A mesa da cozinha

Fotografia de Carrie Mae Weems explora ancestralidade e feminilidade

Fotografia de Carrie Mae Weems explora ancestralidade e feminilidade

Como se tornar uma mulher? É difícil dizer em que momento da vida nós mulheres passamos a nos reconhecer como tais. A fotografia de Carrie Mae Weems tenta explorar essas questões ao trazer uma figura influente para muitas – a mãe – como fator chave para essa transformação.
Carrie Mae Weems

 

Descrição: mãe e filha sentadas sobre a mesa, a primeira no centro da imagem e a segunda a direita, as duas passam batom enquanto se olham no espelho
A série A Mesa de Cozinha (The Kitchen Table) foi lançada em 1990. Composta de vinte fotografias e diversos textos, Carrie Mae Weems explorou a experiência e a vida da mulher preta através de cenas performadas na mesa da cozinha. Atuou em todas elas, enquanto outros personagens de sua vida – marido, filha, amigos e amigas – a rodeiam em diversas fotografias.
A luminária aparenta ser a única fonte de luz na imagem, sendo responsável por clarear e revelar todas essas cenas. Em um jogo de luz e sombra, tudo aquilo que está iluminado nos dá a sensação de revelação, fazendo com que a imagem não seja apenas um olhar para o cotidiano de uma família, mas para a intimidade, os segredos e os sentimentos dessas figuras.
A fotografia acima tem a mãe – que é interpretada pela própria autora da imagem – e sua filha como os personagens principais. Elas não se olham, pelo contrário, os olhos ficam presos em suas imagens refletidas pelos espelhos postos à mesa. Isso não faz com que elas não estejam cientes da presença uma da outra, já que seus movimentos, por serem idênticos, insinuam que elas repetem  essa mesma ação já a um tempo, ou que uma se espelha na outra. A forma como as duas passam batom com a mão direita e repousam a esquerda sobre a mesa, o jeito que se inclinam e abrem a boca, e, até mesmo, a maneira em que os espelhos são  predispostos, tudo isso revela um saber inconsciente, quase como um ensaio bem coreografado do que o outro está fazendo.
Quando eu era pequena costumava brincar com os saltos altos de minha mãe. Ela, que saia de casa para o trabalho de manhã e só voltava tarde da noite, era uma figura um tanto quanto misteriosa, mas ao mesmo tempo charmosa. O salto alto que usava todos os dias não era apenas um símbolo de beleza, mas também de futuro desejável. Enquanto aqueles sapatos não me serviam, ainda não havia atingido aquele ideal imaginário que eu mesmo havia criado. Porém, apenas usá-los, enquanto via meu reflexo no espelho, já era uma forma de sanar a ansiedade de “ser mulher”. Aquela brincadeira era sobre uma feminilidade que eu desejava alcançar, era o que eu entendia como belo e  valioso.
Me peguei a pensar sobre quem está refletindo quem. Faz sentido pensar que a mãe, sendo a figura mais velha, com mais experiência de vida, acaba por influenciar a filha que, assim como eu fazia, repete cada pequeno gesto, mesmo que inconscientemente. Assim, a mãe seria o reflexo do anseio da filha, do que é belo e do que significa ser adulto. Porém, da mesma forma, e, talvez, na mesma medida, a filha é o reflexo/representação do que a mãe era com a avó, da juventude que também teve um ímpeto de crescer e agora regressa ao papel.
Ao olhar para o espelho, a mulher e a menina não veem apenas suas auto imagens, algo mais precioso está sobreposto no ato de se maquiar.  Existe também uma ancestralidade, um passar de conhecimento  de geração a geração, uma naturalidade de repetições de conceitos da experiência de vida. Para Carrie Mae Weems e sua filha, além do compartilhamento desses atravessamentos, é também o reflexo da vivência preta, de um lugar seguro,  onde mãe e filha podem encontrar em si o que significa ser feminino.
#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

Como citar esta postagem

LISBOA, Eliade. A mesa da cozinha. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/a-mesa-da-cozinha//>. Publicado em: 19 de jan. de 2022. Acessado em: [informar data].

