Um olhar para o bem que há no mal

Como um animal se torna um símbolo

Como um animal se torna um símbolo

Lobos são ágeis, fortes, rápidos, inteligentes, de faro apurado e caçadores natos. São os animais que mais se aproximam de uma formação militar, em sua composição de alcateia, com estabelecida hierarquia entre os membros, porém, com respeito e amor. Afinal, até mesmo em esquadrões, o sentimento de família entre seus componentes está presente. Com os lupinos essa relação é ainda mais forte. 

Lobo preto olhando para a câmera num cenário congelado sarapintado de troncos de árvores congelados.
Conrad Tan

Para diferentes culturas, lobos são animais simbólicos. Nas culturas indígenas e de outros povos, e mesmo na heráldica, na mitologia e cultura popular, estes animais possuem diversos significados. Podem representar o que é sagrado, místico, ou mesmo o que é demoníaco. Não existe consenso sobre o que um lobo pode representar culturalmente; menos ainda um lobo preto, em paralelo ao racismo.

Para a ciência, o lobo preto é uma variação do lobo-cinzento; uma mutação que ocorreu ao longo dos anos, através do cruzamento entre o lobo-cinzento e cães domésticos, possivelmente de pelagem preta. E justamente por serem mutantes, são animais raros e de difícil encontro com seres-humanos. 

Para o senso-comum, lobos pretos preenchem o imaginário popular com inúmeras interpretações; nem todas positivas. Basta uma simples pesquisa na internet para observar como a agressividade, a violência, o profano e tantas outras características negativas e obscuras são associadas à cor preta, em especial, atribuídas aos animais carnívoros, que se alimentam do cadáver de outros animais para sobreviver.

Desde muito novo me entendo como uma pessoa dualista, vivendo eternos dilemas, como a mestiçagem racial. Afinal, pertencer a duas famílias, com matrizes culturais, políticas, étnicas e religiosas tão diferentes, gera a sensação de não-pertencimento total em nenhum ambiente; mesmo em casa. Nesse sentido sou tão mestiço, tão mutante quanto os lobos pretos; nem totalmente lobo, nem totalmente cão.

Para mim, lobos pretos são um guia espiritual. Enxergo neles, tudo aquilo que encanta aos olhos infantis, que restaura o imaginário que se perde na vida adulta. São exemplos de como nem toda associação à nossa imagem social são verdades absolutas. Podendo ser, simplesmente, reflexo da estupidez humana e de sua própria sede por sangue e violência, refletidas no outro pela aparência, não pela essência.

Ainda para mim, lobos representam a liderança. Diferentes dos cães, os lobos demandam a liberdade de viverem isolados, ainda que, próximos daqueles que compõem suas matrizes familiares e exércitos pessoais. Um contraste de como a nossa relação com os cães domésticos, também pode ser associada com a necessidade de liderança humana.

Os líderes mais representativos para seres humanos são os políticos que, muitas vezes, são pejorativamente chamados de lobos; como se isso fosse algo ruim. A sociedade contemporânea, está repleta de homens gananciosos, maldosos, mentalidades corruptas e bolsos cheios: a essência mais realista do que é demoníaco e violento no mundo real e que é praticada na política e não na esfera selvagem.

É com os políticos, com seus pés envoltos em sapatos lustrosos, debaixo do teto de edifícios luxuosos, em encontros secretos com pessoas que se fizeram importantes sujando as mãos de terceiros com sangue, que, justamente, se originam a maioria dos problemas sociais que o mundo enfrenta atualmente, como: a fome, a miséria, o aquecimento global, a intolerância, a ignorância, o preconceito e tantos outros.

Lupus est homo homini lupus, como dito por Thomas Hobbes, filósofo inglês do século XVII, retrata bem essa mentalidade. Mas discordo dele quando nomeia  homens como lobos na frase supracitada em latim. Eu os nomearia não como animais, mas como o que são, de fato: homens. Homini est homo homini homo, ou, o homem é o HOMEM do próprio homem, faz mais sentido perante os meus olhos. 

Políticos brasileiros têm se colocado como prioridade. Estão estrategicamente posicionados na sociedade em benefício próprio, nas posições mais seguras. Como poderiam os líderes de nossa sociedade serem chamados de lobos, se numa alcateia, a composição de uma matilha é compartilhada e coletiva pelo significado verdadeiro do que é equidade?! 

