A construção da imagem do Segundo Reinado pela fotografia colonial*

A construção da imagem do Segundo Reinado pela fotografia colonial segue sendo debatida em nosso Grupo de Estudos.

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Os meios de comunicação carregam traços de sua época e de seu lugar. Nesse sentido, André Rouillé (2009), em um estudo onde reconstitui o percurso da fotografia em sua migração do campo do útil para o do belo, comenta que esta nova tecnologia de fazer visível se desenvolveu em estreita ligação com alguns processos em curso na Europa durante o século XIX: a democratização, a monetarização, a industrialização, a urbanização, a expansão das metrópoles e a modificação na percepção de tempo e de espaço.
Por sua vez, James Ryan (2014), em uma revisão de literatura sobre a fotografia colonial, observa que o desenvolvimento da fotografia ocorreu em paralelo à expansão do império europeu na segunda metade do século XIX. Por isso, tão logo os procedimentos para a produção de imagens fotográficas foram publicados, eles foram incorporados ao aparato de compilação de informações que permitia às autoridades coloniais exercer controle – real e simbólico – sobre populações e territórios distantes dos centros de decisão das metrópoles.
Dominique François Arago (1839) em relatório acerca do Daguerreótio, solicita aos colegas deputados que imaginem a contribuição que esta nova tecnologia produção de imagens poderia ter oferecido a França se já fosse conhecida durante a expedição napoleônica ao Egito, entre os anos de 1798 e 1801.
Plano aberto, em primeiro plano se vê a esfinge e ao fundo as pirâmides, no Egito.
Maxime Du Camp
A fotografia acima foi produzida por Maxime du Camp durante a expedição, patrocinada pelo governo francês, que realizou ao Egito, a Núbia e a Síria, entre os anos de 1849 e 1850, a respeito da qual ele comenta que fotografia desenterrou o país das  necrópoles e o expôs numa enciclopedia.
Às imagens fotográficas foi atribuída a função mediadora de fazer presente o que é ausente e de trazer para próximo o que é distante (ROUILLÉ, 2009). Nesse sentido, Juan Naranjo (2006), em uma revisão do papel que a fotografia desempenhou como instrumento para o estudo do outro, acrescenta que, reconhecida como uma imagem que supostamente apagaria a fronteira entre realidade e representação, a ela foi atribuída a capacidade de substituir a experiência direta pela observação virtual.
A fotografia não apenas estava inscrita nas experiências coloniais como também era constituidora delas (RYAN, 2014; VICENTE, 2014). As imagens fotográficas eram produzidas por e para colonizadores e tendiam a atender os interesses e as prioridades de quem as produzia e as consumia. Disso decorre que elas não apenas refletiam as paisagens, os povos e a vida colonial, mas, sobretudo, as construíam. Nesse sentido, Filipa Vicente (2014), em uma pesquisa acerca do uso da fotografia no contexto colonial português, destaca que as imagens fotográficas não apenas reproduziam as hierarquias de gênero, classe e raça latentes na sociedade colonial, como também as reificavam.
A indústria de álbuns de vistas, a de cartões de visita e, posteriormente, a de postais aumentou a atividade fotográfica comercial. Colecionar fotografias tornou-se um fenômeno de massa em escala global. A partir da ação de alguns fotógrafos, lugares distantes e exóticos tornaram-se próximos e familiares mediante a representação de suas paisagens, seus povos e seus costumes segundo esquemas estéticos convencionais (RYAN, 2014; VICENTE, 2014). Nessa perspectiva, Naranjo (2006) acrescenta que o aumento na circulação de imagens impressas promoveu uma homogenização da informação visual e uma estereotipificação do outro.

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A fotografia desembarca no Brasil

