita.
É claro que o produto final pretendido terá maior ou menor participação nesse controle. Em um livro de fotografias, por exemplo, há a possibilidade de colocar várias fotografias por página, afetando umas às outras, e cada sequência pode ser lida como uma história à parte. Nesse caso, também é possível deixar uma fotografia em destaque colocando-a em um tamanho maior. Por outro lado, uma apresentação em slide pode ser limitante por manter todas as imagens do mesmo tamanho e em sequência, mas traz recursos de transições e a possibilidade de utilizar áudio, o que pode ser interessante.
Daniel Elter – Abertura da fotorreportagem “Hands Across the Water: Sea-watch Tries to Save the Migrants Europe Ignores”, publicada na “Al Jazeera America”. A fotografia traz todos os elementos presentes no tema da reportagem: os imigrantes e a ONG Sea-Watch.
Descrição: Fotografia colorida que mostra dois garotos em um cais observando um barco cuja lateral é pintada com as palavras “Sea-Watch”.
Para entender como a apresentação do projeto afeta o entendimento sobre ele, sugiro visitar a fotorreportagem “Hands Across the Water: Sea-watch Tries to Save the Migrants Europe Ignores”, de Daniel Elter, publicada na “Al Jazeera America”. A reportagem, que conta como a ONG alemã Sea-Watch trabalha resgatando barcos com refugiados no Mar Mediterrâneo, foi escrita em inglês, mas para o exercício de interpretação de imagem a seguir o conteúdo escrito não é importante.
A primeira observação acerca da escolha das fotografias e do design, pode ser feita já no título. Nem toda fotorreportagem opta por inserir o título na imagem de abertura, mas observe como é impactante e como a própria fotografia explica o título melhor do que as palavras. Também deve ser destacado como todos os elementos que a reportagem tratará estão presentes nessa fotografia, com os refugiados olhando para a embarcação da Sea-Watch. Em seguida, após o texto de introdução, há uma fotografia também puramente introdutória, a imagem do barco da Sea-Watch. O texto desenvolve-se explicando o trabalho da ONG no barco e as fotografias o acompanham ilustrando-o. Através de um layout com três fotos, a questão de tornar imagens dependentes, mas sem deixar ter uma em evidência, citado aqui no artigo, é posto em prática. A partir de então, a reportagem começa a apresentar as fotografias de destaque, evidenciadas também em relação ao texto, aparecendo em slides que cobrem a tela inteira. Esses slides interferem bastante na importância que o leitor dará a essas imagens, pois eles seguem o fluxo natural das leituras em páginas da web, passando de uma para outra conforme a página é rolada para baixo, mantendo o leitor em contato com essas fotografias por um tempo maior. As transições, por sua vez, introduzem lentamente a próxima imagem, estabelecendo uma conexão entre as duas, no momento em que se sobrepõem. É importante citar que a forma como os slides foram separados garante que fotografias que fazem parte do mesmo segmento narrativo fiquem juntas, seguindo a lógica das páginas seguidas e de mais de uma fotografia na mesma página.
Tais artifícios foram provavelmente elaborados para se encaixar com esse modelo de fotorreportagem, mas são fatores que ajudam a refletir sobre como um projeto fotográfico implica em transcender as noções sobre fotografias e aplicá-las a outros mecanismos. Ou seja, um verdadeiro exercício de criatividade!
Tem alguma fotorreportagem ou ensaio cuja apresentação te impactou? Divida ela conosco aqui nos comentários, explicando, como nos parágrafos acima, de que forma ela narra através da apresentação. Para saber sobre as nossas postagens, nos siga no Instagram.
Outras postagens da série sobre ensaios e projetos fotográficos:

Referências:

  • FOX, Anna, CARUANA, Natasha. Por trás da imagem. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
  • FREEMAN, Michael. A Narrativa Fotográfica: a arte de criar ensaios e reportagens visuais. Porto Alegre: Bookman, 2014.
  • SHORT, Maria. Contexto e Narrativa em Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.

Texto e Fotografia

 Será que uma fotografia bem feita suprime a necessidade de palavras?

 Será que uma fotografia bem feita suprime a necessidade de palavras?

Pedro Kok – The Baths Of Viareggio, Italy
Descrição: Fotografia colorida de uma fachada com um arco com um letreiro em que se pode ler “Nuova Italia”.

“Uma imagem vale mais que mil palavras”. A frase de Confúcio, difundida ao nível de ditado popular, definitivamente não foi criada para julgar a relação entre fotografias, que estavam bem longe de existir, e textos, mas se encaixa muito bem com o pensamento recorrente de que o bom fotógrafo faz com que suas fotografias falem por si, a ponto de ser até questão de orgulho para alguns fotógrafos que suas fotos não necessitem de legendas. A verdade é que as fotografias, quando comparadas às palavras, realmente comunicam muito mais rapidamente e têm o poder de comunicar ações e características que em um texto necessitariam de muitas e muitas palavras para serem explicados.

