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Publicação online de Juliana Leitão dedicada a ensinar fotografia.

Juliana Leitão

Este perfil no Instagram traz questionamentos, análises, observações e referências bibliográficas do campo da fotografia. A ideia é aproximar as pessoas dos conteúdos acadêmicos, estimular a leitura sobre o assunto e despertar a curiosidade em trabalhos fotográficos.

Autora

Juliana Leitão, http://lattes.cnpq.br/9820856185553874, @imagem_pensativa

Local de publicação

Acesse a publicação completa em @imagem_pensativa.


Esta publicação foi elaborada com base nas informações prestadas por Juliana Leitao, através do formulário Divulgue suas publicações!. Resposta número 11.

Garota americana na Itália

A história por trás da fotografia de Ruth Orkin e minhas impressões acerca dela

A fotografia, feita em 1951, retrata uma mulher que caminha sozinha por uma rua que está cheia de homens, quinze figuras masculinas no total.  A grande maioria deles a encaram com “olhares de abutre”. O homem, à sua direita, assobia ou fala algo enquanto ela passa. Enquanto o outro, a sua frente, permanece parado enquanto olha para ela, como se quisesse impedir  sua passagem.

Ruth Orkin

A mulher me parece aflita, ansiosa e incomodada com a situação. Seus olhos apontam para o chão, como se  quisesse evitar ou se desviar dos olhares desses homens. Ela segura seu xale com a sua mão direita e com a esquerda, um caderno e uma bolsa. Tenho a impressão de que seus passos são rápidos e apressados e que por isso segura suas coisas com tanta força.

A fotógrafa que capturou a imagem foi a americana Ruth Orkin. Durante uma viagem pela Itália, conheceu a jovem Ninalee Allen, mulher que aparece na fotografia. Ninalee tinha acabado de se formar em Ciências Humanas e havia atravessado sozinha o Atlântico em uma viagem de navio. Além disso, Ninalee se hospedou no mesmo hotel que a fotógrafa quando viajou para a Itália.

Quando Ruth Orkin conheceu Ninalle Allen, a fotógrafa teve a ideia de fazer um ensaio sobre o cotidiano de uma mulher sozinha em viagens. Era para ser algo leve e divertido. Entretanto, dentre as várias fotografias tiradas naquela manhã em Florença, uma delas se transformou em um retrato de assédio sexual.

A fotógrafa conta que pediu para os homens não olharem para a câmera quando tirou a fotografia acima. Com esta instrução em mente, eles passaram a encarar Ninalee Allen, ato que deu um aspecto estranho para a imagem. Mesmo que Allen diga que não se incomodou com os olhares masculinos, penso que a fotografia retrata o triste e cansativo cotidiano de mulheres em um mundo machista. Recebemos olhares e cantadas que não pedimos, que nos objetificam e nos deixam extremamente desconfortáveis.

Na visão de Ninallee pode não ter ocorrido assédio, pois ela conta que não se sentiu incomodada. Entretanto, alguns aspectos e conceitos mudam com o passar dos anos. Há transformações, novas leituras de textos, fotografias, visões de mundo. Portanto, penso que no momento em que eu me encontro agora, esta fotografia é um retrato de assédio sexual. Como você a vê?

Essa fotografia me lembrou da música “Garota de Ipanema”, escrita por Tom Jobim e Vinicius de Moraes, pois  a canção apresenta uma mulher passando pela rua e sendo observada por homens. Será que ela se sentiu incomodada no momento em que passava? Me parece que a letra normaliza esses  tipos de atitudes, em que a percepção de que  encarar uma mulher passando pela rua são tratadas como se fosse algo normal. Muitas mulheres carregam marcas e cicatrizes por causa dessas representações.

 #leitura é uma coluna de caráter reflexivo. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, histórica, política e social. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor as postagens da coluna? É só seguir este link.

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HELENA, Beatriz. Garota americana na Itália. Cultura Fotográfica. Publicado em: 10 de nov. de 2021. Disponível em: https://culturafotografica.com.br/garota-americana-na-italia-2/. Acessado em: [informar data].