Expedições de diferentes tipos, apoiadas por associações comerciais, organismos governamentais e sociedades científicas, promoveram a documentação fotográfica de distintas regiões do planeta. Apenas 5 meses após o anúncio da invenção do daguerreótipo, o abade Louis Compte, que integrava a tripulação do navio-escola L’Oriental-Hydrographe da marinha mercante francesa em sua expedição ao redor do globo, desembarcou no Rio de Janeiro e, no dia 16 de janeiro de 1840, produziu a primeira fotografia tomada em território brasileiro, uma vista do Largo do Paço.
Recorte da edição de 17 de janeiro de 1840 do Jornal do Commercio, onde, sob a etiqueta "Noticias Scientificas", se lê: Photographia: Finalmente passou o daguerrotypo para cá os mares, e a photographia, que até agora só era conhecida no Rio de Janeiro por theoria, he-o actualmente tambem pelos factos que excedem quanto se tem lido pelos jornaes tanto quanto vai do vivo ao pintado. Hoje de manhã teve lugar na hospedaria Pharoux hum ensaio photographico tanto mais interessante, quanto he a primeira vez que a nova maravilha se apresenta aos olhos dos Brazileiros. Foi o abbade Comte quem fez a experiencia: he hum dos viajantes que se acha a bordo da corveta franceza L'Orientale, o qual trouxe  consigo o engenhoso instrumento de Daguerre, por causa da facilidade com que por meio delle se obtem a representação dos objectos de que se deseja conservar a imagem. He preciso ter visto a cousa com os seus proprios olhos para se poder fazer ideia da rapidez e do resultado da operação. Em menos de nove minutos o Chafariz do Largo do Paço, a Praça do Peixe, o Mosteiro de S. Bento, e todos os outros objectos circumstantes se acharão reproduzidos com tal fidelidade, precisão e minuciosidade, que bem se via que a cousa tinha sido feita pela propria mão da natureza, e quasi sem intevenção do artista. Inutil he encarecer a improtancia da descoberta de que já por vezes temos ocupado os leitores; a exposição simples do facto diz mais do que todos os encarecimentos.
Recorte da edição de 17 de janeiro de 1840 do Jornal do Commercio
A chegada da fotografia ao Brasil, em 1840, coincide com o fim do Período Regencial e o início do Segundo Reinado. É importante destacarmos que havia 18 anos que o país deixara de ser uma colônia de Portugal. Nesse sentido, pode parecer inadequado o uso da expressão “fotografia colonial” para caracterizar a fotografia oitoscentista no Brasil. No entanto, optamos por sua utilização porque entendemos que o colonialismo não é apenas um sistema administrativo, mas é sobretudo uma ideologia que orienta discursos e práticas e que permaneceu atuante no país após sua independência política.
Como um entusiasta da nova tecnologia, o imperador D. Pedro II atribuiu legitimidade à fotografia. Ele não apenas realizou tomadas fotográficas, como também se deixou fotografar em diversas ocasiões. Além disso, atuou como um mecenas, financiando e fomentando o ofício no país, e criou, segundo critéros próprios, uma coleção de imagens produzidas com a nova tecnologia de gestão do visível. Em um artigo sobre o agenciamento da fotografia pelo Imperador, Lilia Moritz Schwarcz (2014) destaca que o patrocínio do monarca tinha o objetivo de controlar a imagem de seu Império.
Grupo de trabalhadores negros escravizados, composto por homens e mulheres e adultos e crianças, posam a frente do complexo cafeiro. Sobre o carro de boi, encontram-se alguns homens brancos.
Marc Ferrez / Instituto Moreira Salles
A imagem acima integra a série de 65 fotografias de fazendas de café do Vale do Paraíba produzida por Marc Ferrez entre os anos de 1882 e 1885. Nelas, é possível observar que as escolhas estéticas e técnicas feitas por seu autor valorizam o complexo cafeeiro e apaziguam as marcas da escravização dos trabalhadores.
Naquilo que lhe concerne, Lygia Segala (1997, p. 59), em um debate sobre a construção social do ofício fotográfico no Brasil oitoscentista, destaca que, na época, um dos modos de reconhecimento profissional era a realização, sob os auspícios de notáveis, de expedições “interessadas no registro valorativo, factual e pitoresco da paisagem e do povo, pontos de aplicação de um olhar que se refaz pela crença no testemunho iconográfico”. A historiadora acrescenta que a documentação do trabalho nas fazendas e o anúncio de territórios promissores e vazios inseria esses empreendimentos em um projeto maior, o da nova colonização.

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A conquista do território e do visível

Assumindo, por princípio, que toda técnica de produção de imagens funda um regime de visibilidade que lhe é próprio, Maurício Lissovsky (1997, p. 29), em uma palestra sobre a Coleção Teresa Cristina, de fotografias reunidas por D. Pedro II, comenta que ela testemunha que, sob o olhar do monarca, “o visível aparece como um império”. O historiador destaca que, logo após sua invenção, a fotografia foi utilizada como um “instrumento de conquista e ocupação dos territórios invisíveis” (LISSOVSKY, 1997, p. 36).

Schwarcz (1997, p. 75), por sua vez, ressalta que a coleção elaborada por D. Pedro II “revela uma representação do país ou uma representação do se quer ver nesse país e do que se quer do Segundo Reinado”. No entanto, apesar do esforço do Imperador para projetar a imagem de uma nação semelhante às da Europa, o Império, a partir de uma perspectiva eurocêntrica compartilhada pelo próprio monarca, fez-se notar, sobretudo, por aquilo que tinha de exótico.

Lissovsky (1997) pondera que a cada regime de visibilidade corresponde um de invisibilidade. No invisível da coleção Teresa Cristina estão sobretudo, os negros e os indígenas. É verdade que os encontramos em algumas fotografias. Nelas, Schwarcz (2014) observa que, enquanto os primeiros aparecem como meros figurantes sem identidades, os segundos aparecem estilizados de acordo um esquema estético já convencionado na literatura e na pintura nacional, o indigenismo romântico.

Ao contrário das fotografias do sistema escravocrata, legalmente em vigor no país, que, excluídas do discurso visual oficial, permaneceram dispersas em vistas, cartes de visite, tipologias produzidas para o exterior, estudos pseudocientíficos e documentos administrativos. Nessa perspectiva, a historiadora (SCHWARCZ, 2014, p. 397) destaca que “o escravismo representava o oposto da imagem civilizada e progressista que o país procurava veicular”.


