Jogando com a perspectiva: a profanação do controle do acesso aos cenários de conflito durante a Guerra do Iraque

Artigo em periódico de Flávio Pinto Valle publicado em Galáxia, revista do Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica – PUC-SP.

Benjamin Lowy 


A cobertura fotojornalística da Guerra do Iraque (2003-11) foi marcada pela incorporação de profissionais da imprensa a unidades militares. Se, por um lado, esta prática oferecia aos repórteres condições para desempenharem suas atividades, por outro, restringia sua liberdade de ação. Neste ensaio, propomos observar a constituição deste dispositivo de controle do acesso dos fotojornalistas aos cenários de conflito. Nos dedicaremos, em particular, à reflexão sobre a maneira como o fotógrafo Benjamin Lowy, por meio do jogo com sua perspectiva e a dos soldados, o profana.

Autor(a/es/as)

Flávio Pinto Valle, (http://lattes.cnpq.br/9224069355818051, @flaviopintovalle).


Local de publicação

Galáxia, revista do Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica – PUC-SP (-.)

Acesse a publicação completa em https://tinyurl.com/2p86dw23


Esta publicação foi elaborada com base nas informações prestadas por Flávio Pinto Valle, através do formulário Divulgue suas publicações!

Esperança em meio a destruição

A busca por sobreviventes mostra que, mesmo contra a menor possibilidade, ainda há esperança

A busca por sobreviventes mostra que, mesmo contra a menor possibilidade, ainda há esperança.

A imagem abaixo foi registrada pelo fotógrafo Carl de Souza, durante as buscas por sobreviventes em Petrópolis (RJ), cidade onde, no dia 15 de fevereiro deste ano, ocorreu um enorme deslizamento de terra em função de um temporal. O desastre aconteceu tão rapidamente que muitas pessoas não conseguiram se refugiar e acabaram sendo soterradas pelos escombros.

Dois homens se encontram em meio a escombros procurando por sobreviventes. Estes homens estão com enxadas na mão abrindo buracos em meio a lama e entulhos em busca de pessoas. Entre os escombros é possível notar algumas bonecas  sujas de terra.
Carl de Souza | AFP

Num primeiro momento, ao olhar a imagem, vemos dois homens com enxadas cavando a lama em busca de algo. No meio dos escombros, observamos brinquedos, roupas e outros objetos cobertos de terra e espalhadas pelo ambiente.

Ao fundo da imagem só se vê a lama, o que me causa uma certa agonia, pois não se enxerga nada além do marrom da terra por todos os lados. Os homens, no centro da imagem, parecem cansados, os músculos de seus corpos estão tensionados de tanto fazer força procurando entre os entulhos. Ainda assim, continuam procurando, usando a última energia que ainda lhes resta para procurar por possíveis sobreviventes.

Os objetos que estão espalhados no ambiente dão a entender que poderia haver alguma criança por ali, o que chega a ser aflitivo, pensar que alguém tão pequeno encarou uma situação tão desesperadora. Imagine uma criança que talvez estivesse brincando tranquilamente naquele momento, sem ao menos perceber, já estaria coberta de lama. Isso não deveria ser algo vivido por uma criança, um evento tão traumático que pode levar anos para ser ressignificado.

Na imensidão de escombros, naquela situação devastadora, o que mais importava era o tempo, as pessoas mal podiam pensar no que havia acabado de acontecer, e já estavam se mobilizando o mais rapidamente possível para poder resgatar alguém ainda com vida.

Ao olhar para o fundo da imagem, aquele mar de lama atrás dos dois homens, não dá para imaginar quantas pessoas poderiam estar ali, só fica a incerteza e a indecisão se aquele é o local correto para se procurar alguém. No entanto, procurar é só o que se pode fazer, a única coisa que resta é a esperança que os move fazendo-os continuar a busca.