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Consuelo Kanaga: retratos da beleza negra

Série de fotografias mostram a busca por um olhar delicado e carinhoso sobre a vivência preta 

Apesar do trabalho modesto, Consuelo Kanaga conseguiu se destacar no mundo da fotografia. Com um forte enfoque sobre lutas sociais, a fotógrafa americana passou parte de sua carreira dando sua atenção para a experiência negra. Dentre suas fotografias, os retratos são aqueles que mais se destacam, por carregar uma singelidade e atenção ao representar o mundano. 

Consuelo Kanaga

Descrição: retrato de uma criança com os cabelos presos, uma blusa de manga comprida, segurando uma flor enquanto a cheira, com uma expressão de felicidade
Consuelo Kanaga foi uma fotógrafa americana, nascida em 25 de maio de 1894, em Astoria, cidade de Oregon. Trabalhou entre 1915 e 1922 como escritora e repórter para o San Francisco Chronicle, um jornal localizado na Califórnia, estado onde cresceu. Durante esse período, se juntou ao California Camera Club e lá conheceu o trabalho de Alfred Stieglitz, fotógrafo que se tornou sua inspiração. 
Em 1922, depois de se mudar para Nova Iorque, passou a trabalhar como fotojornalista para o New York American. Fez publicações de fotografia para a New Masses, Labor Defender e Sunday Worker, todos veículos que falavam sobre política numa perspectiva da esquerda. A partir daí, seu trabalho começou a ser focado na vivência negra, fotografando pessoas e seus cotidianos em uma série de retratos.  
Consuelo Kanaga

Descrição: retrato de jovem mulher com o rosto apoiado sobre a parede, lábios cerrados em uma expressão séria

Consuelo Kanaga

Descrição: retrato de mãe e filho, a mãe com a cabeça inclinada para baixo com uma expressão séria, o filho, localizado mais a baixo da imagem, a olha com uma expressão pensativa

Consuelo Kanaga

Descrição: retrato de garota de frente, com o rosto virado para o lado e uma expressão pensativa

Consuelo Kanaga
Descrição: fotografia de garota virada de lado, com os braços cruzados e  com uma expressão séria 
Consuelo Kanaga

Descrição: fotografia de uma mãe segurando a filha no colo enquanto sorri e a menina olha para o alto

#galeria é uma coluna de caráter informativo, com periodicidade semanal. É publicada toda segunda-feira pela manhã. Trata-se de uma série de postagens que apresenta um recorte da obra de uma fotógrafa ou fotógrafo de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica, acompanhadas por uma breve biografia sua. Quer conhecer melhor a coluna #galeria? É só seguir este link.

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O menino do Rio Negro

Fotografia de Araquém de Alcântara evoca o equilíbrio entre gente e meio ambiente
Um jovem segura uma cobra em volta de seu pescoço, ao que tudo indica, durante um passeio de canoa no Rio Negro, Amazonas. A cena não só expressa uma beleza única, como também é um portal para entendermos como o fotógrafo responsável pela obra, Araquém de Alcântara, enxerga o mundo. 
Araquém de Alcântara

Esse cenário pode ser considerado incomum para muitos que não vivem na região. Em uma visão centrada no sudeste do país, a princípio me peguei estranhando tal comportamento a ponto de considerá-lo perigoso e impróprio. Porém, ao refletir um pouco sobre o personagem presente no registro e as prováveis diferenças culturais que compartilho com ele, comecei a reconhecer que alguns desses sentimentos partiam de minha ignorância.
Ao contrário de mim, Araquém de Alcântara parece enxergar a beleza desse encontro entre os dois, uma vez que registra o momento como algo singelo e despreocupado, expressando uma das características mais fortes do seu trabalho, mostrar a relação íntima entre seres humanos e o meio ambiente.    
A forma como o garoto segura o animal, de maneira firme e decidida denota a sua naturalidade com a situação. Não parece temer um ataque da cobra, pelo contrário, tamanha frivolidade ao lidar com a situação denuncia que talvez não seja a primeira vez que vivencia algo do tipo. 
O preto e branco da imagem existem por conta do caráter documental da obra do fotógrafo. No entanto, esse elemento ajuda a criar um fator harmônico entre os personagens. Esse bom relacionamento entre os dois cria uma sensação de sustentabilidade que é reforçada pela retirada das cores, fazendo com que os dois corpos sejam difíceis de distinguir. 
Uma das questões que a fotografia levanta é “se é possível viver em paz com animais selvagens”. Afinal, não são todos que reagiriam de maneira tão pacífica quanto aquela cobra. O cenário e momento escolhidos, mostram como esse encontro entre dois moradores da mesma região, só é possível pelos dois personagens serem familiares um com o outro.
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Um olhar sobre Araquém de Alcântara