Nair Benedicto

Importante fotógrafa para a história do fotojornalismo brasileiro. Sua obra mostra movimentos sociais e populares muito marcantes

 Filha de imigrantes italianos, Nair Benedicto nasceu na capital paulista, no ano de 1940. Estudou e se formou em Rádio e Televisão na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Ela queria produzir vídeos independentes, mas seguiu no ramo da fotografia, que foi uma “entortada no caminho” nas palavras da própria fotógrafa.

Nair Benedicto

Quando Nair ainda estava na faculdade, ela foi presa pela ditadura militar por causa de sua militância política junto à Ação Libertadora Nacional (ALN). Após sair da prisão, a fotógrafa decidiu registrar, através da fotografia, questões sociais e seu trabalho é fortemente marcado por temas populares e políticos.

Em sua obra, Nair registra o cotidiano e a realidade das classes minoritárias, a condição da mulher e da criança, alguns movimentos sociais, populares e eventos históricos que fazem parte da história da classe trabalhadora.

Em 1979, fundou a primeira agência brasileira de Fotojornalismo, intitulada como F4, juntamente com Juca Martins, Delfim Martins e Ricardo Malta. A  ideia principal da agência era uma produção pautada e editada pelo próprio fotógrafo, com isso, as fotografias passariam a pertencer ao mesmo e não mais às redações.

Nair Benedicto
Nair Benedicto
Nair Benedicto
Nair Benedicto

#galeria é uma coluna de caráter informativo, com periodicidade semanal. É publicada toda terça-feira pela manhã. Trata-se de uma série de postagens que apresenta um recorte da obra de uma fotógrafa ou fotógrafo de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica, acompanhadas por uma breve biografia sua. Quer conhecer melhor a coluna #galeria? É só seguir este link.

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HELENA, Beatriz. Nair Benedicto. Cultura Fotográfica. Publicado em: 8 de nov. de 2021. Disponível em: https://culturafotografica.com.br/nair-benedicto/. Acessado em: [informar data].

O garoto judeu de Varsóvia

A foto que se tornou o símbolo da violência praticada contra crianças na Segunda Guerra Mundial.

A foto que se tornou o símbolo da violência praticada contra crianças na Segunda Guerra Mundial.

O fotógrafo responsável pela fotografia é desconhecido, mas sabe-se que ela foi feita no ano de 1943 e retrata uma multidão de pessoas com as mãos para o alto, em destaque há um menino assustado, logo atrás dele há soldados nazistas armados. O local da foto é Varsóvia na Polônia, durante um levante de judeus, como última tentativa de expulsar as tropas alemãs da cidade.

Autor ou Autora Desconhecido(a)

A foto foi publicada no The New York Times em 1945, porém ficou famosa apenas nos anos 70, quando saiu na capa da edição inglesa do livro “A estrela amarela: a perseguição aos judeus na Europa” de Gerhard Schoenberner.  Depois disso, ela apareceu em inúmeros lugares e por causa disso, se tornou um símbolo da violência praticada contra crianças durante a Segunda Guerra Mundial, sendo colocada no ranking das 100 fotos mais influentes da revista Time.

Há muita controvérsia em relação ao futuro do garoto. Muitos dizem que ele foi morto um pouco depois da foto. Já vários historiadores acreditam que, a julgar pela aparência e pelos uniformes dos soldados, eles estavam ali apenas para transportar os prisioneiros, indicando a possibilidade de que ninguém, na fotografia, foi executado naquele momento. Também existem várias pessoas que dizem ter conhecido ou mesmo assumem ser o garoto da foto.

A única pessoa propriamente identificada na foto foi o homem que segura a arma. Seu nome é Josef Blösche, um oficial de alta patente da SS. Ele, que posa para câmera com uma expressão de orgulho e grandeza, foi julgado no tribunal de Nuremberg, onde foi sentenciado à morte por crimes contra a humanidade. Ironicamente, a fotografia, para qual ele posou com altivez, foi utilizada como prova cabal para sua condenação.