Observando esta imagem, eu sinto uma certa frustração pelo ocorrido, o que é agravado ainda mais ao imaginar que possam haver pessoas soterradas embaixo do lamaçal. A determinação dos dois homens, também me comove muito, porque sozinhos eles realizam um trabalho que, sem dúvidas, é desafiador, mas que precisa ser feito por alguém. Todos os elementos da imagem, unidos, representam o desespero da situação, mostram o quão grave é. Em meio ao mar de lama, procurar por pessoas, por um familiar, por um amigo, por um conhecido que ainda possa estar vivo, respirando, embaixo de tanto entulho. E, nos escombros, o que resta é a esperança de poder salvar alguém, de achar um rosto conhecido e saber que tudo ficará bem.

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.
 

Como citar esta postagem

PAES, Nathalia. Esperança em meio a destruição. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<{https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/06/esperancaedestruicao.html>. Publicado em: 4 de mai. de 2022. Acessado em: [informar data].

Claudia Andujar

Importante fotógrafa responsável por ajudar a criar a Comissão pela criação do parque Yanomami (CCPY).

Importante fotógrafa responsável por ajudar a criar a Comissão pela criação do parque Yanomami (CCPY).

 

Claudia Andujar, suíça, nascida em 1932 na cidade de Neuchâtel e naturalizada brasileira em 1955, foi uma fotógrafa importante em favor da causa indígena, especialmente da tribo Yanomami. A fotografa e sua mãe fugiram do holocausto devido às suas origens judaicas. A perseguição fez com que ambas iniciassem uma sucessão de mudanças internacionais que posteriormente as trouxeram para o Brasil, onde Andujar iniciou e desenvolveu sua carreira como fotógrafa.

 

Claudia Andujar e uma criança indígena olhando para a câmera. O cenário é a tribo do povo Yanomami.
Claudia Andujar

 

No Brasil, sem falar português, Claudia utilizou a fotografia como forma de globalizar sua comunicação e se aproximar da cultura local e do povo Yanomami. Seu trabalho é reconhecido mundialmente, em especial pela forma como suas fotografias demonstram leveza em situações do cotidiano, demonstrando com delicadeza a vida de povos nativos do País. Andujar ajudou a introduzir a iconografia indígena na arte contemporânea.

 

Mulher indígena tomando fôlego enquanto nada num rio. Seu rosto exibe pintura tribal.
Claudia Andujar
 
Jovem indígena deitado numa rede no que aparenta ser o interior de uma oca. Seu corpo possui pinturas tribais nas pernas, abdome e braços. Seu rosto exibe relaxamento.
Claudia Andujar
Homem indígena nu aparentemente dançando em solo tribal. Há um cachorro deitado no chão à direita do homem. O cenário ao redor está ligeiramente borrado, causando efeito alucinógeno à fotografia.
Claudia Andujar

 

Close de Jovem indígena na penumbra. Seus olhos fitam o chão e o rapaz possui semblante reflexivo. A foto é em preto e branco.
Claudia Andujar

 

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Crises do tempo na apreensão da cidade: Memória e imaginário em páginas do Facebook

Capítulo de livro de Luciana Amormino, Ravena Sena Maia e Flávio Valle publicado em Catástrofes e Crises do Tempo: Historicidades dos processos comunicacionais.

Capítulo de livro de Luciana Amormino, Ravena Sena Maia e Flávio Valle publicado em Catástrofes e Crises do Tempo: Historicidades dos processos comunicacionais.

Selo PPGCOM/UFMG

Neste capítulo, _s pesquisador_s discutem as crises temporais que se abrem em fotografias de cidade a partir de gestos de memória como os das páginas de Facebook, Fotos Antigas de Belo Horizonte e Fotos Antigas de Salvador. Com base na leitura das fotografias publicadas nestas fanpages e dos comentários sobre elas, observa-se a configuração de experiências da cidade que, atravessadas pelos dilemas dos processos de modernização, apresentam novos sentidos que marcam a historicidade da imagem.

Autor(a/es/as)

Luciana Amormino (http://lattes.cnpq.br/7590061302048746), (@luamormino), Ravena Sena Maia (http://lattes.cnpq.br/3054920990953723), (@ravenasmaia) e Flávio Valle (http://lattes.cnpq.br/9224069355818051), (@flaviopintovalle).