Entre o povo e a natureza, fotógrafo se dedica a registrar as belezas do Brasil
Pioneiro na fotografia ambiental brasileira, Araquém de Alcântara Pereira é considerado um dos fotógrafos mais importantes do país. Com mais de 50 anos de carreira, utilizou seu trabalho como forma de protesto em defesa da causa ecológica. 


Araquém de Alcantara

O fotógrafo, professor e jornalista nasceu em Florianópolis, no ano de 1951. Durante sua graduação na Universidade de Santos, começou a trabalhar como repórter para o jornal Estado de S. Paulo e para o Jornal da Tarde. Foi após uma cobertura documental do Parque da Juréia, em Iguapé, São Paulo,  que passou a fazer diversas expedições ambientais, especialmente para a Mata Atlântica. 
Em 1988, publicou a sua primeira obra intitulada “Terra Brasil”, contendo fotografias dos parques nacionais, que se tornou o livro sobre fotografia mais vendido em todos os tempos no país. Também foi o primeiro fotógrafo brasileiro a trabalhar para National Geographic, se consolidando ainda mais como um ícone no cenário brasileiro. 
Araquém de Alcântara
Araquém de Alcântara

Araquém de Alcântara
Araquém de Alcântara

Araquém de Alcântara

Araquém de Alcântara

Araquém de Alcântara

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A autoimolação de Thich Quang Duc

A fotografia do monge em chamas ainda causa choque 58 anos depois e se tornou símbolo de revolução.

Algumas imagens se tornam permanentes no imaginário do público, seja por sua alta difusão, importância cultural ou por se tornarem um marco que é constantemente relembrado. A obra “A autoimolação do monge” é uma das cenas mais chocantes e icônicas da história da fotografia que não só aterrorizou diversas pessoas, como também ajudou a trazer discussões que antes não recebiam a devida atenção. 
Malcolm Wilde Browne

