Símbolos e nacionalismos

Mustafa Hassona, nos instiga com sua fotografia que evoca o quadro “A Liberdade guiando o povo” e a História de Davi e Golias. 

A imagem a seguir foi registrada por Mustafa Hassona na Faixa de Gaza no ano de 2018. Os conflitos que até hoje não cessaram, fazem parte da vida de Palestinos e Israelenses, que disputam o território no Oriente Médio. Na imagem observamos um homem segurando uma bandeira palestina e  girando uma funda.



Mustafa Hassona

A Palestina é uma área da região oriental do Mediterrâneo, que compreende partes de Israel e os territórios da Faixa de Gaza (ao longo da costa do Mar Mediterrâneo) e da Cisjordânia (a oeste do Rio Jordão).

Tanto a área geográfica designada Palestina, quanto o status político dela, mudaram ao longo de três milênios atrás.  A região (ou pelo menos parte dela), também é conhecida como Terra Santa e é considerada sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos. Desde meados do século XX, ela é objeto de reivindicações conflitantes de movimentos nacionalistas judeus e árabes.

A cena registrada por Mustafa Hassona em 2018, evoca vários símbolos de luta e resistência. Ela foi muito comparada com a narrativa dos personagens bíblicos Davi e Golias, assim como com a pintura “A Liberdade guiando o povo” (imagem seguinte), do artista francês Eugène Delacroix. 

O homem em primeiro plano, no centro da fotografia, destaca-se e dá o enredo principal à narrativa fotográfica. Ele carrega a bandeira do seu país (Palestina, uma das presenças que evocam a pintura de Delacroix) e gira uma funda (que evoca a história de Davi e Golias). Tais símbolos evidenciam uma luta coletiva e de representatividade, ou seja, a reivindicação não é somente ligada a um sujeito.

Postas estas questões, poderia o fotojornalista, ter pensado acerca dessas proximidades? 
Obviamente a provocação é clara, aliás os símbolos são fortemente trabalhados na sua fotografia. Podemos perceber isso pelo ângulo frontal da foto que dá destaque ao protagonista, à bandeira e a funda.

Tais evidências, nos mostram que existe uma cultura atuante em conflitos nacionalistas. Se pensarmos em Davi e Golias, ainda não estamos falando da construção de uma nação, mas estamos operando com símbolos que representam a luta de um povo.

As lutas sociais, portanto,  estão diretamente ligadas a esses símbolos de representatividade. Tanto na fotografia de Hassona, quanto no quadro de Delacroix, a bandeira e as armas, acentuam essa característica da reivindicação nacionalista.


Delacroix. A liberdade guiando o povo, 1830.

Há outra questão muito interessante para pensarmos a comparação da fotografia com pintura. A câmera fotográfica, tecnologia que surgiu em meados do XIX, foi vista com bastante relutância na época. Baudelaire dizia que a fotografia era um tipo de refúgio ao qual se apega “todos os pintores frustrados”, aliás considerava-se a imagem fotografada resultado da máquina e não do artista.

Todavia o desenvolvimento da  história da arte e da semiótica (estudo da imagem), fluem direção contrária à essa perspectiva. Percebemos por meio desses estudos que tanto o olhar do fotógrafo para a cena, quanto as técnicas por ele trabalhadas juntas a fotografia constituem o enredo do seu trabalho.

Sendo assim, por meio dessa fotografia de Mustafa Hassona observamos esses dois contrapontos: o da presença de uma luta nacionalista no Oriente Médio e da potencialidade e possibilidades dos registros fotográficos. Porquanto essas considerações trazem à tona a importância do olhar do fotógrafo/artista e a presença das suas referências nos resultados finais de suas narrativas.

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.


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Luz à pino nas fotografias de Mustafa Hassona

A “luz à pino” é o destaque em obras do fotojornalista palestino que registra conflitos na faixa de gaza.