Local de publicação

Catástrofes e Crises do Tempo: Historicidades dos processos comunicacionais (@seloppgcom)

Acesse a publicação completa em https://seloppgcom.fafich.ufmg.br/novo/publicacao/catastrofes-e-crises-do-tempo/.

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A Iconografia Fascista

A maneira com que uma única fotografia consegue retratar a iconografia fascistas presente em um governo.

A maneira com que uma única fotografia consegue retratar a iconografia fascistas presente em um governo.

A imagem  abaixo foi feita pelo fotojornalista Pedro Ladeira, no dia 31 de maio de 2020, nesta data o presidente havia participado de manifestações em apoio ao seu governo e aos atos antidemocráticos como a intervenção militar e o fechamento do congresso nacional e do Supremo Tribunal Federal  (STF)

Em primeiro plano, vemos uma fileira de policiais militares uniformizados. Logo atrás deles está o presidente Jair Bolsonaro montado em um cavalo, ele está vestido com uma camisa azul e calças jeans, ao seu lado se encontram mais policiais. Ao fundo é possível notar a presença dos apoiadores do presidente vestidos de verde amarelo e balançando bandeiras do Brasil.
Pedro Ladeira

Quando foi publicada, a foto recebeu grande repercussão nas redes sociais, boa parte delas foram de pessoas contra o governo de Bolsonaro, mas também muitos a utilizam para exaltar a força do presidente e escreveram mensagens de apoio. O que é interessante de se notar  é que a foto possui vários aspectos que podem ser diretamente relacionados às fotografias de propagandas de governos de extrema direita durante a história.

A maioria desses aspectos são utilizados para enaltecer a figura do grande comandante. Na iconografia fascista é muito comum que o líder seja representado como um homem capaz de guiar  exércitos de seu país contra seus “inimigos” e levar seu povo à salvação. Por essa razão, era comum que os líderes de extrema direita sempre aparecem rodeados por seu exército, assim como na foto a baixo. A foto de Ladeira mostra muito bem esse aspecto, já que logo no primeiro plano podemos ver a polícia militar além de vários agentes ao lado do presidente.

No centro da fotografia podemos ver Benito Mussolini, ele caminha ao meio de vários soldados, todos estão uniformizados e alguns seguram fuzis.
Autor Desconhecido

Além do exército, o fato do  líder estar em cima de um cavalo também remonta diretamente a iconografia fascista, que por sua vez se apropria da iconografia medieval, já que nesta, o cavalo era comumente utilizado para representar a nação, logo um bom cavaleiro era relacionado a um bom governante. Nesse caso específico, além do cavalo também é possível ver um cassetete preso à sela, o que também contribui para a afirmação de virilidade do líder, já que armas como espadas, pistolas e fuzis que são objetos amplamente utilizados como ferramentas de repressão, aparecendo fartamente nos retratos de governos fascistas como validação de força. Na imagem abaixo vemos uma pintura de Adolf Hitler que traz os mesmos elementos. 

Na pintura podemos ver Adolf Hitler montado em uma cavalo, vestindo uma armadura de placas de metal. Ele segura a bandeira vermelha do partido nazista em sua mão direta.
Pintura de Hubert Lanzinger

Além do líder viril cercado por seu imponente exército, essa fotografia ainda apresenta mais um fator comum entre o Bolsonarismo e os governos de extrema direita antes deles. Ao fundo, podemos ver a bandeira do Brasil tremulando, logo ao lado da cabeça do presidente, isso remete ao ultranacionalismo, característica primordial de ideologias fascistas e muito presente nos discursos de Jair. Na foto de Plínio Salgado, que está logo abaixo, é um outro exemplo da utilização do nacionalismo na iconografia fascista. 

Na foto podemos ver Plínio Salgado, líder do movimento integralista brasileiro, discursando em um palanque com a bandeira brasileira ao fundo.
Autor Desconhecido

A fotografia capta desde o forte apoio aos militares, a fixação bélica que ecoa em seus discursos em favor do afrouxamento das leis de restrição ao porte de armas, a idealização de uma masculinidade nociva focada em discursos cis heteronormativos, misóginos e homofóbicos e é claro o ultranacionalismo, figurinha repetida em todos os discursos do presidente que retratam uma pátria devastada que precisa ser salva independentemente de como. 