Da mesma forma que não é possível ter certeza da identidade do garoto, também não é possível apontar a do fotógrafo(a). Mesmo não sabendo quem realmente foi responsável por tomar a foto, é curioso pensar em como a presença da câmera impactou todos ali.

Nessa situação, a câmera não se diferenciava de um instrumento bélico, já que o fotógrafo dispara o obturador da mesma forma que os soldados disparavam suas armas em direção às pessoas durante a ocupação de Varsóvia. O efeito da câmera,  sobre a moral e esperança do povo oprimido retratado na foto, também não difere demasiadamente dos efeitos provocados pelas submetralhadoras. As fotografias feitas durante a ocupação foram utilizadas nos relatórios estratégicos e também para propagandas anti-semitas, sendo que ambos contribuíram muito para o extermínio do povo judeu.

As câmeras fotográficas são amplamente relacionadas aos instrumentos bélicos, desde a maneira como muitos fotógrafos se relacionam com seus equipamentos até com as pessoas fotografadas. Essas relações facilmente poderiam ser comparadas a um caçador e sua presa, até mesmo através de nomenclaturas como “disparo” ou “metralhada”

Na foto em questão, podemos ver um bom exemplo do fotógrafo como caçador e as pessoas fotografadas como presas. Sua posição demonstra que ele está ao lado dos soldados e não dos judeus. Na esquerda da foto, uma criança ergue as mãos ao alto, olhando diretamente para a lente. Seus olhos transparecem uma mistura de curiosidade e medo, como se ela não soubesse diferenciar se aquilo era apenas um objeto inofensivo ou uma arma de fogo.

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CAVALHEIRO, Pedro Olavo Pedroso. O garoto judeu de Varsóvia. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/o-garoto-judeu-de-varsovia/>. Publicado em: 03 de novembro de 2021. Acessado em: [informar data].

Luisa Dörr

Nascida no município de Lajeado, no ano de 1988, Luisa Dörr desde bem pequena era apaixonada pela fotografia. Começou sua carreira trabalhando no estúdio da tia, cuja especialidade era casamentos e recém nascidos. Em 2014, trabalhou como freelancer para veículos como Folha de São Paulo, Estadão, El País e Vice.

Fotógrafa responsável por fazer 12 fotos de capa para a revista Time, com apenas um smartphone.

Nascida no município de Lajeado, no ano de 1988, Luisa Dörr desde bem pequena era apaixonada pela fotografia. Começou sua carreira trabalhando no estúdio da tia, cuja especialidade era casamentos e recém nascidos. Em 2014, trabalhou como freelancer para veículos como Folha de São Paulo, Estadão, El País e Vice.

Luisa Dörr

Em 2014, conheceu a modelo Maysa Martins Leite enquanto cobria um concurso de beleza infantil. Ela, então, inicia a série Maysa, na qual a fotógrafa acompanha a trajetória da garota de apenas 11 anos de idade, em seu sonho de se tornar Miss Brasil. As fotografias feitas por Dörr possuem um caráter extremamente intimista e retratam uma história de superação e empoderamento da menina que saiu da comunidade da Brasilândia rumo às passarelas.

Em 2015, ela começa o projeto #womantopography, focado em estudar as feições femininas como paisagens complexas e com isso, contar as histórias das mulheres que encontra em suas viagens. Com o sucesso de seus dois trabalhos, em 2017 ela foi convidada pela revista Time, para  fazer 46 retratos de influentes mulheres do cenário político atual. O que ela fez utilizando apenas um smartphone, 12 de suas fotos foram selecionadas para estampar a edição especial da revista que recebeu diversas capas.

Luisa Dörr
Luisa Dörr
Luisa Dörr
Luisa Dörr

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CAVALHEIRO, Pedro Olavo Pedroso. Luisa Dörr. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/luisa-dorr/>. Publicado em: 01 de nov. de 2021. Acessado em: [informar data].

Protagonismo feminino: o olhar de Margaret Bourke-White

 Conheça a representação da mulher feita pela fotojornalista na primeira metade do século XX.

O protagonismo feminino nas fotografias de Margaret Bourke-White, nos inspiram em diversas discussões, tanto na construção de uma estética de valorização do feminino quanto nos eixos temáticos abordados: mulheres; etnia; cultura; etc.

