Quem vê um menino na praia?

Fotografia de Lucas Landau, tirada em 2018, expõe mentalidade preconceituosa do povo brasileiro.

Fotografia de Lucas Landau, tirada em 2018, expõe mentalidade preconceituosa do povo brasileiro.

Objetivamente, a fotografia mostra um menino na praia de Copacabana durante a virada do ano de 2017 para o de 2018. Estático, o garoto olha para cima, hipnotizado pelos fogos de artifício — sequer nota a presença do fotógrafo. Landau a postou sem segundas intenções ou interpretações, mas em apenas algumas horas, a imagem havia viralizado pelos motivos errados, gerando intrigas e discussões.

Rapaz observa queima de fogos no revéillon em Copacabana. Ele está com os joelhos abaixo dágua enquanto uma multidão molha apenas os pés atrás dele.
Lucas Landau

É possível traçar paralelos entre a composição dessa fotografia e as interpretações equivocadas que dominaram a mídia. A criança, que é o elemento principal da imagem, está focada enquanto a multidão ao fundo está borrada. O fato de o menino estar sozinho no plano focado passa a sensação de isolamento e pode dar a entender que a sociedade mantém distância enquanto fala ou até mesmo caçoa de sua suposta vulnerabilidade social.

Ainda pensando em questões sociais, a multidão é dominada pela cor branca, criando um contraste não só com o menino, mas com seus arredores. Ao não utilizar o flash, Landau mantém todo o primeiro plano escuro (o fotógrafo menciona, inclusive, que preferiu publicar a imagem em preto e branco, pois estava escura em cor). Esse fator faz com que o espectador sinta algo subliminar na escuridão, como se ela envolvesse a criança e tirasse sua visibilidade.

A própria roupa do menino é um elemento do primeiro plano que deve ser mencionado: além de estar sem camisa, está usando um par de bermudas pretas, que entram em conflito com o branco da multidão. É uma tradição se vestir de branco no réveillon, e o fato de a criança quebrar esse padrão fez com que muitas pessoas presumissem que ele simplesmente não tinha o que vestir para a ocasião, reforçando um estereótipo de pobreza.

Por fim, até mesmo a feição e a pose do menino deram margem para interpretações: seu rosto não expressa particularmente felicidade no momento capturado, e seus braços estão colados ao corpo, provavelmente em uma tentativa de se proteger das águas gélidas de Copacabana. Esses elementos fizeram com que muitas pessoas enxergassem uma tentativa de se defender da hostilidade da sociedade, apagando a simplicidade do momento que mostra apenas uma criança maravilhada com um espetáculo.

No dia 1° de janeiro de 2018, Lucas Landau publicou essa foto por ser uma imagem bela e espontânea, mas seria impossível que todos que chegassem a ela a vissem com a mesma inocência. Um conjunto de fatores fez com que um racismo velado viesse à tona e foi assim que um menino na praia, assistindo a um espetáculo, teve sua realidade reescrita e se tornou uma criança abandonada à margem da sociedade.

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Sobre a autora

Hynara Luiza Lopes Versiane de Mendonça é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

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