Mustafa Hassona atua desde 2007 registrando conflitos na Faixa de Gaza, Palestina. Ele trabalhou como freelancer para Agence France Press (AFP), para a Anadolu Agency (AA) e vários outros vários veículos de imprensa internacionais. Também é vencedor de vários prêmios, sendo o mais recente deles o prêmio de narrativa visual da LENSCULTURE  2019.



Mustafa Hassona.

A luz de Pino  é uma posição da fonte de luz em relação à cena fotografada. Hassana utiliza esse método de iluminação para direcionar o nosso olhar a experiências específicas de reivindicação na Faixa de Gaza, dentre outras. Dessa maneira, ele revela experiências específicas em meio a um cenário.Importante ressaltar que o autor usa a luz a pino de modo artificial, após realizar o registro, mediante a aplicação de recursos de pós-produção.

Mustafa Hassona

Mustafa Hassona


Mustafa Hassona

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O abutre e a menina

A foto que evidenciou a fome no Sudão e entrou para a história do fotojornalismo

A foto que evidenciou a fome no Sudão e entrou para a história do fotojornalismo 

O abutre e a menina é uma fotografia feita por Kevin Carter, em 11 de março de 1993, no Sudão, momento em que o país sofria uma guerra civil e enfrentava sua maior crise humanitária no século XX. A foto, que retrata uma situação de miséria e medo, mostra um abutre olhando para uma criança esquelética.

Kevin Carter 

A produção dessa foto foi possível em função de uma ação da Organização das Nações Unidas (ONU) para sensibilizar a opinião pública internacional em relação à situação de penúria da população sudanesa. Para isso, a ONU convidou dois fotojornalistas para integrar a comitiva que foi para o sul do Sudão: Kevin Carter e João Silva.

O momento em que Kevin registra a foto do abutre e a menina é quando está nesse campo a céu aberto, acompanhando a distribuição de alimentos pelos funcionários da ONU e esperando alguma possibilidade de clique, até que encontra a cena da ave olhando para a criança.

Foi essa imagem do abutre e a menina que pouco tempo depois foi publicada no jornal The New York Times e replicada em todos os grandes jornais do mundo e fez Carter ganhar grande visibilidade e a fome no Sudão ser vista e a ONU arrecadar doações para o país. Além disso, no ano seguinte, em 1994, o fotógrafo ganhou o prêmio Pulitzer de fotografia.

Após a publicação dessa foto, Kevin teve sua postura questionada pela opinião pública que queria saber o que aconteceu com a menina e se ele a teria ajudado. Ele conta que espantou o abutre e que sentou e chorou debaixo de uma árvore. Depois também disse que a menina se levantou e caminhou até a clínica médica, onde João Silva estava fotografando. Porém, a opinião pública não ficou satisfeita com essas explicações e indagou porque ele não levou a menina para um lugar seguro.

Toda essa história gerou um debate sobre a atuação de jornalistas e fotojornalistas em cenários de guerra, se eles deveriam prestar assistência ou apenas seremos observadores. Todos esses questionamentos perturbaram muito Carter, que não soube lidar com a situação, pois já enfrentava uma série de problemas pessoais como depressão, relacionamentos amorosos mal sucedidos, uso abusivo de álcool e outras drogas e endividamento. Assim, no dia 27 de julho de 1994, aos 33 anos, ele levou seu carro até um local de sua infância e cometeu suicídio.

Uma descoberta importante dessa foto é que apesar de todos acharem que era uma menina na foto, na verdade, era um menino. Uma equipe de jornalistas voltou para a aldeia de Ayod, no Sudão, para reconstruir a história daquela fotografia e tentar descobrir quem era a criança, e nisso, descobriram que era um menino chamado Kong Nyong. Com essa pista, dois dias depois, a equipe chegou à família do menino. O pai confirmou que a criança da foto de Kevin Carter era seu filho e que ele se recuperou da desnutrição e sobreviveu. O pai também disse que Kong morreu já adulto em 2006, devido a uma forte febre.

Para além de toda história por trás da foto, a relação do abutre e da menina, que parece ser somente de presa e predador, me transmite, de forma subjetiva, uma denúncia da própria ave da situação precária que a criança estava, ou seja, o abutre também tem o papel de evidenciar que aquela criança precisava de ajuda.