As imagens, todavia, possuem limites quanto a contextualização. Elas não contam, por exemplo, qual foi o acontecimento que gerou o momento retratado ou em que lugar e ocasião a ação se passa. As imagens comunicam um presente congelado no tempo, mas não fornecem explicações sobre ele e isso, às vezes, é limitador. Supondo que a sua narrativa tenha um objetivo político como alertar para violações de direitos humanos, por exemplo, as fotografias serão chocantes mesmo sem texto que as acompanhem, mas certamente a presença de dados sobre a frequência que tais violações ocorrem ou de declarações sobre as vítimas serão um reforço inestimável na construção de empatia do leitor e da capacidade informativa das suas fotografias. E, nesse caso, alcançar o leitor e espalhar conhecimento sobre o assunto é mais relevante do que a capacidade do fotógrafo de transmitir mensagens apenas através de imagens.

Outra questão a ser levada em consideração ao pensar a relação entre o texto, principalmente como legenda, e a fotografia é se existe o risco que a não contextualização da imagem faça com que outros valores sejam atribuídos a ela. Quando a filósofa Susan Sontag discute, em seu livro “Sobre a Fotografia”, os valores que os “moralistas” esperam das fotografias, ela descreve que retirar as legendas das fotos jornalísticas expostas em museus e galerias é o que as torna obras de arte puramente estéticas, como se a falta de contexto sobre o que está retratado retirasse o valor documental da foto. Entretanto, a própria autora certifica que “nenhuma legenda consegue restringir, ou fixar, de forma permanente, o significado de uma imagem” e que “mesmo uma legenda inteiramente acurada não passa de uma interpretação, necessariamente limitadora, da foto à qual está ligada. E a legenda é uma luva que se veste e se retira muito facilmente”.
Pedro Kok – The Baths Of Viareggio, Italy
Descrição: Fotografia de uma fachada com uma moldura com um letreiro onde se pode ler “Primavera”.
Conclui-se, então, que é preciso estabelecer uma relação de equilíbrio entre texto e fotografia, o que pode ser parcialmente afetado pelo caráter das fotografias ou do projeto que está sendo elaborado. Será que é necessário que o texto acompanhe as fotografias ou que as fotografias acompanhem o texto?
Para te ajudar a refletir sobre a questão foi escolhido o ensaio “The Baths Of Viareggio, Italy”. Pedro Kok, o autor das fotografias, é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e sua graduação influencia na escolha de suas fotografias que contemplam arquiteturas e espaços urbanos. Em “The Baths Of Viareggio, Itália”, Pedro retratou as casas de banho que existem na costa do Mar de Ligúria desde o começo do século XX, onde até o acesso à praia é pago. Com a ênfase na arquitetura e na tipografia das placas das casas de banho, toda informação sobre o lugar é conseguida em um texto muito curto e extremamente simples. As fotos, por sua vez, dispensam legenda.
O ensaio de Pedro faz um segundo uso de palavras, mas também muito significativo: as palavras aparecem na própria fotografia como o objeto retratado. A possibilidade de usar palavras como o próprio tema da fotografia abranda a noção existente de ruptura entre texto e imagem e fornece novas formas de transmitir a mensagem, mostrando que um projeto fotográfico não precisa ser fechado e dependente apenas das fotografias. Também é interessante considerar outros tipos de textos e palavras que não sejam apenas os escritos, como os sons que podem ser adicionados à apresentação virtual de um projeto.
Pedro Kok – The Baths Of Viareggio, Italy
Descrição: Fotografia colorida de uma fachada onde, ao fundo, por cima de uma cerca viva há um letreiro onde se pode ler “Narcisa”.
Apropriar-se das palavras é, de todas as maneiras, agregar conteúdo de forma positiva ao projeto fotográfico, seja para contextualizar, para reforçar um ideal ou para compor a apresentação. Pensando nisso, crie legendas para fotografias famosas sugerindo contextos políticos e artísticos diferentes do que o atual e comente aqui para discutirmos o valor das legendas.
Outras postagens da série sobre ensaios e projetos fotográficos:

Referências:

  • FREEMAN, Michael. A Narrativa Fotográfica: a arte de criar ensaios e reportagens visuais. Porto Alegre: Bookman, 2014.
  • SHORT, Maria. Contexto e Narrativa em Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.

Roteiro Fotográfico

 Em um Roteiro Fotográfico o fotógrafo planeja quais fotografias são essenciais para o seu projeto e quais as condições em que devem ser feitas.