Margaret Bourk-White.

Como o feminino está representado no trabalho da fotojornalista, produzido na primeira metade do século XX? E, de que modo essas representações por meio da fotografia, tornam-se uma categoria de luta pelo reconhecimento? Podemos começar por essas questões para mergulharmos no trabalho de Bourke-White.

A história das reivindicações femininas no final do século XIX e início do século XX é marcada por grandes mudanças políticas, culturais, sociais e econômicas.  Na época, muitos paradigmas estavam sendo questionados e, com isso, fomentava-se a discussão sobre o direito das mulheres e suas participações pioneiras em diversas áreas e atividades da vida social.

Margaret Bourk-White

Observamos nessas duas fotografias diferentes mulheres, em condições de vida distintas. Esses cotidianos políticos e culturais expostos nos permitem pensar sobre a representatividade social. Aliás, as atividades apresentadas estão sendo ocupadas por mulheres, há uma valorização do trabalho feminino.

No mais, também podemos observar que a composição e a iluminação das fotografias são dois elementos essenciais para a construção de uma narrativa estética que exaltam essa valorização do feminino. Os enquadramentos das fotografias são fechados nas mulheres que estão de frente para a câmera. 

Margaret Bourke-White, é resultado da luta feminina por direitos que teve seu marco entre o fim do XIX e a primeira metade do século XX. Além de ser protagonista em diversos segmentos fotográficos, não deixou de lado a questão da representatividade feminina na sociedade. E, suas fotografias exprimem a continuidade dessa luta.

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O século XX pelas lentes de Margaret Bourke-White

Considerada pioneira em empreitadas fotográficas, ela construiu um trabalho documental e fotojornalístico de grande potência. 

 

Norte Americana, nascida em 1904, Margaret Bourke começou sua carreira fotografando arquitetura e indústrias no ano de 1927. Foi a primeira mulher a atuar como correspondente na II Guerra, em 1945, e a documentar a condição dos mineradores na África do Sul, em 1949.

 

Oscar Graubner.          


Durante suas viagens, ela também registrava mulheres, casais e famílias em seus cotidianos. Inclusive, uma série famosa que apresenta parte desse trabalho é “Você viu seus rostos”, realizada no final da década de 30, em uma viagem ao Sul dos Estados Unidos em parceria com o escritor Erskine Caldwell.


Na década de 40, Bourke-White também  registrou  a Partição da Índia e do Paquistão, e fotografou Mahatma K. Gandhi, pouco antes de seu assassinato. No final da sua carreira, em 1952, ela também registrou a guerra da Coreia. Anos antes começou a sofrer de mal de Parkinson, o que freou seu trabalho com o tempo. Ela faleceu em 1971.

 

Confira mais sobre as obras de Bourke em outra postagem da nossa galeria aqui. 

 

 

Margaret Bourk-White.      

Margaret Bourk-White.  

 

 

 

Margaret Bourk-White.

 

 

Links, Referências e Créditos

https://nitidafotografia.wordpress.com/2015/12/08/margaret-bourke-white/

https://draft.blogger.com/blog/post/edit/preview/7123724079387736364/8600937166296227430

 

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Caldas Novas, Goiás: fotografias em tempos de pandemia

Impactos causados pela pandemia nas paisagens de Caldas Novas, Goiás.