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Olhar estrangeiro sobre o Brasil

Em um artigo sobre a representação do Brasil na fotografia oitocentista, Ana Maria Mauad (2004) observa que esta nova tecnologia de gestão do visível foi empregada na construção da imagem e da auto-imagem da nação. A historiadora pondera que essa representação foi produzida por fotógrafos estrangeiros ou educados no estrangeiro que, ao mesmo tempo em que mostravam as populações e o território brasileiro ao país e ao mundo, educaram o olhar nacional para observar e representar o Brasil e os brasileiros a partir de esquemas estéticos exóticos e colonialistas.

Urge, portanto, desconfiar das aparências convencionadas e dos modos de ver propostos nestas imagens fotográficas. Nesse sentido, compreender os agenciamentos da e na fotografia na construção da imagem do Brasil no período do Segundo Reinado constitui-se como uma tarefa de grande relevância. Para tanto, faz-se necessário a realização de pesquisas que, articulando perspectivas formalistas, voltadas para o estudo de gêneros e estilos artísticos, e historicistas, voltadas para a interpretação de contextos e de fatos históricos, apreenda a historicidade das imagens e das práticas fotográficas.


#artigos é uma coluna de caráter ensaístico e teórico. Trata-se de uma série de textos dissertativos por meio do qual o autor propõe uma reflexão fundamentada acerca de um ou mais elementos que constituem a cultura fotográfica. Quer conhecer melhor a coluna #artigos? É só seguir este link.

Notas

* Este artigo é uma atualização do artigo O império do olhar: o Brasil oitocentista visto pela fotografia colonial e propõe apresentar a síntese de algumas das reflexões desenvolvidas ao longo do III Ciclo de Debates de nosso Grupo de Estudos, composto por quatro encontros realizados no período entre março e junho de 2022. Abaixo, você poderá assistir as gravações dos debates realizados neste ciclo.

 


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Referências bibliográficas

ARAGO, Dominique François. Relatório. In: TRACHTENBERG, Alan. Ensaios sobre fotografia: de Niépce a Krauss. Lisboa (PT) : Orfeu Negro, 2013, p. 35-44.
LISSOVSKY, Maurício. O olho-rei e o imério do vísivel. In: BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). Ciclo de palestras: A coleção do Imperador. Fotografia Brasileira e Estrangeira no século XIX. Anais da Biblioteca Nacional, v. 117, p. 7 – 77, 1997. ISSN: 0100-1922. Disponível em: <https://www.bn.gov.br/producao/publicacoes/anais-biblioteca-nacional-vol117>
MAUAD, Ana Maria. Entre retratos e paisagens: modos de ver e representar no Brasil oitocentista. Studium, n. 15, p. 4 – 43, 2004. ISSN: 1519-4388. Disponível em: <https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/studium/article/view/11764>
NARANJO, Juan. Fotografía, antropología y colonialismo (1845 – 2006). Barcelona (ES): Gustavo Gili, 2006.
ROUILLÉ, André. A Fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Senac, 2009, p. 29 – 134.
RYAN, James. Introdução: Fotografia colonial. In: VICENTE, Filipa Lowndes. O império da visão: a fotografia no contexto colonial português. Lisboa (PT): Edições 70, 2014, p. 31 – 42.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lendo e agenciando imagens: O rei, a natureza e seus belos naturais. Sociologia & Antropologia, v. 4, n. 2, p. 391 – 431, out. 2014. ISSN: 2238-3875. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/sant/a/XSKfP5J5QypfvMqdfssR6Jg/>
_______. As barbas do Imperador entre os Trópicos e a Modernidade. In: BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). Ciclo de palestras: A coleção do Imperador. Fotografia Brasileira e Estrangeira no século XIX. Anais da Biblioteca Nacional, v. 117, p. 7 – 77, 1997. ISSN: 0100-1922. Disponível em: <https://www.bn.gov.br/producao/publicacoes/anais-biblioteca-nacional-vol117>
SEGALA, Lygia. O espaço de produção social da fotografia no Rio de Janeiro nos anos 1850. In: BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). Ciclo de palestras: A coleção do Imperador. Fotografia Brasileira e Estrangeira no século XIX. Anais da Biblioteca Nacional, v. 117, p. 7 – 77, 1997. ISSN: 0100-1922. Disponível em: <https://www.bn.gov.br/producao/publicacoes/anais-biblioteca-nacional-vol117>
VICENTE, Filipa Lowndes. O império da visão: a fotografia no contexto colonial português. Lisboa (PT): Edições 70, 2014.

Como citar esta postagem

VALLE, Flávio Pinto. A construção da imagem do Segundo Reinado pela fotografia colonial. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/a-construcao-da-imagem-do-segundo-reinado-pela-fotografia-colonial/>. Publicado em: 5 de set. de 2022. Acessado em: [informar data].
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Inseguridade feminina urbana e construção de elementos da imagem

Toda rua pode não ter saída para uma mulher.

Toda rua pode não ter saída para uma mulher.

A imagem analisada, de autoria de Ramon Lisboa, é apresentada com a legenda: “A rua é hostil, a cultura é hostil. Ponto. Bairro de rico ou pobre, nada muda”. Foi publicada numa matéria do Estado de Minas de outubro de 2021, cujo título é “Cidade feminista: mulheres relatam violência imposta pelos espaços urbanos”.

Uma mulher sozinha, de blusa de frio e legging, andando próxima a uma curva no meio da faixa direita de uma rua à noite, com dois carros indo na mesma direção que ela. Ela está inserida numa sombra entre a iluminação da rua. Há a presença de uma placa de sinalização, árvores e um muro. A calçada é estreita e há folhas no chão.