Em um Roteiro Fotográfico o fotógrafo planeja quais fotografias são essenciais para o seu projeto e quais as condições em que devem ser feitas. 
Já falamos aqui sobre como o planejamento de um projeto fotográfico pode ajudar a definir como a sua história deve ser contada. Seguindo essa linha de raciocínio o roteiro fotográfico é a própria história, já que são as instruções de quais fotografias devem ser produzidas para que a narrativa faça sentido. Mesmo que pareça fazer parte do planejamento, para que o roteiro seja elaborado, questões como assunto, recorte e equipamento disponível já devem ter sido resolvidas.
Assim como o planejar, elaborar o roteiro é um processo pessoal e que depende também das singularidades do projeto em questão. Fica ao encargo do fotógrafo decidir se o roteiro será um simples guia ou instruções detalhadas do que deve ser realizado; relativo ao próprio projeto, porém, estão aspectos como a data e o horário que as fotografias serão feitas, de acordo com a disponibilidade das pessoas e do local fotografado e de como a luz daquele momento afetará a fotografia. Ou seja, não é possível saber o que será necessário no roteiro até que o projeto já esteja planejado.
Julio Bittencourt – Ramos – Ramos 06
Descrição: Fotografia colorida de um homem fazendo exercício de barras em uma praia.
Em alguns casos, tem-se a impressão de que apenas o mínimo planejamento é suficiente, como, por exemplo, nas ocasiões em que o conteúdo das fotografias dependem de reações momentâneas. Contudo, existem formas de se planejar para obter as fotografias mais espontâneas. Para isso, basta produzir o roteiro com base nas descobertas realizadas nas pesquisas. Se o projeto for sobre um lugar, por exemplo, pode-se tomar notas de quais momentos e espaços são mais frequentados, quais as principais atrações e o que caracteriza a cultura local e ir preparado para fazer fotos desses momentos, em vez de fotografar inadvertidamente.
Tome como exemplo o ensaio Ramos, do renomado fotógrafo Júlio Bittencourt, que retrata um dia normal no Piscinão de Ramos. Nele, a espontaneidade das fotografias não é sacrificada para mostrar aspectos relevantes da cultura local, que, apesar de serem fáceis, de perceber podem ser difíceis de serem captados por um fotógrafo que não tenha um conhecimento prévio do local. Assim, vemos fotografias de mulheres descolorindo os pelos do corpo, pessoas fazendo exercícios em barras e uma comidas que são populares na área.
Julio Bittencourt – Ramos – Ramos 51
Descrição: Fotografia colorida de um carrinho de pipoca.
O momento de produzir o roteiro é quando se tem a oportunidade de pensar na relevância dos detalhes e se é possível entender o uso das fotografias dentro do tema, ou seja, se elas se parecerão com partes de um todo. Às vezes é possível voltar atrás durante o processo, mas o ideal é que todas as adversidades sejam consideradas para que isso não ocorra. Por isso, quando fizer seu roteiro mantenha em mente que, sendo simples ou extremamente regrado, ele pode ser um imprescindível facilitador para a execução do seu projeto.
Para descobrir a sua própria maneira de fazer roteiro tente o seguinte exercício: reimagine um roteiro fotográfico para Ramos, utilizando uma abordagem diferente para o ensaio. Depois leia o seu próprio roteiro com uma visão crítica e pense em quais problemas poderiam surgir durante a sua execução. Refaça o roteiro e compartilhe com a gente aqui nos comentários ou no nosso instagram.
Outras postagens da série sobre ensaios e projetos fotográficos:

Referências:

  • FOX, Anna, CARUANA, Natasha. Por trás da imagem. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
  • FREEMAN, Michael. A Narrativa Fotográfica: a arte de criar ensaios e reportagens visuais. Porto Alegre: Bookman, 2014.
  • SIMMONS, Mike. Como Criar uma Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2015.
  • SHORT, Maria. Contexto e Narrativa em Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.

Planejamento e Pesquisa

 Ter uma ideia interessante e descobrir como desenvolvê-la são, às vezes, etapas mais importantes em um projeto fotográfico do que fotografar.

Ter uma ideia interessante e descobrir como desenvolvê-la são, às vezes, etapas mais importantes em um projeto fotográfico do que fotografar.