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Links Referências e Créditos

CAVALHEIRO, Pedro Olavo Pedroso. A Iconografia Fascista. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/a-iconografia-fascista/>. Publicado em: . Acessado em: [informar data].

João Zinclar

O operário da fotografia que documentou a luta de classes no Brasil.

 
As produções do fotógrafo João Zinclar incluem imagens que documentam a história da classe trabalhadora brasileira entre os períodos de 1994 e 2013. Através de narrativas visuais, ele representou a luta de classes identificando suas transformações culturais.

 

A fotografia contém um homem com um capuz que cobre seu rosto segurando um cartaz, no qual está escrito: “os trabalhadores e trabalhadoras não vão pagar a conta da crise”. Ao fundo desta fotografia está ocorrendo um protesto onde só se pode ver uma fumaça escura de objetos que foram queimados.
João Zinclar

João Zinclar nasceu em Rio Grande (RS) e começou a trabalhar desde pequeno. Quando mais velho, migrou, em busca de  mais oportunidades de emprego, para os centros urbanos no sudeste do país, onde entrou em contato com as diferentes culturas dos trabalhadores. Mas apenas ao viajar pelo Brasil, com o movimento hippie, que ele percebeu as mudanças que ocorriam no país e decidiu registrá-las.
 
A partir deste momento, João Zinclar voltou a trabalhar como operário e passou a estudar sobre os movimentos sociais e a se integrar ao cenário político brasileiro. Atuou também como repórter fotográfico, principalmente na documentação das diversas lutas dos trabalhadores e dos movimentos de esquerda.
 
Uma multidão se reúne em protesto, as pessoas se encontram sentadas no chão e algumas destas seguram folhas, mas não é possível ler o que está escrito. Em frente a multidão há um cartaz com as seguintes palavras escritas em vermelho :“estamos em guerra”, e em caracteres menores está escrito:“sind. dos trab. no serv. púb. mun. de Campinas - FETAM/CUT”
João Zinclar

 

Em um campo, barracas de lona são queimadas por policiais que verificam o local. Há muita fumaça escura, mas o fogo não é visível.
João Zinclar

 

No canto direito da imagem, há uma pessoa segurando a bandeira do Brasil e a constituição brasileira, e mais ao fundo da imagem, há uma multidão em protesto próximo a uma escultura no Palácio do Planalto. Ao centro da imagem, é possível visualizar a bandeira lgbt+ cobrindo o chão.
João Zinclar

 

Há cinco pessoas na imagem, aparentemente estudantes, colocando uma faixa em uma entrada, nela está escrito: “até agora contando 87h de ocupação". A faixa também contém o símbolo da Universidade de Campinas, e ao lado, na outra parede, há um cartaz com a palavra “Campus”.
João Zinclar

 

 
#galeria é uma coluna de caráter informativo, com periodicidade semanal. É publicada toda segunda-feira pela manhã. Trata-se de uma série de postagens que apresenta um recorte da obra de uma fotógrafa ou fotógrafo de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica, acompanhadas por uma breve biografia sua. Quer conhecer melhor a coluna #galeria? É só seguir este link.
 

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Como citar esta postagem

PAES, Nathália. João Zinclar. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/03/joaozinclar.html>. Publicado em: 325 de abr. de 2022. Acessado em: [informar data].

Vida e morte nos retratos dos ocupantes do edifício 911

Capítulo de livro de Flávio Pinto Valle e Paulo Bernardo Vaz publicado em Sentidos da Morte: Na Vida da Mídia.