Ramon Lisboa / EM / D.A Press 

A fotografia aborda o espaço de violência contra a mulher propiciado pela estruturação de locais urbanos. Nela, elementos de disposição espacial, de composição, ângulo de visão, iluminação e movimento são combinados para demonstrar a tensão, o aperto e o desespero vivido diariamente nessas situações.

A mulher de costas é o elemento principal da imagem, ou seja, para onde a fotografia direciona o seu olhar. Ela está descentralizada, andando no meio de uma das faixas da rua, no lado direito da fotografia, possivelmente porque a calçada é estreita e está localizada numa sombra na iluminação da rua, o que faz surgir um clima de tensão.

A fotografia ter sido feita na curva também contribui para a atmosfera de suspense, uma vez que não se sabe o que se tem adiante. Há dois carros indo na mesma direção que a mulher, o que pode ser associado a algum tipo de abordagem agressiva ou tensa, ainda mais considerando que cena se desenrola à noite, contexto socialmente mais associado com a insegurança de andar sozinha pela cidade.

Os movimentos estão congelados, os detalhes não ficam borrados e desse modo, consegue-se perceber que é uma mulher. Se isso não fosse identificável, a imagem perderia a conotação social que ela tem, já que a figura feminina é fundamental para construção da insegurança, dado que se associa ao alto índice de violência que mulheres sofrem em situações similares.

A objetiva utilizada possivelmente foi uma teleobjetiva, que com o zoom, formou um ângulo de visão menor que o humano. Essa diminuição do ângulo dá uma sensação de aprisionamento, de aperto. A cena retratada é mal iluminada, o que aumenta ainda mais a sensação de perigo.

Os elementos da imagem constroem uma atmosfera de tensão, retratando a inseguridade para mulheres se locomoverem sozinhas a pé à noite. A disposição (rua ser curva e a mulher na faixa e não na calçada); a iluminação, (elemento principal está na sombra e a rua não é bem iluminada); a diminuição do ângulo de visão e o congelamento do movimento são aspectos utilizados para essa finalidade.

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Lívia Gariglio é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Qual o preço da “liberdade de expressão”?

O Capitão Brasil e sua narrativa.

O Capitão Brasil e sua narrativa.

A fotografia de Pedro Ladeira publicada em 29 de setembro de 2021, mesmo dia do depoimento de Luciano Hang na CPI da Covid, mostra como o depoente utilizou desse espaço para fazer um espetáculo midiático. Ele foi chamado devido à suspeita de seu envolvimento com disparos de Fake News e de participação no Gabinete Paralelo, grupo extraoficial que aconselhava Bolsonaro a respeito da pandemia.

A fotografia apresenta Luciano Hang usando terno e máscara verde e gravata amarela. Ele segura em sua frente um cartaz também verde onde se lê em letras amarelas “Liberdade de Expressão”. A foto foi feita durante uma sessão da CPI da COVID-19 em 2021 no Senado Federal.

Pedro Ladeira/Folhapress

“Qual é o preço de mentiras?”. A frase que abre a premiada minissérie da HBO Chernobyl é um bom ponto de partida para se analisar como o Brasil lidou com a Pandemia de COVID-19. Fake News dizendo que era apenas uma “gripezinha” ou que o tratamento precoce era eficaz fez com que as pessoas não respeitassem as medidas sanitárias e assim colocassem suas vidas em risco.

Na foto, Hang segura uma placa onde se lê “LIBERDADE DE EXPRESSÃO”. Durante seu longo depoimento ficou claro que a liberdade que ele busca é a de manter a sua narrativa de que poucas pessoas morreram por COVID-19, e que se elas tivessem feito o tratamento precoce não seriam vítimas da doença.

Além do cartaz presente na fotografia, o depoente levou vários outros. Seu objetivo era causar tumulto, cair na boca do povo, e assim conseguiu. Para alguns virou piada, para outros revolta. Nesse viés, vale lembrar que liberdade de expressão não é incondicional. Aquele que diz arca com as consequências de suas palavras, ainda mais quando essas são danosas para toda a sociedade. Como é o caso da liberdade ao qual Hang se refere.

As cores verde e amarelo estão presentes não só nas placas, como também no terno e na máscara de Hang. Isso é usado por ele como um sinal de patriotismo. Vale destacar que ele se veste com uma roupa de Super-herói e se declara Capitão Brasil. Assim, ao mesmo tempo que a imagem gera raiva, ela é cômica. Como mesmo disse Renan Calheiro na reunião da CPI do dia que a foto foi tirada, bobos da corte chamam a atenção e servem de cortinas de fumaça.

Assim, observa-se que a persona pública de Luciano Hang utiliza polêmicas, mentiras e extravagância como forma de autopromoção e para atingir os seus objetivos. Ele provoca e distorce, tudo isso para manter uma narrativa e se tornar um mártir, o Capitão Brasil que supostamente luta pela liberdade de expressão.

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Sobre o autor

Miller Henrique Corrêa de Brito é bacharelando em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

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Exemplo de acolhimento e hospitalidade: venezuelanos não encontram abrigo no Brasil

Uma fotografia de venezuelanos no Brasil, um retrato da indiferença.