Uma outra perspectiva que me desperta da fotografia é como essa foto feita há 30 anos atrás em um país localizado do outro lado do oceano atlântico remete a situação atual de fome que o Brasil enfrenta, em que o abutre ali presente pode ser representado como o governo atual brasileiro, que não cria soluções para resolver o problema e somente fica observando agravar. Já a criança pode ser representada como os 19,1 milhões de brasileiros já atingidos pela fome, conforme dados da CNN Brasil. A imagem mostra a situação do Sudão naquele momento, mas também faz alusão a outros momentos trágicos que o mundo vive, como a pandemia de COVID-19 que acentuou a fome.

A foto no meu ver propõe uma reflexão sobre como nós, sociedade, lidamos com as desigualdades que atravessam as pessoas. Seríamos nós abutres que ficam só observando sem tomar qualquer atitude e esperando ¨apodrecer¨ ?  É sobre pensar em humanidade e alteridade.

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CALIXTO, Vitória. O abutre e a menina. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/o-abutre-e-a-menina/>. Publicado em: 24/11/2021. Acessado em: [informar data].

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Roger Cipó

Fotógrafo, pesquisador, candomblecista e militante contra os crimes de intolerância religiosa e racismo.

Fotógrafo, pesquisador, candomblecista e militante contra os crimes de intolerância religiosa e racismo.

Roger Cipó nasceu na periferia de Diadema. É um jovem negro apaixonado pela fotografia e um homem de muita fé, por isso juntou o amor pela religião e pela arte de foto e criou nas redes sociais a plataforma Olhar de um Cipó, em que documenta as religiões de matriz africana.

Roger Cipó

Suas produções e pesquisas fotográficas focadas em terreiros de candomblé, tem como objetivo estudar as diversas estruturas que baseiam as sociedades afro religiosas de São Paulo, além de divulgar as belezas e riquezas existentes no cotidiano social, cultural e ritualístico das comunidades. Em seu trabalho, as fotos ultrapassam a condição de documentação e assumem o papel de instrumento sensibilizador, propondo reflexão sobre a verdadeira imagem dos cultos afros para assim, quebrar as barreiras do preconceito de quem não os conhece.

Roger Cipó

Roger Cipó
Roger Cipó
Roger Cipó

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CALIXTO, Vitória. Roger Cipó. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/roger-cipo/>. Publicado em: 22/11/2021. Acessado em: [informar a data].

O menino do Rio Negro

Fotografia de Araquém de Alcântara evoca o equilíbrio entre gente e meio ambiente
Um jovem segura uma cobra em volta de seu pescoço, ao que tudo indica, durante um passeio de canoa no Rio Negro, Amazonas. A cena não só expressa uma beleza única, como também é um portal para entendermos como o fotógrafo responsável pela obra, Araquém de Alcântara, enxerga o mundo. 
Araquém de Alcântara

Esse cenário pode ser considerado incomum para muitos que não vivem na região. Em uma visão centrada no sudeste do país, a princípio me peguei estranhando tal comportamento a ponto de considerá-lo perigoso e impróprio. Porém, ao refletir um pouco sobre o personagem presente no registro e as prováveis diferenças culturais que compartilho com ele, comecei a reconhecer que alguns desses sentimentos partiam de minha ignorância.
Ao contrário de mim, Araquém de Alcântara parece enxergar a beleza desse encontro entre os dois, uma vez que registra o momento como algo singelo e despreocupado, expressando uma das características mais fortes do seu trabalho, mostrar a relação íntima entre seres humanos e o meio ambiente.    
A forma como o garoto segura o animal, de maneira firme e decidida denota a sua naturalidade com a situação. Não parece temer um ataque da cobra, pelo contrário, tamanha frivolidade ao lidar com a situação denuncia que talvez não seja a primeira vez que vivencia algo do tipo. 
O preto e branco da imagem existem por conta do caráter documental da obra do fotógrafo. No entanto, esse elemento ajuda a criar um fator harmônico entre os personagens. Esse bom relacionamento entre os dois cria uma sensação de sustentabilidade que é reforçada pela retirada das cores, fazendo com que os dois corpos sejam difíceis de distinguir. 
Uma das questões que a fotografia levanta é “se é possível viver em paz com animais selvagens”. Afinal, não são todos que reagiriam de maneira tão pacífica quanto aquela cobra. O cenário e momento escolhidos, mostram como esse encontro entre dois moradores da mesma região, só é possível pelos dois personagens serem familiares um com o outro.
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Um olhar sobre Araquém de Alcântara