A serenidade do monge e a fúria do fogo são dois estados conflitantes que se misturam em um emaranhado de significados. Mesmo com a metade de seu corpo  sendo tomada pelas chamas, Thich Quang Duc continua imóvel, sentado em uma posição de meditação. É difícil determinar o que exatamente estava pensando enquanto tudo ocorria, ou como conseguiu suportar a dor de queimar até a morte, mas não somente a fotografia, diversas testemunhas oculares citam não terem visto o monge se mover em momento algum, apenas quando seu corpo caiu morto no chão.
Ao observar mais ao fundo é possível enxergar diversos outros monges que observam, sem intervenções, atentamente tudo o que está ocorrendo.  O galão branco no lado esquerdo inferior da imagem serve como uma explicação de qual é a origem do fogo, além de deixar claro que o ato foi proposital. E assim, com muita naturalidade, um dos maiores medos humanos, morrer queimado, é representado como uma escolha.  
O fotógrafo Malcolm Wilde Browne, responsável pelo registo,  explica que começou a fotografar imediatamente como uma forma de conseguir lidar com aquela cena pavorosa. Ver uma pessoa morrer aos poucos é uma cena difícil de digerir. Browne parece encontrar atrás da câmera um local de refúgio.  Apesar do choque, o registro foi bem calculado, uma vez que a manifestação havia sido divulgada anteriormente pelos monges. o feito garantiu o Prêmio Pulitzer de Serviço Público e de Foto do Ano pela World Press Photo para o fotógrafo. 
Tudo começou no dia 11 de junho de 1963. O Vietnã do Sul passava por uma intensa tensão religiosa em que o regime de Ngo Dinh Diem perseguia monges budistas e havia criado uma política religiosa que excluía o budismo. Durante um protesto contra o governo na cidade de Saigon, o monge Mahayan Thich Quang Duc, que tinha 66 anos na época, resolveu cometer a autoimolação como forma de protesto. A Guerra do Vietnã que já durava 5 anos, fez com que a invasão de culturas ocidentais, principalmente do domínio americano, fizessem com que a influência do catolicismo se fortalecesse ainda mais, facilitando com que Diem tomasse medidas discriminatórias contra os budistas. Porém, mesmo entendendo o contexto por trás da fotografia, ainda é difícil de mensurar o que leva um homem pacífico a atear fogo sobre o próprio corpo. 
A autoimolação é o ato de atear fogo sobre o próprio corpo, normalmente como protesto ou martírio (Dicionário Informal). Parte do choque e do horror despertados em diversas pessoas que entraram em contato com a fotografia, vinham de uma disparidade entre culturas. A autoimolação é na verdade um tipo de protesto comumente usado no hinduísmo e xintoísmo, em uma espécie de ritual que poderia representar protesto, devoção ou renúncia. O sati, por exemplo, era um antigo costume de comunidades hindus em que uma esposa viúva cometia um ritual de se jogar ao fogo junto de seu marido morto, até que foi proibido pelas leis do Estado Indiano. Além disso, apesar do suicídio ser um desvio dos preceitos do budismo, o ato também é utilizado como protesto por muitos monges e praticantes, sendo uma prática controversa entre autoridades budistas que debatem sobre sua relação com as tradições religiosas. 
Mohamed Bouazizi, cuja autoimolação é considerada por muitos como o estopim da Primavera Árabe, é um exemplo de como a prática também é muito forte no Oriente Médio como um todo, além de revelar como o ato pode gerar uma movimentação social inexplicável. A onda de protestos que seguem essa mesma linha acontecem até os dias de hoje, muitos inspirados em Bouazizi. 
Para entender a autoimolação  em casos como esse da imagem, é importante ressignificá-los além da categorização de “suicídio”. Para muitos admiradores de Thich Quang Duc e Bouazizi, morrer em prol da religião e da liberdade de um povo é um ato de revolução. Mais do que desespero, é um ato de justiça, sacrifício e devoção. 
São nesses momentos que percebemos a importância do fotojornalismo. Caso Browne não tivesse registrado o momento, o resto do mundo não viraria os seus olhos para a Guerra do Vietnã e o governo de Duc não anunciaria reformas a fim de tentar negociar com a população. O monge foi e ainda é visto como um símbolo de bravura e resistência, fazendo com que muitos monges da época chegassem a cometer a autoimolação após a divulgação da imagem.
A fotografia foi mais tarde utilizada como capa do álbum de estréia da banda Rage Against The Machine, demonstrando o seu impacto até mesmo na cultura pop. As músicas que carregam comentários políticos parecem levar a imagem do monge como a de um símbolo de revolução, assim como os budistas. Isto mostra que o poder da fotografia de Browne fez com que Thich Quang Duc virasse um signo de luta que qualquer pessoa possa se identificar, mesmo que sua realidade seja bem diferente da de um vietnamita daquela época.  
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Territorialidade e Identidade: uma leitura contemporânea de Thabiso Sekgala

O fotógrafo sul-africano explora suas raízes em seu trabalho.

Thabiso Sekgala teve uma curta, mas impactante carreira. Seu retrato sobre a vida, compartilhado em belíssimas fotografias que têm a África do Sul como cenário principal, aponta uma visão contemporânea da identidade sul africana. Em uma mútua afetação, o fotógrafo explora como o ambiente ao redor é fator chave para a formação de um indivíduo. 
Thabiso Sekgala

Thabiso Sekgala nasceu em 1981 em Joanesburgo, na África do Sul. Estudou na The Market Photo Workshop, uma escola de fotografia localizada em sua cidade natal, entre 2007 e 2008. Foi criado pela avó e cresceu em uma área rural, em um Bantustão, território separado pelo governo sul-africano para habitantes negros no período do Apartheid, e essa vivência se tornou objeto principal de suas fotografias.
Em 2010, ganhou o Tierney Fellowship, um prêmio importante para fotógrafos iniciantes. Teve a maior parte de seu trabalho exibido na África e na Europa. Em 15 de outubro de 2014, o fotógrafo cometeu suícidio, tinha apenas 33 anos e deixou para trás dois filhos. sua morte aconteceu pouco tempo depois do falecimento de sua avó. 
Thabiso Sekgala

Thabiso Sekgala

Thabiso Sekgala

Thabiso Sekgala

Thabiso Sekgala

Thabiso Sekgala

Thabiso Sekgala

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Uma voz que precisa ser ouvida

A fotografia de Yasuyoshi Chiba é um grito de força e esperança.