Uma fotografia de venezuelanos no Brasil, um retrato da indiferença.

Um garoto cabisbaixo se destaca no grupo aglomerado na calçada de uma loja na cidade de Pacaraima, em Roraima. Assim como a Branca de Neve, princesa presente na coberta colorida na qual o garoto está enrolado, ele parece estar em busca de um lugar melhor.

Fotografia de um grupo de desabrigados na calçada de uma loja. A frente da foto está um garoto de braços cruzados enrolado em uma coberta colorida. A foto foi tirada de um ângulo um pouco acima do nível dessas pessoas.

Mathilde Missioneiro/Folhapress 

Dois elementos se destacam ao observarmos a foto acima. O garoto enrolado na coberta colorida que está em primeiro plano e que ocupa a parte central da imagem e o aglomerado de pessoas ao seu redor que compõem o fundo da imagem. A foto em plano aberto nos permite visualizar que eles estão em uma calçada e o fato de ter pessoas deitadas em pedaços de papelão nos faz perceber que estas pessoas estão desabrigadas.

O movimento migratório, apesar de estar presente em tratados e acordos nacionais e internacionais como um direito humano, ainda hoje não é plenamente respeitado. No Brasil, segundo a Constituição de 88 e a Nova Lei de Migração instituída em 2017, é garantida às pessoas em deslocamento interno ou transfronteiriço direitos fundamentais como educação, saúde, liberdade, moradia e trabalho. Além disso, cabe ao Conare, Comitê Nacional para os Refugiados, garantir assistência e proteção às pessoas refugiadas no país. Apesar disso, como é possível perceber através da foto, um incontável número de indivíduos não recebe a assistência necessária. Para ser mais exata, ao ler a reportagem, somos informados que estes são apenas alguns dos 2065 migrantes e refugiados desabrigados em Pacaraima, cidade brasileira que faz fronteira com a Venezuela.

A cidade, mencionada pelo Presidente Bolsonaro como exemplo de acolhimento, não parece se esforçar para garantir o mínimo de dignidade aos imigrantes, pois as vagas oferecidas para os abrigos da Operação Acolhida, liderada pelo exército, não atendem nem metade da demanda e o governo municipal, por sua vez, não oferece nenhuma estrutura para quem está fora dos abrigos. Sendo assim, para a maioria dos imigrantes, a única ajuda parte de iniciativas voluntárias, como a ONG Médicos Sem Fronteiras e a Caritas, uma organização católica que apoia migrantes e refugiados.

Além disso, a foto, feita por Mathilde Missioneiro e publicada em 6 de agosto de 2021, foi tirada durante a pandemia de covid-19, onde as recomendações principais eram: fique em casa, evite aglomerações e use máscara. Coisas que parecem simples, para quem não tem o básico se tornam impossíveis.

A imagem nos faz questionar o lema já conhecido e atribuído à Pacaraima pelo presidente. Será mesmo que somos um país acolhedor? E por que essas pessoas não são dignas de terem seus direitos mais básicos respeitados? Infelizmente, cenas como essas são comuns, e não só aqui. Uma fotografia de venezuelanos no Brasil, um retrato da indiferença humana.

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Sobre a autora

Larissa Caroline Lopes Fonseca é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Até onde se pode ir para conseguir comer

Fome é exposta durante a pandemia.

Fome é exposta durante a pandemia.

Uma fotografia costuma ser capaz de dizer mais coisas que milhões de palavras e quando uma fotografia tem muito a dizer, há uma história por trás. É isso que a fotografia do Danilo Verpa, que busca retratar como a fome leva famílias a revirar lixo e buscar alimentos próximos do descarte, trazendo uma sensação constante de revolta, e um certo pavor, temendo que amanhã seja a nossa vez de não ter o que comer.  Conhecendo esse fato é preciso analisar como as políticas públicas deixaram a desejar no que tange a segurança alimentar.

5 pessoas em volta de um lixeiro com resíduos,  algumas delas usam luvas,  estão com as mãos dentro da lixeira, aparentemente estão revirando em busca de algo para comer.
Danilo Verpa

 

A fotografia do Danilo Verpa permite observar 5 pessoas, em volta de um lixeiro, no que entende – se por ambiente urbano, pela composição das ruas, e carros, uma das mulheres coleta algo que aparenta ser uma fruta, a luz ambiente é característica do dia isso no que se refere aos elementos observáveis mais técnicos, com significação formal, pode – se destacar que a fotografia está na horizontal, no plano médio, sob ponto de vista superior e a expressão de movimento congelada.

Mas para além dos elementos visíveis, o contexto no qual a foto foi tirada significa muito, ver essa fotografia causa revolta e certa repulsa a pensar que provavelmente o alimento de algumas pessoas vem dos restos de outras pessoas. Conhecendo o contexto da fotografia, o sentimento de revolta fica ainda mais evidente, a foto foi tirada no 23 de outubro de 2021 no contexto pandêmico a situação do Brasil no que tange a fome se tornou ainda mais agravante.