Pedro David – 360 Metros Quadrados – Libélula, 2012
Descrição: Fotografia em preto e branco de uma libélula em cima de um caderno.
Todo projeto começa com uma ideia. Essa noção pode parecer óbvia, mas o ato de idealizar antes de pôr em prática é tão naturalizado que perde a sua real importância diante da execução do projeto, arrastando para o esquecimento outras etapas que também concernem o momento de idealizar, como, por exemplo, pesquisar. Em um mundo saturado de fotografias, destinar um tempo para conceber a ideia do projeto fotográfico é essencial para evitar a repetição de um assunto ou de visões sobre um assunto que já foram abordadas à exaustão.
O autor de “A Narrativa Fotográfica”, Michael Freeman, sugere “encontrar um assunto que ninguém tenha usado (ou se lembre de ter usado); ou fazer uma foto que  mostre um assunto já utilizado mas de uma maneira que ninguém tenha feito antes” (p.55). É preciso ter em mente, porém, que nenhum assunto é completamente novo, o que não significa que para o público a que se destina seu projeto o assunto que deseja abordar não seja uma novidade. Estabelecer o objetivo do projeto, em termos de onde se deseja chegar com ele, portanto, pode ser um ponto de partida para decidir qual será o seu tema e como ele será abordado. Assim como um assunto inusual pode chamar a atenção, gerar identificação através do tema também é uma opção. Nesse caso, o fator de novidade vai depender apenas da interpretação do fotógrafo.
Pedro David – 360 Metros Quadrados – Torre, 2012
Descrição: Fotografia em preto e branco de blocos de brinquedo empilhados em cima da mesa formando um pirâmide. A parede no fundo da imagem está rabiscada.
O ensaio que ilustra este artigo é um exemplo de como uma abordagem inédita pode ser usada para tratar de um assunto simples e muito cotidiano. “360 Metros Quadrados”, do artista visual mineiro Pedro David, propõe mostrar os mundos possíveis dentro de um ambiente territorialmente limitado, como essa casa de 360 metros quadrados em um periferia brasileira. O autor atinge o seu objetivo enfatizando detalhes tão casuais que é surpreendente que se transformem em uma obra de arte com grande destaque estético. Dessa forma, o fotógrafo realizou um projeto que chama a atenção por sua própria acepção dos temas casa e espaço.
Tendo isso em vista, é importante entender que não é possível abordar um assunto em toda a sua dimensão e que um projeto sempre será um recorte. Estando sem ideias, tente, portanto, pensar em um assunto amplo e, em seguida, nos assuntos mais específicos que existem dentro dele. Por fim, verifique quais são mais prováveis de serem realizados com o seu tempo, dinheiro, equipamento e conhecimento técnico. Essas condições, aliás, devem ser levadas em consideração desde o início, afinal seria horrível perceber durante a execução que, dados os recursos disponíveis, não é possível pôr o seu plano em prática.
Tão crucial para um projeto quanto ter um assunto que se encaixe nas suas possibilidades e que seja atraente é conhecer sobre esse assunto. Pesquisar está, portanto, indissociavelmente atrelado a planejar. Alguns assuntos podem parecer universais, ou seja, assuntos que as pessoas supõem que existe uma única maneira de representar e que, por conseguinte, não parece relevante que sejam pesquisados. Entretanto, é nessa etapa que se descobre o que já foi abordado sobre o tema, o que, portanto, possibilita buscar novas interpretações. Além disso, enxergar o tema pelo ponto de vista alheio fará sua visão sobre ele transcender estereótipos culturais, especialmente quando mídias diferentes são consultadas, como livros de ficção, livros acadêmicos, filmes, etc.
Pedro David – 360 Metros Quadrados – Planisfério, 2012
Descrição: Fotografia em preto e branco de favos de mel com formato de continentes equilibrados no chão.
Se possível, planejar quais os equipamentos e técnicas serão utilizados não deve ser apenas uma questão de conveniência, mas um aspecto fundamental da narrativa. Em “360 metros quadrados”, por exemplo, a escolha da Polaroid 55 é mais um limitador do espaço, acentuando a ideia de um microuniverso em cada fotografia. O material, a técnica e a composição devem ser planejados como parte da narrativa, a maneira que a história será contada pode ser irremediavelmente afetada caso esses elementos sejam deixados de lado no planejamento.
Por último, uma etapa imprescindível para o começo de um projeto é o título, que deve ser curto e não precisa ser definitivo. Se necessário, escreva também um subtítulo que explique o que o título não deixou claro. Tome como exemplo o ensaio de Pedro David e como o seu título é literalmente o seu objeto de fotografia, enquanto o subtítulo o contextualiza: “Uma viagem minúscula em proporções geográficas, mas profunda em significados, dentro dos limites de um terreno residencial na periferia de uma grande cidade brasileira”.
O planejamento é muito pessoal e todos os componentes citados aqui como forma de auxiliar no processo podem ser utilizados na ordem que você desejar, o mais importante é manter o foco para não tratar de aspectos demais do assunto, tornando as fotografias desconexas. Porém, ao mesmo tempo, manter uma visão muito fechada da obra pode limitar o projeto. O ideal, portanto, é fazer projeções a partir das suas possibilidades. E por que não começar a treinar agora? Escolha um dos nossos posts do #fotografetododia e pense em um tema para conciliar com a técnica do post, anote como você transformaria a combinação em um ensaio fotográfico, dentro das suas possibilidades, é claro. Se quiser, compartilhe conosco aqui nos comentários.
Outras postagens da série sobre ensaios e projetos fotográficos:

Referências:

  • FOX, Anna, CARUANA, Natasha. Por trás da imagem. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
  • FREEMAN, Michael. A Narrativa Fotográfica: a arte de criar ensaios e reportagens visuais. Porto Alegre: Bookman, 2014.
  • SIMMONS, Mike. Como Criar uma Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2015.
  • SHORT, Maria. Contexto e Narrativa em Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
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Narrativas Fotográficas

Como contar histórias através das fotografias.

