A câmera como um objeto mágico em uma crítica à ganância humana.
Um casal de ladrões rouba uma loja de antiguidades e, entre falsos castiçais do Luís XIV e falsos vasos da dinastia Ming, um único artefato se mostra de valor: uma câmera Polaroid antiga cujas fotos mostram o futuro imediato, mais especificamente cinco minutos a frente. O enredo pertence ao episódio 10 da segunda temporada de “Twilight Zone”, série antológica que foi ao ar entre 1959 e 1964, veiculada aqui no Brasil com o título “Além da Imaginação”. A série foi uma das primeiras a utilizar a ficção científica, a fantasia e o terror como metáfora para questões sociais e crítica moral, por meio de episódios que sempre tinham uma reviravolta. Ou seja, essa série é muito “Black Mirror”, ou melhor, “Black Mirror” é muito “Twilight Zone”.
The Twilight Zone T02E10 – A Most Unusual Camera |
Entre os objetos de crítica da série, a evolução da tecnologia parece ser a maior fonte de desconfiança quanto a ser uma ameaça à democracia e às relações sociais, atributo comum em narrativas a partir da metade do século XX, especialmente no contexto de corrida espacial. O episódio não é exatamente reflexo dessa desconfiança tecnológica, mas, ao utilizar a tecnologia como uma ferramenta da ganância humana, a câmera, como tantos outros aparatos tecnológicos exibidos na série, é concebida, não como um elemento cotidiano, mas como algo exótico e cujo funcionamento é praticamente autônomo. Nesse quesito, percebe-se que não é à toa que o episódio se chama “A Most Unusual Camera” (Uma Câmera muito Incomum), já que a câmera em questão subverte toda a lógica conhecida sobre o processo fotográfico de registrar em uma superfície fotossensível a imagem resultante da luz sobre os corpos.
The Twilight Zone T02E10 – A Most Unusual Camera |
Bom, depois de descobrir o potencial da câmera, o casal de ladrões junto com o irmão da mulher, fugido da prisão, dão a ela uma função que condiz com a condição criminosa dos personagens: eles passam a tirar fotos do placar em corridas de cavalo, antes da corrida, apostando sempre no cavalo ganhador. Após descobrirem que a câmera possui uma inscrição em francês que diz “Dix a la Propriétaire”, que significa “dez ao proprietário”, indicando que a câmera só tira dez fotografias, é desencadeada uma briga pela posse do aparato (e do dinheiro conseguido com o seu uso) que leva o episódio a terminar com todos os personagens mortos. Acredito que hoje em dia, as narrativas que utilizam a câmera como o motor de tragédias já estejam saturadas. Além de fotografias que mostram o futuro, posso citar também as que mostram fantasmas, as que mostram a morte do fotografado, as que condenam o fotografado à uma série de infortúnios ou mesmo à morte. Porém, a melhor parte de assistir a esse episódio é conseguir reconhecer quantas dessas histórias se inspiraram na série. A série, aliás, é origem de várias referências comuns da cultura pop.
Além disso, a despeito da saturação da utilização da fantasia em torno da câmera, acho que essa maneira de representar a fotografia é, na verdade, muito realista. Os aborígenes estadunidenses, por exemplo, acreditavam que a fotografia podia roubar as suas almas. Em outro momento da história da fotografia, houve tentativas de se obter uma fotografia da alma, influenciadas tanto por razões científicas quanto religiosas. Alguns manuais até ensinavam a fotografar a alma, alguns fotógrafos clamavam ter realizado o feito, mas, de maneira geral, essas fotografias se tratavam de efeitos de dupla exposição, superexposição ou do movimento em uma fotografia com uma velocidade muito longa.
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