Já quanto à significação cultural é preciso considerar que a saída do Brasil do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2014 foi um marco mundialmente reconhecido no caminho à promoção do direito humano à alimentação adequada e saudável. Durante a pandemia de COVID – 19, o Brasil retornou para o mapa da fome. Os dados são da pesquisa “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil”, elaborada pela Rede Penssan e mostram que o Brasil retrocedeu 15 anos em cinco, voltando a ter a fome como problema estrutural.

Urge no Brasil uma ação mais incisiva para garantir a segurança alimentar para a população. O brasileiro sente o descaso na pele. São 19 milhões de brasileiros passando fome no nível mais grave, cerca de 9% da população. Não basta se revoltar, é preciso agir, o que pode ser feito para que as necessidades associadas ao sentimento de revolta é cobrar uma ação dos órgãos públicos, exigir do ministério da economia investimentos em projetos para assegurar a alimentação do brasileiro.

A prerrogativa de segurança alimentar é uma questão tão forte quanto a de 15 anos atrás, isso causa revolta, mas é função do fotojornalismo retratar isso, evidenciar questões que afetam a população vulnerável. Portanto, a fotografia analisada exige sensibilidade de compreender que além de entender o problema é preciso buscar soluções que viabilizem a segurança alimentar da população brasileira.

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Sobre a autora

Maria Eduarda Gomes é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

A cor da morte é preta

Do pardo ao preto, da marginalização ao genocídio, o negro.

Do pardo ao preto, da marginalização ao genocídio, o negro.

No Brasil a cor da morte é preta e a violência segue essa paleta de cor à risca, que define o critério de morte ou vida, de negar ou permitir, de ser bom ou mau de clarear ou denegrir.

Manifestantes durante o ato Vidas Negras Importam, ocupam ruas na Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. Em primeiro plano há uma mulher com um megafone em sua mão direita que parece gritar, ela mantém sua máscara de proteção abaixo do queixo para falar ao aparelho. Ao fundo vemos um grupo de pessoas em sua maioria identificável, mulheres negras que utilizam máscaras de proteção, segurando cartazes com frases, nomes, idades, e fotos, podemos identificar completamente os dizeres de pelo menos um cartaz que traz a frase: "Felipe Santos 18 anos ???” e uma foto de um menino negro abaixo. Em relação a outros cartazes, podemos deduzir que estão escritas as frases “Paulo Gabriel 6 anos” “Paulo Amaral 8 anos violência Policial” e “No brasil um jovem preto é assassinado a cada 23 minutos”. No plano ao fundo, pode-se ver construções, casas e prédios, uma fiação de rede elétrica em uma altura baixa, e algumas árvores.
Bruno Santos/Folhapress

O autor da imagem é o fotógrafo Bruno Santos, e a fotografia ilustra uma matéria publicada pela Folha de São Paulo com o título “Parem de matar nossos filhos”. A fotografia mostra manifestantes carregando cartazes, com nomes de jovens mortos em ações policiais durante o ato “Vidas Negras Importam”.   

A foto, tirada no ano de 2020, na cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, me traz a impressão de que poderia ter sido tirada esse ano, ou nos próximos, em qualquer cidade do Brasil. Pois ela retrata a reivindicação de respostas ao genocídio de pessoas pretas, que são assassinadas a cada 23 minutos em todo país, e na maioria esmagadora dos casos, são acontecimentos invisibilizados e esquecidos.

Os cartazes presentes na imagem, apesar de estarem em segundo plano, são os primeiros a chamarem minha atenção. Por se tratarem de códigos linguísticos, eles nos convidam a lê-los. Os cartazes estampam frases, nomes, números, e dores. Estampam vidas perdidas e desaparecidas. Estampam a morte e reivindicam respostas sobre ela, trazem voz ao silêncio mantido sobre essas mortes, e transformam o medo em revolta. Escrevem, em cima do apagamento desses assassinatos, “reivindicação”.

O grupo de manifestantes composto majoritariamente de mulheres negras, que seguram os cartazes, é o segundo ponto da imagem que meus olhos percorrem. Essas pessoas trazem semblantes pesados e de sofrimento e demonstram que além da pele de quem morre ser preta, a dor acima de tudo, quem sente são corpos pretos. Esses indivíduos reivindicam o direito à vida de pessoas negras, sua importância e acima de tudo sua dignidade. 

A mulher que ganha destaque no primeiro plano da fotografia, é a próxima parada da minha observação. Ao falar em um megafone ela traz em seu rosto uma expressão carregada de força e dor. A imagem grita, ainda que sem qualquer som, a dor que o povo preto sente e tem que transformar em força. Grita como essas mulheres, e acima de tudo essas mães que perderam seus filhos, tem que lutar por eles para reivindicar a vida, ainda que na morte. E ter esperança para transformar todo seu sofrimento, nessa luta.

Toda a cena presente na fotografia me tira o ar e o chão, me imprime cansaço e desespero, me traz a dor de saber que o meu povo precisa lutar apenas pelo direito de viver. Esses jovens assassinados tem uma pele como a minha, que carrega tanto significado, tanta vida, tanta gente, que me carrega também. Ao ver essa imagem, ela me fere. Mas como mulher negra, essa imagem também me traz força, a força que é necessária mesmo na dor e especialmente nela. A força para lutar, para que mais mães não percam seus filhos pretos, para que mais negros não tenham suas vidas roubadas. Que possamos ter essa força para reivindicar nossos direitos.