Entre o povo e a natureza, fotógrafo se dedica a registrar as belezas do Brasil
Pioneiro na fotografia ambiental brasileira, Araquém de Alcântara Pereira é considerado um dos fotógrafos mais importantes do país. Com mais de 50 anos de carreira, utilizou seu trabalho como forma de protesto em defesa da causa ecológica. 


Araquém de Alcantara

O fotógrafo, professor e jornalista nasceu em Florianópolis, no ano de 1951. Durante sua graduação na Universidade de Santos, começou a trabalhar como repórter para o jornal Estado de S. Paulo e para o Jornal da Tarde. Foi após uma cobertura documental do Parque da Juréia, em Iguapé, São Paulo,  que passou a fazer diversas expedições ambientais, especialmente para a Mata Atlântica. 
Em 1988, publicou a sua primeira obra intitulada “Terra Brasil”, contendo fotografias dos parques nacionais, que se tornou o livro sobre fotografia mais vendido em todos os tempos no país. Também foi o primeiro fotógrafo brasileiro a trabalhar para National Geographic, se consolidando ainda mais como um ícone no cenário brasileiro. 
Araquém de Alcântara
Araquém de Alcântara

Araquém de Alcântara
Araquém de Alcântara

Araquém de Alcântara

Araquém de Alcântara

Araquém de Alcântara

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A autoimolação de Thich Quang Duc

A fotografia do monge em chamas ainda causa choque 58 anos depois e se tornou símbolo de revolução.

Algumas imagens se tornam permanentes no imaginário do público, seja por sua alta difusão, importância cultural ou por se tornarem um marco que é constantemente relembrado. A obra “A autoimolação do monge” é uma das cenas mais chocantes e icônicas da história da fotografia que não só aterrorizou diversas pessoas, como também ajudou a trazer discussões que antes não recebiam a devida atenção. 
Malcolm Wilde Browne