Suor escorrendo pela pele, uma postura ereta, o queixo levantado, a mão aberta sobre o peito e uma expressão de bravura. O jovem, personagem central desta fotografia, não parece se intimidar com os olhos de diversas pessoas pousados sobre si, nem mesmo com a luz de cada celular usado para iluminar o seu rosto. O garoto, cujo nome não sabemos, marca sua presença como ninguém. 

Yasuyoshi Chiba/AFP/World Press Photo
Não havia luz no dia 19 de junho de 2019 em Cartum, capital de Sudão. O apagão imposto pelo governo aconteceu poucos dias antes de operações militares que resultaram no assassinato de milhares de manifestantes. Ainda assim, o grupo pró-democracia da imagem acima se reuniu mais uma vez para lutarem por seus direitos e, enquanto o garoto de blusa azul recitava um poema em forma de protesto, o sentimento de esperança parecia não ter desaparecido.  
A fotografia congela esse momento, como se a fala do garoto nunca tivesse cessado. E, todas as vezes que olhamos para ela, paramos tudo para ouvi-la novamente. O próprio nome da obra, “Straight Voice” ou voz direta (tradução livre), mostra a força do jovem da imagem. Mas, como uma fotografia não consegue emitir sons, é impossível saber exatamente o que ele diz e a mensagem é deixada em pequenas pistas. 
A primeira está nas mãos erguidas que se estendem em torno do garoto mostrando que, seja lá o que ele está dizendo com tanta firmeza, é ovacionado em um consenso geral. A outra está nos outros rostos jovens presentes na imagem que o rodeiam com a mesma destreza. É como se essa voz falasse por todos que estão presentes. Ela é a representação de uma geração jovem que está lutando para construir um futuro novo com as próprias mãos. 
A obra de Yasuyoshi Chiba ganhou o prêmio de fotografia do ano pela World Press Photo, um dos prêmios mais importantes do fotojornalismo profissional. Acredito que parte da paixão por essa imagem existe por conta do caráter poético em cada detalhe de sua composição. Começando por seu tom apático, mas ao mesmo tempo vibrante. Enquanto o redor aparenta ser devorado pela completa escuridão, os corpos se destacam em tons quentes, impossíveis de serem ignorados, mostrando que se o apagão foi feito com a intenção de calar essas pessoas, elas fariam o possível para serem ouvidas.
O registro é totalmente preenchido com os manifestantes, sobrando pouco espaço vazio. Esse enquadramento fechado ajuda a fortalecer o pequeno grupo pacífico que ganha uma imagem imbatível de união e força. Todos têm seus corpos direcionados ao menino, levando o nosso olhar mais uma vez para o centro da imagem. E a figura centralizada que exala uma juventude inquieta e que não teme nada, parece gritar que a sua voz deve ser ouvida. 
Ao fundo, as luzes dos celulares iluminam as costas do garoto e atribuem-lhe uma aura épica. Esse esforço em fazer com que o jovem seja visto e ouvido demonstra uma atitude admirável em meio a tanta violência, um sinal de que a empatia e comunhão não se perdeu. E, assim, se movem em uma só direção, com um poder que apenas um registro tão delicado como este pôde capturar. 
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O melodrama de Alex Prager

O cinema e a cultura pop são fortes influências no portfólio da fotógrafa.

A princípio as fotografias de Alex Prager podem gerar uma sensação de estranhamento. Porém os enquadramentos  pouco convencionais, as temáticas hiper realistas com cores vibrantes de seus registros carregam vários elementos da cultura pop e de uma Hollywood vintage, tornando tudo muito familiar e nostálgico. Seu trabalho consiste em registros encenados, contendo atores pagos, tudo para construir uma narrativa melodramática.
Alex Prager é uma fotógrafa americana nascida em 1979, Los Angeles.  Sua cidade natal é conhecida pelos vários estúdios de cinema e pode explicar suas constantes referências a Hollywood, tanto como fotógrafa quanto como cineasta. Ela largou a escola aos 14 anos de idade e passou boa parte de seu tempo vago viajando pela Europa de trem. Quando voltou para os Estados Unidos, visitou uma exibição do fotógrafo William Eggleston que a fez se apaixonar por fotografia e, até os dias de hoje, é uma grande influência em seu trabalho. 
Aprendeu a fotografar de maneira autodidata e teve sua primeira exibição com apenas seis meses após decidir mergulhar na carreira. Em 2011, ela dirigiu uma série de vídeos denominada Touch of Evil para a revista The New York Times, em que atores famosos como Brad Pitt, Viola Davis, George Clooney e Glenn Close representam grandes vilões do cinema, a galeria visual ganhou um Emmy Awards.
 