Chama de Conteúdo de Colaboradores

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Sobre a autora

Isadora Lúcia de Souza Silva é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Movimento Vidas Negras Importam

A revolta que une manifestantes no isolamento social.

A revolta que une manifestantes no isolamento social.

A imagem de autoria de Bruno Santos foi publicada no dia 4 de julho de 2021 no jornal Folha de São Paulo com a legenda: “Manifestantes carregam cartazes com nomes de jovens mortos em ações policiais, durante o Ato Vidas Negras Importam, em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo”. O título da matéria: ‘Parem de matar nossos filhos’.

Manifestantes erguendo cartazes com os nomes de jovens negros assassinados. Os manifestantes usam máscaras e uma delas parece gritar ao megafone.
Bruno Santos

O protesto organizado por 15 coletivos do movimento negro e frentes populares da periferia de São Paulo teve como objetivo obter respostas para a morte de cinco jovens assassinados pela polícia militar. Além disso, o grupo reivindicava o acesso à saúde na zona leste da capital durante a pandemia.

A fotografia de Bruno Santos acredito que atrai o olhar e nos toca de duas formas. Primeiro, mais superficialmente, por ser uma foto muito bem tirada que gravou o momento exato do grito da mulher à direita e, também, pela posição do fotógrafo que se colocou contra o sol forte. Os manifestantes ao fundo tem os olhos semicerrados devido a forte luz solar, incrementando a fisionomia que expressa não apenas raiva, como tristeza e frustração, além de diversas outras emoções provocadas na manifestação.

Numa segunda análise, mais aprofundada, por tratar de um assunto recorrente e desumano, a imagem nos faz repensar os privilégios da parcela branca rica da população e a consequente morte da metade negra e periférica, impulsionadas unicamente pelo racismo estrutural arraigado na sociedade brasileira.

Pensar que em meio a uma pandemia pessoas tiveram de sair de suas casas para defender o direito a vida de seus filhos e cobrar respostas pela morte precoce deles pelas mãos do próprio Estado que, supostamente deveria proteger seus cidadãos, é no mínimo revoltante, motivo não apenas para questionar mas derrubar as estruturas de privilégio existentes.

O movimento Vidas Negra Importam teve início nos Estados Unidos e se espalhou por diversos países e continentes. Entretanto, nenhum deles possui uma realidade de extermínio da população negra como o Brasil e os Estados Unidos. Ambos antigas colônias repletas de escravizados, os dois países em muito se assemelham quando o assunto é a luta racial. Ambos ainda têm muito o que reivindicar.

Todavia, por mais que em muito se assemelham, a história e vivência da população negra estadunidense e brasileira não são idênticas. Cada sociedade possui dificuldades próprias e é preciso que o povo brasileiro perceba e lute a partir disto, se não acabará por importar questões que não inteiramente cabem em nossa vivência e, inevitavelmente, acabará deixando de lado problemas intrínsecos a nossa realidade.

É preciso que o Brasil branco se informe e atue juntamente com a população negra contra as máquinas racistas do Estado. Como disse a ativista estadunidense Angela Davis: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista é necessário ser antirracista”.

A pandemia se amenizou, mas o racismo a cada dia descobre novas formas de alcançar e dominar as estruturas de poder. É preciso ir às ruas, é preciso ir à luta.

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

Como citar este artigo

Couto, Sarah. Movimento Vidas Negras Importam. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/movimento-vidas-negras-importam/>. Publicado em: 22/07/2022. Acessado em: [informar a data]. 

Quem vê um menino na praia?

Fotografia de Lucas Landau, tirada em 2018, expõe mentalidade preconceituosa do povo brasileiro.

Fotografia de Lucas Landau, tirada em 2018, expõe mentalidade preconceituosa do povo brasileiro.

Objetivamente, a fotografia mostra um menino na praia de Copacabana durante a virada do ano de 2017 para o de 2018. Estático, o garoto olha para cima, hipnotizado pelos fogos de artifício — sequer nota a presença do fotógrafo. Landau a postou sem segundas intenções ou interpretações, mas em apenas algumas horas, a imagem havia viralizado pelos motivos errados, gerando intrigas e discussões.

Rapaz observa queima de fogos no revéillon em Copacabana. Ele está com os joelhos abaixo dágua enquanto uma multidão molha apenas os pés atrás dele.
Lucas Landau

É possível traçar paralelos entre a composição dessa fotografia e as interpretações equivocadas que dominaram a mídia. A criança, que é o elemento principal da imagem, está focada enquanto a multidão ao fundo está borrada. O fato de o menino estar sozinho no plano focado passa a sensação de isolamento e pode dar a entender que a sociedade mantém distância enquanto fala ou até mesmo caçoa de sua suposta vulnerabilidade social.

Ainda pensando em questões sociais, a multidão é dominada pela cor branca, criando um contraste não só com o menino, mas com seus arredores. Ao não utilizar o flash, Landau mantém todo o primeiro plano escuro (o fotógrafo menciona, inclusive, que preferiu publicar a imagem em preto e branco, pois estava escura em cor). Esse fator faz com que o espectador sinta algo subliminar na escuridão, como se ela envolvesse a criança e tirasse sua visibilidade.