A serenidade do monge e a fúria do fogo são dois estados conflitantes que se misturam em um emaranhado de significados. Mesmo com a metade de seu corpo  sendo tomada pelas chamas, Thich Quang Duc continua imóvel, sentado em uma posição de meditação. É difícil determinar o que exatamente estava pensando enquanto tudo ocorria, ou como conseguiu suportar a dor de queimar até a morte, mas não somente a fotografia, diversas testemunhas oculares citam não terem visto o monge se mover em momento algum, apenas quando seu corpo caiu morto no chão.
Ao observar mais ao fundo é possível enxergar diversos outros monges que observam, sem intervenções, atentamente tudo o que está ocorrendo.  O galão branco no lado esquerdo inferior da imagem serve como uma explicação de qual é a origem do fogo, além de deixar claro que o ato foi proposital. E assim, com muita naturalidade, um dos maiores medos humanos, morrer queimado, é representado como uma escolha.  
O fotógrafo Malcolm Wilde Browne, responsável pelo registo,  explica que começou a fotografar imediatamente como uma forma de conseguir lidar com aquela cena pavorosa. Ver uma pessoa morrer aos poucos é uma cena difícil de digerir. Browne parece encontrar atrás da câmera um local de refúgio.  Apesar do choque, o registro foi bem calculado, uma vez que a manifestação havia sido divulgada anteriormente pelos monges. o feito garantiu o Prêmio Pulitzer de Serviço Público e de Foto do Ano pela World Press Photo para o fotógrafo. 
Tudo começou no dia 11 de junho de 1963. O Vietnã do Sul passava por uma intensa tensão religiosa em que o regime de Ngo Dinh Diem perseguia monges budistas e havia criado uma política religiosa que excluía o budismo. Durante um protesto contra o governo na cidade de Saigon, o monge Mahayan Thich Quang Duc, que tinha 66 anos na época, resolveu cometer a autoimolação como forma de protesto. A Guerra do Vietnã que já durava 5 anos, fez com que a invasão de culturas ocidentais, principalmente do domínio americano, fizessem com que a influência do catolicismo se fortalecesse ainda mais, facilitando com que Diem tomasse medidas discriminatórias contra os budistas. Porém, mesmo entendendo o contexto por trás da fotografia, ainda é difícil de mensurar o que leva um homem pacífico a atear fogo sobre o próprio corpo. 
A autoimolação é o ato de atear fogo sobre o próprio corpo, normalmente como protesto ou martírio (Dicionário Informal). Parte do choque e do horror despertados em diversas pessoas que entraram em contato com a fotografia, vinham de uma disparidade entre culturas. A autoimolação é na verdade um tipo de protesto comumente usado no hinduísmo e xintoísmo, em uma espécie de ritual que poderia representar protesto, devoção ou renúncia. O sati, por exemplo, era um antigo costume de comunidades hindus em que uma esposa viúva cometia um ritual de se jogar ao fogo junto de seu marido morto, até que foi proibido pelas leis do Estado Indiano. Além disso, apesar do suicídio ser um desvio dos preceitos do budismo, o ato também é utilizado como protesto por muitos monges e praticantes, sendo uma prática controversa entre autoridades budistas que debatem sobre sua relação com as tradições religiosas. 
Mohamed Bouazizi, cuja autoimolação é considerada por muitos como o estopim da Primavera Árabe, é um exemplo de como a prática também é muito forte no Oriente Médio como um todo, além de revelar como o ato pode gerar uma movimentação social inexplicável. A onda de protestos que seguem essa mesma linha acontecem até os dias de hoje, muitos inspirados em Bouazizi. 
Para entender a autoimolação  em casos como esse da imagem, é importante ressignificá-los além da categorização de “suicídio”. Para muitos admiradores de Thich Quang Duc e Bouazizi, morrer em prol da religião e da liberdade de um povo é um ato de revolução. Mais do que desespero, é um ato de justiça, sacrifício e devoção. 
São nesses momentos que percebemos a importância do fotojornalismo. Caso Browne não tivesse registrado o momento, o resto do mundo não viraria os seus olhos para a Guerra do Vietnã e o governo de Duc não anunciaria reformas a fim de tentar negociar com a população. O monge foi e ainda é visto como um símbolo de bravura e resistência, fazendo com que muitos monges da época chegassem a cometer a autoimolação após a divulgação da imagem.
A fotografia foi mais tarde utilizada como capa do álbum de estréia da banda Rage Against The Machine, demonstrando o seu impacto até mesmo na cultura pop. As músicas que carregam comentários políticos parecem levar a imagem do monge como a de um símbolo de revolução, assim como os budistas. Isto mostra que o poder da fotografia de Browne fez com que Thich Quang Duc virasse um signo de luta que qualquer pessoa possa se identificar, mesmo que sua realidade seja bem diferente da de um vietnamita daquela época.  
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Os Flagelados da Seca no Ceará

A foto de Juca Martins mostra o abismo econômico que existe entre as classes mais ricas e mais pobres no Brasil

A foto de Juca Martins mostra o abismo econômico que existe entre as classes mais ricas e mais pobres no Brasil

Tirada em 1983, pelo fotojornalista Juca Martins, quando ele foi cobrir os impactos de um dos mais longos períodos de estiagem que atingiu o país, a foto mostra pessoas com vestes simples, à beira de uma estrada. Elas erguem suas mãos em súplica na direção de um Chevrolet Opala, um dos carros mais luxuosos de sua época, o carro apenas entra na contramão para se distanciar e segue seu caminho. 