 Narrativa, de modo geral e amplo, implica a reunião de signos cujo sentido será afetado por um contexto histórico, social e cultural particular. Signo, por sua vez, dizemos de um elemento que estará representando outro. Uma operação matemática, por exemplo, é a reunião de signos (pois os números estarão representando quantidades), mas não possui significado particular, muito menos é afetada por um contexto histórico, social e cultural e, portanto, não configura uma narrativa. As imagens, porém, estão suscetíveis a essas nuances de interpretação. Basta pensar em como a forma de ler textos da esquerda para a direita e de cima para baixo afeta a nossa forma de interpretar imagens, de forma que aqueles acostumados a outro tipo de leitura de textos, como os japoneses, por exemplo, leriam imagens de outra maneira, expondo o aspecto cultural dessa interpretação espacial.
Christian Cravo – “Mariana” – Sem Nome
Narrativa, de modo geral e amplo, implica a reunião de signos cujo sentido será afetado por um contexto histórico, social e cultural particular. Signo, por sua vez, dizemos de um elemento que estará representando outro. Uma operação matemática, por exemplo, é a reunião de signos (pois os números estarão representando quantidades), mas não possui significado particular, muito menos é afetada por um contexto histórico, social e cultural e, portanto, não configura uma narrativa. As imagens, porém, estão suscetíveis a essas nuances de interpretação. Basta pensar em como a forma de ler textos da esquerda para a direita e de cima para baixo afeta a nossa forma de interpretar imagens, de forma que aqueles acostumados a outro tipo de leitura de textos, como os japoneses, por exemplo, leriam imagens de outra maneira, expondo o aspecto cultural dessa interpretação espacial.
Na fotografia, a ideia de narrativa é geralmente associada a projetos como ensaios fotográficos ou fotorreportagens, o que não quer dizer que não esteja presente em fotografias individuais. Aliás, se considerado o conceito de narrativa do parágrafo anterior, toda fotografia seria uma narrativa, mas é preciso destacar que nem todas as fotografias são criadas para terem um significado histórico, social e cultural particular e é exatamente essa tentativa de manipular a significação, ou seja, de propositalmente contar algo que marca a narrativa fotográfica.
A noção que parece ser a mais reforçada sobre as narrativas fotográficas é a presença de um começo, de um meio e de um fim. A proposta de uma rota temporal é fácil de  imaginar em ensaios e reportagens, em que um começo pode se tratar de fotografias que introduzem o espaço e os personagens, o meio pode ser o aprofundamento do que foi apresentado no começo e o fim pode ser um desfecho para o que se desenvolveu. Michael Freeman, autor de “A Narrativa Fotográfica”, acrescenta também a necessidade de um clímax, que seria um momento em que o desenvolvimento começa a aumentar e aumentar o ritmo até chegar no ponto alto da história, aquela fotografia mais impactante que prende a atenção, talvez contendo um problema a ser resolvido no encerramento.
Christian Cravo – Fotos do ensaio “Nos Jardins do Éden”
O ensaio “Nos Jardins do Éden”, de Christian Cravo, é um ótimo exemplo de um ensaio com um tema que pode ser disposto em ordem cronológica. Christian é um dos mais importantes nomes da fotografia brasileira contemporânea e “Nos Jardins do Éden”, evidencia esse prestígio. O ensaio retrata rituais de vodu no Haiti, um contexto em que o fotógrafo poderia documentar o ambiente, as preparações, o ritual em si (clímax) e o que acontece depois do ritual, apresentando as fotografias na ordem dos acontecimentos reais. Ou seja, é uma situação em que a narrativa já vem pronta. É preciso lembrar, entretanto, que o fotográfo impõe a sua visão à fotografia, portanto, mesmo que a narrativa venha pronta, ela nunca contará exatamente ou apenas o que aconteceu. A narrativa individual de cada fotografia de “Nos Jardins do Éden” conta também sobre a sujeição dos corpos à fé, além de passar uma mensagem de exotismo, sempre repetindo elementos como o fogo, a nudez e as galinhas, e de fascínio, nas luzes que emanam em feixes sobre as pessoas.
Construir uma narrativa em ordem cronológica é o meio mais fácil, mas não é a única maneira que existe de contar histórias por meio da fotografia. As narrativas podem ser cíclicas ou o antes e o depois de um acontecimento podem estar implícitos na fotografia. Um ensaio pode, também, não ter nenhuma relação temporal entre as fotografias, mas manter a coesão por compartilhar o mesmo tema ou um mesmo conceito visual. Já a continuidade entre elas pode ser criada pelo ritmo que a ordem escolhida de apresentação dessas fotografias e o destaque que a edição dá a cada uma delas. Até mesmo a falta de coesão, como colocar uma foto em preto e branco seguida de uma colorida, pode contribuir para estabelecer um ritmo narrativo. Um ensaio com fotografias de um mesmo objeto pode ter um clímax, por exemplo, se a forma que as fotografias foram feitas e dispostas no ensaio sugerirem uma acentuação do tema até uma foto de destaque, por exemplo.
Christian Cravo – Fotos do ensaio “Mariana”
As fotografias acima, também de Christian Cravo, são parte de um ensaio que reflete as consequências do rompimento da barragem de Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana, Minas Gerais, até agora o maior crime ambiental do Brasil. Ao contrário de seus outros ensaios, “Mariana” é colorido apenas para que o próprio monocromatismo do local esteja aparente. Assim, mesmo que as fotos não mostrem o momento do rompimento a cor predominante da lama nos remete ao que aconteceu, as colocando como parte da mesma história, e mesmo que não seja explícita a relação das famílias com o local antes e depois do crime, através de seus pertencentes inevitavelmente deixados para trás o ensaio narra a dor da perda de vidas deixadas em suspenso e de ter uma parte da sua vida inundada por lama.
Sugestão de exercício: procure ensaios fotográficos em revistas ou na internet e após analisar cada fotografia escreva quais são as características narrativas que se destacam nele. Tente responder a questões como: Que história esse ensaio conta? Que recursos o fotógrafo utilizou que me fazem reconhecer as fotografias como uma unidade? Como a composição das fotografias me leva a reconhecer o tema do ensaio? Deixe a suas conclusões aqui nos comentários e se quiser receber mais conteúdos como esse nos siga no instagram @d76_cultfoto.

Referências:

  • FREEMAN, Michael. A Narrativa Fotográfica: a arte de criar ensaios e reportagens visuais. Porto Alegre: Bookman, 2014.
  • SHORT, Maria. Contexto e Narrativa em Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
  • SQUIRRE, Corine. O que é narrativa? Civitas, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 272-284, maio-ago. 2014.
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Vivendo com o Inimigo

Nos anos 80, Donna Ferrato registrou cenas de violência doméstica. Infelizmente, agressões deste tipo continuam sendo constantes em todo o mundo.