Impactos causados pela pandemia nas paisagens de Caldas Novas, Goiás.
A modernização do lazer e turismo e o planejamento territorial levaram a cidade de Caldas Novas, no estado de Goiás, a se tornar um dos principais destinos hidrotermais do mundo. Tal processo foi fortalecido pelo engendramento de uma política de Estado e de preços que atendessem às necessidades de todas as classes sociais, onde a parceria entre agentes públicos e privados é essencial para assegurar a perenidade da referida atividade. Nessa paisagem, as atividades inseridas na cadeia produtiva do turismo, principalmente as que se referem à hotelaria, reproduzem as contradições do mundo de vida capitalista, pois materializam relações espaciais e de poder em lugares diversos.
Av. Cel. Cirilo Lopes de Morais – a ausência do visitante.
Nesse cenário, o turismo e os respectivos negócios impuseram ao principal destino turístico goiano, nas últimas décadas do século XX e primeiras do século XXI, uma pujante transformação da cidade que é turística. Tal situação fomentou um vultoso progresso econômico e, ao mesmo tempo, uma relação complexa entre residentes e turistas, mas sem grandes conflitos perceptíveis. Essa atividade permitiu estabelecer nexos interpessoais e intergrupais, na medida em que se tornou fundante para a vida no lugar.
Diante dessas contradições, vale considerar a realidade e as incertezas provocadas pelo Novo Coronavírus (Covid-19) no urbano calda-novense. Era março de 2020, início do tempo pandêmico, saímos para registrar cenas de um dos principais destinos turísticos do cerrado brasileiro que, por duas semanas, se tornou vazia e irreconhecível.
Rua do Turismo.
Escultura de Carlos Albuquerque na Praça da Fonte, nas proximidades da feira do luar.
Com o fechamento da atividade turística ocorreu o afloramento da água termal no centro da cidade.
Enfatiza-se que, no cenário de 2020, hotéis, clubes, comércios e a dinâmica local se silenciaram diante de um contexto global de pandemia. Por conseguinte, as fotografias mostram que falar de turismo termal é um dos equívocos mais aparentes em uma escala na qual o sujeito turista não se faz presente e as contradições provocadas pela atividade no território se distanciam das relações de consumo por não existirem de fato, e o que debruça na paisagem é o silêncio.
Com um indesejável “visitante” como o vírus, parece que o território problematizado pela lógica dos negócios associados ao turismo não se atrela à concepção de otimismo e desenvolvimento. Portanto, reflete-se sobre um espaço que se movimentava pelo turismo e que jamais seria pensado pela descontinuidade real observada em 2020. Nesse momento, torna-se impossível estabelecer metas ou perspectivas para um palco cujo maior público é atraído pela dinâmica turística, e não pelo silêncio das águas termais. Sendo assim, afirma-se que o vocábulo “turistar” remete ao sentimento traduzido pela saudade.

Sobre o autor

Jean Carlos Vieira Santos é Professor e Pesquisador da Universidade Estadual de Goiás (UEG/TECCER-PPGEO). Pós-doutorado em Turismo pela Universidade do Algarve/Portugal e Doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (IGUFU/MG).
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#ensaiofotografico é uma coluna de ensaios compostos por um conjunto coerente e coeso de imagens fotográficas, acompanhadas ou não de legendas e textos, por meio do qual o autor expressa sua perspectiva acerca de um determinado assunto. Quer conhecer melhor a coluna #ensaiofotografico? É só seguir este link.

A autoimolação de Thich Quang Duc

A fotografia do monge em chamas ainda causa choque 58 anos depois e se tornou símbolo de revolução.

Algumas imagens se tornam permanentes no imaginário do público, seja por sua alta difusão, importância cultural ou por se tornarem um marco que é constantemente relembrado. A obra “A autoimolação do monge” é uma das cenas mais chocantes e icônicas da história da fotografia que não só aterrorizou diversas pessoas, como também ajudou a trazer discussões que antes não recebiam a devida atenção. 
Malcolm Wilde Browne