Juca Martins

Na época retratada, o nordeste do país estava passando por um dos piores períodos de seca de sua história. Ele durou de 1979 a 1985, atingindo seu ápice em 1981. Criações de animais e plantações inteiras morreram, deixando milhares de famílias sem ter o que comer. Diante desta situação, João Figueiredo, presidente do regime ditatorial, declarou que “Só nos resta rezar para chover”.

Além da seca, o país também sofria com índices altíssimos de inflação. Com o intuito de contê-la, os militares criaram um modelo econômico que levou ao que ficou conhecido como “milagre econômico”, período com índices de inflação baixíssimos e com o PIB elevado. Porém, o modelo era mal planejado e por mais que a inflação tivesse caído a desigualdade social disparou e a economia ficou extremamente dependente da exportação de commodities. Em 1979, com a segunda crise do petróleo, a economia despencou, a inflação chegou a 200% e o país se viu afundado em dívidas.

O suposto “milagre econômico”, responsável por enfraquecer sindicatos e privar milhares de trabalhadores de seus direitos, acabou deixando o país em uma situação econômica ainda pior, na qual o 1% mais rico da sociedade detinha 30% de toda a renda do país.

Com essa composição, o fotojornalista traz uma mistura entre o chocante e o sutil. A fotografia com toda certeza tece críticas fortes ao governo da época, juntamente com seus modelos econômicos, mesmo sem fazer menção a ele. Isso era essencial para todos os profissionais de imprensa da época, devido a forte censura feita pelos militares, que, mesmo reduzida na época, ainda poderia ser perigosa para os jornais, mas principalmente para os jornalistas.  Na foto,

Juca Martins capta uma síntese de todos esses 20 anos de história. A direita vemos um Chevrolet Opala, fabricado em 1976, período auge do “milagre econômico”, representando o melhor da industrialização desenfreada, ocorrida com a vinda das montadoras automobilísticas para o Brasil. E a esquerda, separados do Opala por uma linha contínua, uma família faminta e sedenta, que, diferentemente da indústria, não recebeu nenhum auxílio governamental e apenas implora ajuda para uma elite econômica que insiste em ignorá-la.

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CAVALHEIRO, Pedro Olavo Pedroso. Os Flagelados da Seca no Ceará. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/os-flagelados-da-seca-no-ceara/>. Publicado em: 06 de out. de 2021. Acessado em: [informar data].

Evandro Teixeira

Fotojornalista documentou importantes períodos da história do Brasil

Fotojornalista documentou importantes períodos da história do Brasil

Nascido na cidade de Irajuba, na Bahia, no ano de 1935, ainda muito novo, teve como professor de fotografia Teotônio Rocha, primo do diretor Glauber Rocha. Sua carreira como fotojornalista iniciou-se 1958,  no jornal Diário da Noite, onde era encarregado de fotografar casamentos que eram comentados nas páginas do periódico.

Evandro Teixeira

Em 1963, ele entra para o Jornal do Brasil, onde segue trabalhando até o ano de 2010. Sua obra possui uma pluralidade inegável, já que se destacou em vários campos relacionados à cobertura jornalística, desde temas referentes à política até fotografias de esporte. Em 1964, cobriu o golpe civil militar responsável por instaurar uma ditadura no país. Foi o único fotógrafo a ter acesso ao forte de Copacabana na madrugada do dia 1º de abril, onde registrou a chegada de Castelo Branco para seu pronunciamento e tomada de posse.

Também registrou as manifestações estudantis de 1968 e a derrubada do governo de Salvador Allende em 1973. Durante sua carreira publicou livros icônicos como “Fotojornalismo”, “Canudos 100 anos” e “68 destinos : passeata dos 100 mil”. Sua obra também foi imortalizada pelo poeta Carlos Drummond de Andrade, que dedicou a ele um dos poemas do livro “Amar se aprende amando”.

Evandro Teixeira
Evandro Teixeira
Evandro Teixeira
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CAVALHEIRO, Pedro Olavo Pedroso. Evandro Teixeira. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/evandro-teixeira/>. Publicado em: 04 de out. de 2021. Acessado em: [informar data].

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