Donna Ferrato – Westchester County, New York, 1982

Em 1982, a fotógrafa americana Donna Ferrato viveu durante um tempo com um casal, Garth e Lisa, com o objetivo de registrar a sua vida sexual para a revista Playboy Japão. Um dia, Garth agrediu Lisa no banheiro e Donna, ao escutar o grito, correu com a sua câmera nas mãos. O registro do momento é impactante. Garth se projeta na direção de lisa com a mão se movimentando para culminar no que em poucos segundos seria um tapa. Somos espectadores assistindo a ação do canto do banheiro que, por sua vez, é contornado por espelhos que mostram a cena acontecendo em outros ângulos. Assim, vemos diversas Lisas sendo violentadas naquele instante sem fim. Os espelhos, porém, também são os responsáveis por desfazer o encanto da fotografia, aquele que implica no esquecimento da presença do fotógrafo, quase como se a fotografia se criasse sozinha, pois, é possível ver a imagem de Donna, disparando sua câmera, no reflexo do espelho. Para não provocar gatilho nos leitores, a fotografia não será vista no post, mas você pode acessá-la neste link.
Registrar em fotos é um pacto de não envolvimento do fotógrafo e, neste caso, uma negação de auxílio. A atitude de Donna é moralmente dúbia ao abrir mão de ajudar a vítima em prol de documentar a violência (ou, como definiu, de abrir o livro da hipocrisia da sociedade) para que pudessem acreditar nela, mas, em uma sociedade que acredita mais em imagens do que em fatos, suas fotografias podem ter ajudado a confirmar a existência da violência doméstica como um problema social sistemático e não uma exceção a regra, principalmente porque, depois dessa fotografia, Donna Ferrato passou 30 anos visitando conferências, tribunais, emergências hospitalares, grupos de terapia e aulas de defesa pessoal para mulheres, coletando histórias e fotos sobre violência doméstica, algumas delas foram publicadas em 1991 no livro “Living with the Enemy” ou Vivendo com o Inimigo.
Sobre o livro, Donna disse que: “a maior parte de “Vivendo com o Inimigo” nasceu da frustração — primeiro porque eu me sentia impotente para enfrentar a violência que eu via, e, segundo porque por muito tempo nenhuma revista publicaria as fotos”. Para a revista Time, relatou também: “Agora (a partir do livro), eu também tinha um sonho: algum dia o mundo ia acordar para a desvantagem que as mulheres têm nas suas relações íntimas com os homens. Eu iria fazer todos olharem em seus olhos”.
Donna encontrou a sua forma de tentar expor o assunto transformando-o em provas inegáveis e desenvolvendo instrumentos de empatia, mas deve ser sempre lembrado que a melhor maneira de ajudar uma mulher vítima de violência doméstica é fazer a denúncia e ajudá-la a ter acesso aos mecanismo que a justiça prevê para protegê-la.

Confira algumas das fotografias de “Vivendo com o Inimigo”:

Aviso: foram escolhidas fotografias que não retratassem graficamente a violência, para evitar gatilhos emocionais nos leitores, mesmo assim as imagens podem ser fortes para algumas pessoas.
Donna Ferrato – Minneapolis, Minnesota, 1988

O relatório da polícia saiu assim: 7:30 a.m. O pelotão 510 recebeu uma ligação de uma agressão acontecendo… “Eu te odeio” Nunca volte à minha casa”, gritou o garoto de oito anos para seu pai enquanto a polícia prendia o homem por atacar a sua mãe.