A serenidade do monge e a fúria do fogo são dois estados conflitantes que se misturam em um emaranhado de significados. Mesmo com a metade de seu corpo  sendo tomada pelas chamas, Thich Quang Duc continua imóvel, sentado em uma posição de meditação. É difícil determinar o que exatamente estava pensando enquanto tudo ocorria, ou como conseguiu suportar a dor de queimar até a morte, mas não somente a fotografia, diversas testemunhas oculares citam não terem visto o monge se mover em momento algum, apenas quando seu corpo caiu morto no chão.
Ao observar mais ao fundo é possível enxergar diversos outros monges que observam, sem intervenções, atentamente tudo o que está ocorrendo.  O galão branco no lado esquerdo inferior da imagem serve como uma explicação de qual é a origem do fogo, além de deixar claro que o ato foi proposital. E assim, com muita naturalidade, um dos maiores medos humanos, morrer queimado, é representado como uma escolha.  
O fotógrafo Malcolm Wilde Browne, responsável pelo registo,  explica que começou a fotografar imediatamente como uma forma de conseguir lidar com aquela cena pavorosa. Ver uma pessoa morrer aos poucos é uma cena difícil de digerir. Browne parece encontrar atrás da câmera um local de refúgio.  Apesar do choque, o registro foi bem calculado, uma vez que a manifestação havia sido divulgada anteriormente pelos monges. o feito garantiu o Prêmio Pulitzer de Serviço Público e de Foto do Ano pela World Press Photo para o fotógrafo. 
Tudo começou no dia 11 de junho de 1963. O Vietnã do Sul passava por uma intensa tensão religiosa em que o regime de Ngo Dinh Diem perseguia monges budistas e havia criado uma política religiosa que excluía o budismo. Durante um protesto contra o governo na cidade de Saigon, o monge Mahayan Thich Quang Duc, que tinha 66 anos na época, resolveu cometer a autoimolação como forma de protesto. A Guerra do Vietnã que já durava 5 anos, fez com que a invasão de culturas ocidentais, principalmente do domínio americano, fizessem com que a influência do catolicismo se fortalecesse ainda mais, facilitando com que Diem tomasse medidas discriminatórias contra os budistas. Porém, mesmo entendendo o contexto por trás da fotografia, ainda é difícil de mensurar o que leva um homem pacífico a atear fogo sobre o próprio corpo. 
A autoimolação é o ato de atear fogo sobre o próprio corpo, normalmente como protesto ou martírio (Dicionário Informal). Parte do choque e do horror despertados em diversas pessoas que entraram em contato com a fotografia, vinham de uma disparidade entre culturas. A autoimolação é na verdade um tipo de protesto comumente usado no hinduísmo e xintoísmo, em uma espécie de ritual que poderia representar protesto, devoção ou renúncia. O sati, por exemplo, era um antigo costume de comunidades hindus em que uma esposa viúva cometia um ritual de se jogar ao fogo junto de seu marido morto, até que foi proibido pelas leis do Estado Indiano. Além disso, apesar do suicídio ser um desvio dos preceitos do budismo, o ato também é utilizado como protesto por muitos monges e praticantes, sendo uma prática controversa entre autoridades budistas que debatem sobre sua relação com as tradições religiosas. 
Mohamed Bouazizi, cuja autoimolação é considerada por muitos como o estopim da Primavera Árabe, é um exemplo de como a prática também é muito forte no Oriente Médio como um todo, além de revelar como o ato pode gerar uma movimentação social inexplicável. A onda de protestos que seguem essa mesma linha acontecem até os dias de hoje, muitos inspirados em Bouazizi. 
Para entender a autoimolação  em casos como esse da imagem, é importante ressignificá-los além da categorização de “suicídio”. Para muitos admiradores de Thich Quang Duc e Bouazizi, morrer em prol da religião e da liberdade de um povo é um ato de revolução. Mais do que desespero, é um ato de justiça, sacrifício e devoção. 
São nesses momentos que percebemos a importância do fotojornalismo. Caso Browne não tivesse registrado o momento, o resto do mundo não viraria os seus olhos para a Guerra do Vietnã e o governo de Duc não anunciaria reformas a fim de tentar negociar com a população. O monge foi e ainda é visto como um símbolo de bravura e resistência, fazendo com que muitos monges da época chegassem a cometer a autoimolação após a divulgação da imagem.
A fotografia foi mais tarde utilizada como capa do álbum de estréia da banda Rage Against The Machine, demonstrando o seu impacto até mesmo na cultura pop. As músicas que carregam comentários políticos parecem levar a imagem do monge como a de um símbolo de revolução, assim como os budistas. Isto mostra que o poder da fotografia de Browne fez com que Thich Quang Duc virasse um signo de luta que qualquer pessoa possa se identificar, mesmo que sua realidade seja bem diferente da de um vietnamita daquela época.  
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