Capa do Livro 

Em 2008, Julio Bittencourt publicou o livro Numa Janela do edifício Prestes Maia 911, fotodocumentário que trata do cotidiano da ocupação. O ensaio, composto por retratos dos moradores nas janelas de suas habitações tomados a partir da janela do apartamento localizado no bloco oposto, não se propõe imparcial como dizem ser muitas as reportagens feitas sobre o edifício, tampouco se propõe engajado como as muitas intervenções artísticas realizadas no local. Trata-se de uma tentativa de representar uma situação social complexa, revelando-a em vez de apagá-la. No entanto, apesar do esforço do fotógrafo, que levou meses conhecendo o edifício e seus habitantes, planejando tomadas e fotografando, o aparelho que ele construiu captura as pessoas que vivem no Prestes Maia apenas sob um conceito (FLUSSER, 2002), o de ocupantes.

Cada um desses retratos encerra algo mortífero. A fotografia corresponde a um modo de embalsamamento no qual uma aparência é transformada em um objeto que será preservado e exibido (BARTHES, 1984; DUBOIS, 2008; METZ, 1985; SANTAELLA, NÖTH, 2012; SONTAG, 2004). Por isso, ao tentar revelar as vidas que habitam o Prestes Maia 911, Bittencourt promoveu a morte de cada uma delas. Homens, mulheres, crianças e o próprio prédio não apenas foram transformados fotografias, como também tiveram os seus destinos decididos por elas. Pois, os retratos produzidos por Bittencourt resumem a vida dos habitantes do edifício ao processo em que eles se engajaram: a ocupação do imóvel abandonado. Talvez seja essa a razão pela qual vemos uma ética (AGAMBEN, 2007) emergir nesta série de imagens. Pois, para os integrantes do MSTC, a ocupação não é apenas um lugar para morar, é também um ato político e, sobretudo, um modo de vida. Neste ensaio, pretendemos pensar os retratos dos ocupantes do edifício 911 em sua relação com a morte para tratarmos da ética que emerge nesta relação.

Autor(a/es/as)

Flávio Pinto Valle (http://lattes.cnpq.br/9224069355818051 /  @flaviopintovalle)

Paulo Bernardo Vaz  (http://lattes.cnpq.br/1682428830146432 / @paulobvaz)

Local de publicação

Sentidos da Morte: Na Vida da Mídia (@editoraappris)

Acesse a publicação completa em https://tinyurl.com/xmedwnxt


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Garota americana na Itália

Fotografia, tirada há 71 anos atrás, em agosto de 1951, mas que ainda representa a triste realidade de assédio sexual vivenciada pelas mulheres.

Nomeada originalmente como “American Girl in Italy”, a imagem tirada por Ruth Orkin, no ano de 1951, retrata a importunação sexual que Ninalee Allen sofreu ao caminhar pelas ruas de Florença.

Ruth Orkin

A fotógrafa e a estudante de Ciências Sociais conheceram-se por acaso em uma viagem à Europa e se tornaram amigas. Após perceberem que partilhavam da mesma experiência feminina de viajarem sozinhas, decidiram retratá-la por meio de um ensaio fotográfico.

Na foto, a estudante é retratada caminhando, aparentemente apressada, com uma multidão de homens a encarando de forma desrespeitosa e sexual. Ela está com o semblante angustiado e desconfortável, uma vez que sua expressão facial está séria e transmite preocupação. O modo como segura os objetos e se posiciona corporalmente reforçam essa suposição. Em razão disso, tenho a impressão de que Allen esperava ansiosamente para acabar o trajeto daquela rua, para ficar, de fato, aliviada de olhares constrangedores.

Essa fotografia me causa uma sensação de incômodo e aflição, porque, como mulher, vivencio constantemente situações de assédio sexual na rua ou em qualquer outro ambiente e, por isso, me familiarizei com a situação exposta na imagem. Infelizmente, devido ao machismo e ao patriarcado estabelecido na sociedade, as mulheres são sexualizadas e têm seus corpos vistos como objetos de gerar prazer aos homens. Como resultado, somos limitadas e prejudicadas o tempo todo. Temos medo de realizar ações simples e básicas, como andar nas ruas. Temos medo de olhares maldosos. E, principalmente, temos medo de perder a liberdade de ir e vir. Mas, na realidade, já não a temos por inteiro.