A própria roupa do menino é um elemento do primeiro plano que deve ser mencionado: além de estar sem camisa, está usando um par de bermudas pretas, que entram em conflito com o branco da multidão. É uma tradição se vestir de branco no réveillon, e o fato de a criança quebrar esse padrão fez com que muitas pessoas presumissem que ele simplesmente não tinha o que vestir para a ocasião, reforçando um estereótipo de pobreza.

Por fim, até mesmo a feição e a pose do menino deram margem para interpretações: seu rosto não expressa particularmente felicidade no momento capturado, e seus braços estão colados ao corpo, provavelmente em uma tentativa de se proteger das águas gélidas de Copacabana. Esses elementos fizeram com que muitas pessoas enxergassem uma tentativa de se defender da hostilidade da sociedade, apagando a simplicidade do momento que mostra apenas uma criança maravilhada com um espetáculo.

No dia 1° de janeiro de 2018, Lucas Landau publicou essa foto por ser uma imagem bela e espontânea, mas seria impossível que todos que chegassem a ela a vissem com a mesma inocência. Um conjunto de fatores fez com que um racismo velado viesse à tona e foi assim que um menino na praia, assistindo a um espetáculo, teve sua realidade reescrita e se tornou uma criança abandonada à margem da sociedade.

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Sobre a autora

Hynara Luiza Lopes Versiane de Mendonça é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Preto e Branco: para além da fotografia, um reflexo social

A presença de uma criança invisível brilha mais que os fogos de artifício na fotografia de Lucas Landau.


A presença de uma criança invisível brilha mais que os fogos de artifício na fotografia de Lucas Landau.

A fotografia a ser analisada é de Lucas Landau, fotógrafo brasileiro internacionalmente reconhecido por seu trabalho que retrata as nuances sociais e culturais do Brasil. Publicada no ano de 2018, essa imagem circulou por várias mídias, ascendendo debates em várias esferas da sociedade, a singularidade do retrato e do momento fotografado trouxeram destaque ao trabalho de Lucas.

A imagem mostra uma praia á noite, com prédios ao fundo, várias pessoas: adultos e crianças vestidos de branco, á frente em destaque um menino negro de bermuda, se banhando no mar, ele olha para o céu.
Lucas Landau    

O nome da fotografia é “Hell de Janeiro”, o subtítulo: “a ambiguidade da cidade que consegue ser ao mesmo tempo maravilhosa e infernal”, é uma das imagens contidas na coleção “Rio” de autoria de Lucas Landau. A série retrata e denuncia diversos problemas sociais da cidade do Rio de Janeiro.

A ambiguidade, como dito por Lucas em seu subtítulo, está presente nas fotografias da coleção Rio, e na foto “Hell de Janeiro” ela se dá pela diferença entre o menino em suas vestes de banho e as pessoas vestidas de branco ao fundo. 

Quando analisamos os aspectos profissionais e técnicos da foto, vemos nitidamente o enfoque dado ao menino, o uso de um plano aberto possibilita a compreensão do cenário e dos personagens envolvidos na cena, enquanto, o alto contraste torna visível a diferenciação do preto e do branco, aspecto fundamental para que possamos entender que é uma noite de Reveillon em Copacabana, área nobre do Rio de Janeiro, devido ao uso das tradicionais vestes claras.

Além da compreensão do momento em que a foto foi tirada, o ponto mais interessante do uso desse tipo de contraste  é a evidenciação do que há de crucial na fotografia: a racialidade do menino em destaque.

Quando associamos esse trabalho aos demais de Lucas Landau como o exemplificado abaixo, e os aspectos sociais já conhecidos do Rio de Janeiro, cidade com extrema desigualdade social, podemos interpretar essa fotografia como uma denúncia de como a sociedade invisibiliza as crianças negras. O menino está sozinho no mar, olhando os fogos de artifício com semblante curioso, enquanto as demais pessoas parecem nem notá-lo.

A fotografia retrata uma menina negra vestindo shorts rosa e regata roxa, sentada em uma cadeira branca de plástico, cobrindo seu rosto com as duas mãos. No plano de fundo há um muro, com uma pixação escrita “resistir é preciso”.
Lucas Landau

No entanto, se deixarmos de lado os demais trabalhos do autor por um momento, enxargaremos apenas um menino admirando as luzes coloridas que surgem no céu, o fato de ser uma criança negra nos leva a criar narrativas de pesar, o que é coerente, visto os dados que conhecemos da desigualdade étnico racial no Brasil.

Uma fotografia é constituída de muitos fatores, sejam eles técnicos e profissionais, mas também passa pela subjetividade do autor e de quem verá sua obra depois, somos todos constituídos por uma matriz ideológica, que nos permite analisar fotografias cada um à sua maneira.

Podemos enxergar na fotografia analisada, duas diferentes nuances, como exposto, mas no fim, a reflexão é uma só: assim como uma fotografia é dotada de um contraste, a sociedade segue a mesma lógica, não conseguimos olhar para uma criança negra sem notar que ela é negra, a diferenciação do preto e do branco, não é só um aspecto técnico, mas sim, um estigma social que influi diretamente no racismo estrutural do Brasil.

Links e referências

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Sobre a autora

Lívia Salles é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

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