Donna Ferrato – Boulder, Colorado, 1985
O marido de Janice a espancava impiedosamente …
Donna Ferrato – Mulher com seu bebê, olhos fechados – 1988
Kim temia que a tensão que ela sentia após deixar seu marido violento e recomeçar sozinha fosse perigoso para o seu bebê. “Eu poderia agarrá-lo agora mesmo se ele fizesse algo ruim e atirá-lo contra a parede”, ela disse no Mulheres contra o Abuso, um abrigo na Filadélfia. “Em momentos como esse, eu acho que meu pai costumava fazer isso comigo, agora eu talvez faça isso com essa criança”.  O funcionários do abrigo ajudam as mulheres a lidarem com tais sentimentos.
Donna Ferrato – Mulher com a sombra do policial – Filadélfia, Pensilvânia, 1986.
Uma esposa espancada reclamou para o policial que  suas ligações por ajuda raramente eram atendidas. Apesar de uma ordem judicial para se manter longe, seu marido invadiu a sua casa pela janela.
Donna Ferrato – Mulheres e crianças com mural – Minnesota, 1988.
Não existe uma residente de abrigo típica, assim como não existe uma mulher espancada típica. No Defensores das Mulheres, em Saint Paul, o primeiro abrigo do país, mulheres podem se abrigar por seis semanas e ter acesso a assistência legal, financeira, médica e trabalhista. O mural da casa foi pintado por uma residente há dez anos.
Donna Ferrato – Policial com um panfleto – 1988
Ativistas pressionam a polícia a passar por um treinamento de violência doméstica e distribuir panfletos sobre o abuso de parceiros, listando as fontes locais de ajuda.
Denuncie!
Quarenta anos depois da foto em que Garth agride Lisa, a violência doméstica continua sendo um grave problema social em todo o mundo e os dados mostram que o confinamento social por causa da pandemia de Covid-19, que fez com as mulheres tivessem que passar mais tempo sozinhas com seus agressores, fizeram os números da violência aumentarem. No Brasil, houve um aumento de denúncias de violência doméstica de 34% por mês, além de um aumento de 5% do feminicídios, ocorrendo só no estado do Pará um aumento de 100%, segundo o monitoramento feito pelo Amazônia Real, Agência Eco Nordeste, #Colabora, Portal Catarinas e Ponte Jornalismo.
Neste contexto, é importante lembrar que no Brasil vigora a Lei Maria da Penha, voltada para a proteção e justiça de mulheres que sofrem violência doméstica. A lei, que só entrou em vigor em 2006, é considerada bem abrangente em termos legislativos, ainda que haja problemas em sua execução.
Se você ou alguma conhecida está passando por essa situação, saiba que a Lei Maria da Penha torna obrigatória a instauração de um inquérito quando uma denúncia de violência doméstica é recebida, que a polícia também deve oferecer encaminhamento médico à mulher, se necessário, e requerer ao judiciário medidas protetivas e de prisão preventiva. Além disso, a vítima só poderá fazer uma retratação (ou seja, retirar a queixa) em uma audiência marcada com esse propósito e, mesmo assim, os magistrados avaliarão se ela corre algum risco, antes de decidir pelo arquivamento do processo. Isso acontece porque a violência doméstica é entendida como um ciclo que engloba a etapa de tensão, que é a fase dos insultos e ameaças; a fase de explosão, quando a violência acontece; o distanciamento, etapa em que a mulher pode procurar ajuda; e a reconciliação, quando o agressor pede desculpas, age carinhosamente e, às vezes, convence a vítima de que a violência não se repetirá, levando-a a tentar retirar a queixa. Mas depois de um tempo de tranquilidade o ciclo sempre recomeça e, segundo uma pesquisa feita com mulheres de Belo Horizonte, o tempo entre as agressões diminui a cada ciclo.
Saber como funciona o ciclo é muito importante para reconhecer quando se está presa a ele, mas, se a agressão física não se concretizar, qualquer outra forma de violência pode ser denunciada, pois, segundo a Lei Maria da Penha, é considerada violência doméstica contra a mulher, qualquer violência física, psicológica, verbal, sexual, moral ou patrimonial contra qualquer mulher, independente de sua orientação sexual, raça, credo ou classe social, cometida por alguém de seu círculo familiar e afetivo.
Por isso, em qualquer fase do ciclo ou sofrendo qualquer uma das violências citadas acima, denuncie ligando para o número 180 ou se dirigindo à Delegacia da Mulher do seu estado. Se não existe a possibilidade de telefonar ou visitar uma delegacia, a partir deste ano as farmácias começaram a receber denúncias, basta desenhar um “x” vermelho na sua mão e mostrar ao farmacêutico e a polícia será imediatamente acionada.
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Padrões

 Existem padrões por todo lado e ao fotografar não se deve ignorá-los. Mas, o que são padrões?

 Existem padrões por todo lado e ao fotografar não se deve ignorá-los. Mas, o que são padrões?

German Lorca – New York
Descrição: Fotografia em preto e branco. Varandas e colunas de uma construção se repetem formando um padrão. Na varanda de baixo e do meio há um relógio.

Padrão nada mais é do que toda repetição de um elemento. Pode ser a repetição natural da textura de um objeto, como os espinhos do abacaxi; uma repetição de cor ou de sequência de cores, como as listras na casca de uma melancia; ou uma repetição de formas, como as janelas de um prédio, etc. Pode ser também uma repetição proposital de um objeto comum, fazendo, às vezes, com que ele perca o significado isolado para se transformar em um resultado estético.

German Lorca – Paralelepípedo, 1970
Descrição: Fotografia em preto e branco. Mostra paralelepípedos amontoados.
Outra possibilidade encerrada na composição com padrões é a criação de um cenário composto por repetição de um único elemento que dará a impressão de uma estampa ou gravura.
German Lorca – 062 Coqueiros
Descrição: Fotografia colorida. Mostra uma floresta de coqueiros.
Na fotografia, a presença de um padrão costuma atrair a atenção, podendo ser usado em torno de algo que se deseja enfatizar. Por outro lado, algumas composições optam por enquadrar apenas o padrão e, como nas fotografias em que os padrões são propositalmente arranjados, torna o significado mais abstrato, já que o leitor olhará a combinação como um todo e não os elementos individualmente. Essa construção de homogeneidade favorecida pela repetição de elementos, leva a uma cenário em que para enfatizar um objeto dentro da composição, basta que esse objeto destoe dos demais em cor, forma, tamanho ou simplesmente por ser um objeto diferente dos outros. Na fotografia abaixo, por exemplo, a mulher poderia ter sido fotografada sozinha na areia vazia, mas a presença dos quiosques formando um padrão ao seu redor deixa a fotografia mais chamativa e a destaca.
German Lorca – 040 Praia Canoa Quebrada
Descrição: Fotografia colorida. Em uma praia vista de cima, diversos quiosques de teto de palha estão espalhados pela arei. Há uma mulher sentada entre eles.
As fotografias deste post são de German Lorca, fotógrafo paulista nascido em 1922. German começou a frequentar o Foto Cine Clube Bandeirante em 1948 e isso o influenciou a começar a fotografar profissionalmente em 1949. Encerrou a carreira em 2003, mas não deixou de fotografar por prazer. Algumas de suas fotos trabalham com múltiplas exposições e, por vezes, essa técnica é a responsável por produzir o padrão da fotografia. A fotografia abaixo, por exemplo, cria o padrão repetindo três vezes a cena.
Vamos treinar? Escolha um objeto e faça fotografias com padrões utilizando-os, desde fotografar os padrões presentes nele a transformá-lo em um padrão. Compartilhe sua foto marcando o nosso instagram (@d76_cultfoto).