Nesse viés, há uma discussão acerca da influência que a vestimenta das pessoas do sexo feminino exerce sobre a atitude do assediador, uma vez que, mulheres que usam roupas justas e apertadas são depreciadas e erroneamente julgadas como “menos dignas de respeito”. Esse debate é extremamente problemático, pois, além de atribuir a culpa à vítima, inferioriza e fetichiza as mulheres. A fotografia apresentada é um claro exemplo do quanto essa suposição é equivocada, visto que, Ninalee tem seu corpo completamente coberto e, mesmo assim, é desrespeitada. Ou seja, a culpa não é da vítima!

A imagem me faz refletir sobre como os pensamentos e as visões de mundo mudam ao longo do tempo. Na década de 50, a foto foi vista por muitos, inclusive pela própria modelo, como símbolo de feminilidade, desejo e liberdade. Mas, hoje – ano de 2022 – essa representação tem um viés pejorativo, afinal, retrata uma cena de importunação sexual. Isso me faz questionar, como essa foto será interpretada daqui há 70 anos? Haverá uma grande discrepância em relação à visão atual?

O ensaio fotográfico tinha como objetivo incentivar outras mulheres a realizarem a mesma experiência que as amigas, Ruth e Ninalee, estavam vivenciando. Contudo, devido ao resultado obtido, a imagem adotou um viés completamente diferente do proposto inicialmente.

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Jesus estava com sede

Jesus Cristo foi encontrado estirado em uma calçada em São Paulo e estava com sede.

Esta é a legenda da fotografia abaixo, de autoria do fotógrafo Daniel Kfouri, postada pelo padre Julio Lancellotti em suas redes sociais no dia 3 de outubro de 2021. A imagem mostra um homem deitado na calçada, de corpo coberto mas com os pés expostos, encolhido para o lado do muro enquanto o padre abaixa-se e toca seu ombro. 


Em primeiro plano há um carrinho com papelão. Em segundo plano, um homem idoso com traços caucasianos, usando máscara de proteção facial e jaleco, toca um homem que está deitado na calçada, coberto mas com os pés de fora.
Daniel Kfouri

Esta fotografia expressa a contradição entre o claro e o escuro, entre as luzes e as trevas, entre o abandono e o acolhimento. O homem, morador de rua, possui o chão como seu anteparo, dali ele não passa. Excluído da vida social, após infringidos seus direitos, o homem parece alheio à sua própria situação, como em um gesto de conformismo. Daí, surge o padre, com um jaleco branco resplandecente que ilumina o ambiente, estende seu braço até o homem e, ao encostar nele, o retira da indiferença. Naquele homem que ninguém vê nada, o padre vê Jesus e, após um breve diálogo, descobre que ele tem sede.


Em primeiro plano, um idoso vestindo jaleco e máscara de proteção facial segura um copo dágua na boca de um homem negro, que levanta a parte superior do corpo para tomar água.
Daniel Kfouri

Então o padre entrega um copo d’água ao Jesus sedento.

A fome, a sede e a marginalização são um calvário que Jesus carrega hoje. Há outros desertos e outras cruzes, atravessados de solidão. Da mesma forma, ainda existem os soldados romanos, agora eles colocam pregos e pedras embaixo de viadutos e em cima de bancos. Mais de 2000 anos se passaram, mas todo dia nasce e morre um Cristo no mundo, sem que ninguém perceba.

Ao ver as duas fotos, sinto, ao mesmo tempo, tristeza e esperança. Lembro-me dos moradores de rua que enxerguei da janela do ônibus em Belo Horizonte, carregando seus carrinhos, sujos, maltrapilhos, abandonados. E nós sendo meros espectadores daquela desgraça. É difícil alguém enxergar quem está excluído, é mais fácil fingir que não vê, que não é problema nosso, isso é o que muitas pessoas fazem. Então acho bonito e reconfortante que alguém consiga ver Jesus em um morador de rua. Que possamos fazer o mesmo. 

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

Links, Referências e Créditos

  • https://twitter.com/pejulio/status/1444716668991721479/photo/1


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