Alex Prager
Alex Prager
Alex Prager
Alex Prager
Alex Prager
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Alex Prager

Alex Prager

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A poesia em “Malandragem”

.Registro emblemático do fotógrafo German Lorca gera reflexões sobre os diferentes modos de se fotografar

Uma rua escura e molhada de São Paulo, dois homens e um enquadramento singular. Esses são os principais personagens da famosa fotografia Malandragem, feita por German Lorca em 1949. Tais elementos ao serem unidos com o modo único de fotografar do paulista revelam um registro com um lirismo intrínseco, uma maneira diferente de se fazer poesia. 
German Lorca
Como já foi citado na galeria dedicada ao fotógrafo German Lorca, que você também pode acessar aqui no Cultura Fotográfica, São Paulo sempre foi a sua maior inspiração. Ele acompanhou a modernização da capital e outras situações cotidianas de uma forma bem singular. A fotografia naquela época começou a ser usada de uma maneira cada vez menos tradicional. Lorca e outros fotógrafos do fotocineclube Bandeirantes começaram a usar técnicas diferentes para expressar os temas da cidade e do homem moderno, usando a fotografia como um meio de criar ficções.
A fotografia “Malandragem”, destacada acima, carrega vários elementos que denunciam seu lirismo. O primeiro é demonstrado pelo seu singular enquadramento. Os dois personagens da imagem, que aparentam ser homens vestidos com trajes sociais, estão parados um de frente para o outro com poses parecidas, porém invertidas, em uma espécie de espelhamento. O enquadramento, no entanto, não parece se preocupar em registrá-los por completo e se detém em apenas mostrar os seus pés. 
Por ser espelhado pelos dois personagens, o posicionamento dos pés, que em uma primeira olhada é o elemento mais forte para entender o que está acontecendo na cena,  sugere uma espécie de tramoia ou talvez um complô. Esse enquadramento pouco detalhista cria uma imediata sensação que elucida muito bem o próprio título da imagem “Malandragem”, como se o registro tivesse sido tirado às escondidas e os segredos dos dois personagens estivessem bem guardados. 
Um feixe de luz, no entanto, vai de encontro com uma poça d’água que está na rua e reflete a parte de cima dos personagens em uma silhueta um tanto turva. Esse elemento, que sem dúvida alguma foi proposital, instiga uma certa curiosidade, já que temos um vislumbre do que estava sendo tramado, porém sem ter uma resposta exata deixando o caminho livre para a imaginação criar narrativas e ficções.
Essa habilidade de German Lorca de não revelar tanta informação de imediato, faz com que cada detalhe conte o que está acontecendo em cena. A intenção aqui então não é meramente ilustrativa, é de criar um cenário que comunica com a sua época. “Malandragem” em sua essência fala sobre uma São Paulo escondida nas esquinas, que só pode ser vista à noite. É uma fotografia que te faz adentrar em um imaginário literário de uma capital cheia de suspense e mistérios prontos para serem descobertos. 
Apesar de conseguir exprimir uma naturalidade, de fato o registro em questão é considerado um pseudo flagrante como várias outras imagens do paulista. Em um bar no cruzamento das ruas Bresser e Almirante Barroso, Lorca posicionou os dois homens e montou a cena da imagem. Porém, esse fato não diminui ou exclui a beleza da obra. O preto e branco, a poça d’água, o espelhamento dos personagens. Cada elemento da imagem parece ter sido tirado de um filme de investigação, ou da releitura de um livro. Contrapondo a fotografia tradicional da época que focava mais no factual e no registro flagrante, Lorca usa de sua arte como uma forma de fazer poesia. 

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