Referências:

  • HEDGECOE, John. O novo manual de fotografia. São Paulo: Senac, 2005.
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Uma Câmera Muito Incomum (Além da Imaginação T02XE10)

 A câmera como um objeto mágico em uma crítica à ganância humana.

Um casal de ladrões rouba uma loja de antiguidades e, entre falsos castiçais do Luís XIV e falsos vasos da dinastia Ming, um único artefato se mostra de valor: uma câmera Polaroid antiga cujas fotos mostram o futuro imediato, mais especificamente cinco minutos a frente. O enredo pertence ao episódio 10 da segunda temporada de “Twilight Zone”, série antológica que foi ao ar entre 1959 e 1964, veiculada aqui no Brasil com o título “Além da Imaginação”. A série foi uma das primeiras a utilizar a ficção científica, a fantasia e o terror como metáfora para questões sociais e crítica moral, por meio de episódios que sempre tinham uma reviravolta. Ou seja, essa série é muito “Black Mirror”, ou melhor, “Black Mirror” é muito “Twilight Zone”.

The Twilight Zone T02E10 – A Most Unusual Camera

Entre os objetos de crítica da série, a evolução da tecnologia parece ser a maior fonte de desconfiança quanto a ser uma ameaça à democracia e às relações sociais, atributo comum em narrativas a partir da metade do século XX, especialmente no contexto de corrida espacial. O episódio não é exatamente reflexo dessa desconfiança tecnológica, mas, ao utilizar a tecnologia como uma ferramenta da ganância humana, a câmera, como tantos outros aparatos tecnológicos exibidos na série, é concebida, não como um elemento cotidiano, mas como algo exótico e cujo funcionamento é praticamente autônomo. Nesse quesito, percebe-se que não é à toa que o episódio se chama “A Most Unusual Camera” (Uma Câmera muito Incomum), já que a câmera em questão subverte toda a lógica conhecida sobre o processo fotográfico de registrar em uma superfície fotossensível a imagem resultante da luz sobre os corpos.

The Twilight Zone T02E10 – A Most Unusual Camera

Bom, depois de descobrir o potencial da câmera, o casal de ladrões junto com o irmão da mulher, fugido da prisão, dão a ela uma função que condiz com a condição criminosa dos personagens: eles passam a tirar fotos do placar em corridas de cavalo, antes da corrida, apostando sempre no cavalo ganhador. Após descobrirem que a câmera possui uma inscrição em francês que diz “Dix a la Propriétaire”, que significa “dez ao proprietário”, indicando que a câmera só tira dez fotografias, é desencadeada uma briga pela posse do aparato (e do dinheiro conseguido com o seu uso) que leva o episódio a terminar com todos os personagens mortos. Acredito que hoje em dia, as narrativas que utilizam a câmera como o motor de tragédias já estejam saturadas. Além de fotografias que mostram o futuro, posso citar também as que mostram fantasmas, as que mostram a morte do fotografado, as que condenam o fotografado à uma série de infortúnios ou mesmo à morte. Porém, a melhor parte de assistir a esse episódio é conseguir reconhecer quantas dessas histórias se inspiraram na série. A série, aliás, é origem de várias referências comuns da cultura pop.

Além disso, a despeito da saturação da utilização da fantasia em torno da câmera, acho que essa maneira de representar a fotografia é, na verdade, muito realista. Os aborígenes estadunidenses, por exemplo, acreditavam que a fotografia podia roubar as suas almas. Em outro momento da história da fotografia, houve tentativas de se obter uma fotografia da alma, influenciadas tanto por razões científicas quanto religiosas. Alguns manuais até ensinavam a fotografar a alma, alguns fotógrafos clamavam ter realizado o feito, mas, de maneira geral, essas fotografias se tratavam de efeitos de dupla exposição, superexposição ou do movimento em uma fotografia com uma velocidade muito longa.

The Twilight Zone T02E10 – A Most Unusual Camera
O episódio, como tantos outros da série, é bobo, com atuações exageradas e personagens com objetivos que não são sustentados pelo enredo, mas, discussões sobre a significação social da fotografia podem ser feitos a partir dele. Em determinado momento, os personagens estão decidindo o que deveriam fazer com a câmera e um deles tem a ideia de doar para ser utilizada por cientistas. Nas palavras dele: “Agora achamos algo que poderia fazer algo bom para alguém. A ciência poderia usá-la.” Em seguida, contudo, o personagem nota uma corrida de cavalos sendo transmitida na televisão e decide utilizar a máquina para ganhar dinheiro. A cena me remeteu a dualidade dos usos da fotografia, que além de arte e rito social, é também utilizada em pesquisas científicas, como documento, como um facilitador da burocracia, etc.
Por esses motivos eu recomendo o episódio e a série, não obstante vários episódios com enredos superficiais, os diálogos fracos e as situações ridículas causadas pela falta de meios de realizarem os efeitos que as cenas requeriam. Considere o ato de assistir à série como um contrato em que todos os termos, históricos e relativos ao caráter ficcional, precisam ser aceitos para que seja aceitável. Se você já assistiu, deixe as suas opiniões aqui nos comentários.
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