Numa alcateia os lobos mais velhos ditam o compasso da caminhada, pois são os mais frágeis. Atrás deles, os lobos mais fortes constituem a linha de frente. No meio, os lobos mais jovens e menores constituem um pelotão. E por último, o casal de lobos alfa, protege e assegura a integridade da matilha. Eles se colocam em uma posição arriscada, para o bem da matilha.

Chega a ser irônico, então, como essas associações negativas atreladas aos lobos são. Irônicas, para não serem chamadas de injustas. Lobos talvez sejam os animais com o maior significado de humanidade que tentamos tanto dar para nós mesmos, quando somos nós que possuímos o significado demoníaco de senso-comum, associado aos lobos devido a uma parcela realisticamente demoníaca da sociedade.

Links, Referências e Créditos

Como citar este artigo

BRITO, C. S. O mal que há no bem. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/um-olhar-para-o-bem-que-ha-no-mal/>. Publicado em: 04 de maio de 2023. Acessado em: [informar data].

Um olhar para o mal que há no bem

Como um animal se torna um símbolo

Como um animal se torna um símbolo

O animismo explica a essência do pensamento de povos originários, compostos por pessoas que mantêm sua cultura, juízo de valores e crenças num mundo que se encaminha mais e mais fortemente para uma realidade de senso-comum fortalecido. Senso-comum que não é agora, e nem nunca foi antes, sinônimo de inteligência social, mas de uma arbitrariedade, que pode, e muitas vezes é, de fato, desinteligente.

 Lobo branco do ártico olhando para a câmera de cima de um tronco de árvore num cenário arbóreo e escuro.
Jef Wodniack

Para a cultura, a cor branca sempre esteve associada com a pureza, a dignidade, ou ao que é sagrado. É a cor que também representa a pureza. Para muitas culturas, e inclusive, para o senso-comum é o branco que melhor representa a bondade. Um paralelo com uma sociedade que por tanto tempo valoriza a pele clara de homens caucasianos.

Para a ciência, a cor branca é a junção das luzes de todas as outras cores. Assim como, em paralelo ao racismo, geralmente é o homem branco que é a voz representante de todas as outras etnias; falando por todos os grupos de pessoas o quanto eles devem se submeter à sua liderança.

Entretanto, a pele de muitos caucasianos não é branca. A cor real se aproxima muito mais de um tom rosado ou alaranjado muito claro. Nem mesmo a pele negra é verdadeiramente preta, e se aproxima muito mais do marrom. Entretanto, com as cores sendo associadas à características culturais como o sagrado e o profano, acabamos nos chamando, por senso-comum, de brancos e negros.

Para mim, a cor branca é a cor da injustiça. É a cor que tenta reger o caos que é a vida em sociedade e que tenta estabelecer padrões de harmonia irreais e inalcançáveis. É a cor da ignorância, do papel em branco, onde qualquer associação que se faça estará escrita em realidade. É a cor das sentenças de morte, por onde o espectro da luz vermelha respinga e goteja nas peles escuras, nos pêlos escuros. 

Na realidade, ao que concerne à cultura, lobos significam muitas coisas, entre elas a sabedoria. Para a ciência, o lobo do ártico é um animal que vive em ambientes gelados e se camufla para caçar com ajuda dos pêlos alvos na neve. Já para mim, esses animais são símbolos da verdadeira pureza, como é qualquer outro animal que consome do planeta apenas o necessário para sobreviver.

O lobo branco possui muitos paralelos com os homens num mundo moldado em tons de cinza, como certamente também possuem os lobos pretos. São o que enxergamos em nós mesmos. A culpa que atribuímos aos outros. São amor e ódio. O encontro de dois amantes e a traição de alguém. São yin e yang. Água e vinho. São harmonia e são caos. São a lealdade. A inocência e a culpa que cada um de nós carrega em seus olhos.

Como citar este artigo

BRITO, C. S. O mal que há no bem. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: https://culturafotografica.com.br/um-olhar-para-o-mal-que-ha-no-bem/. Publicado em: 25 de abr. 2023. Acessado em: [informar data].

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