O vislumbre do amor à primeira vista no instante em que ele ocorre.
Daido Moriyama é subversivo. Reconhecido pelo uso de câmeras compactas comumente utilizadas por turistas com o intuito de não deixar os transeuntes – recorrentes objetos de suas fotografias – desconfortáveis. O fotógrafo não teme a vida urbana e menos ainda a imperfeição proposital de seu trabalho.
Daido Moriyama |
Muito se debate se o amor à primeira vista existe e se pode ser fotografado. Como algo pode ser categorizado como “à primeira vista”? Onde é que acaba esse instante? O piscar de olhos? Os dois primeiros minutos de uma conversa? Daido Moriyama faz isso parecer possível; e fácil de responder.
A fotografia é dividida em três planos. No primeiro, uma mão segura num suporte do metrô. Esse plano contém apenas este elemento, mas me insere em seu contexto; consigo emergir totalmente naquela pessoa, observando aquela cena de dentro de seus limites.
No segundo plano, estão duas jovens colegiais. Uma na esquerda, de costas, deixada aquém da fotografia, está ali parcialmente. Não é para ela que olhamos. Mas a outra jovem nos dá um vislumbre do perfil de seu rosto, e nos olha de volta. Ainda que de soslaio.
Seu rosto é jovial, simpático e flerta com a ideia de “romance de transporte”. A moça aparenta olhar para a pessoa no primeiro plano. Seus lábios estão entreabertos, o cabelo jogado para trás das orelhas; todos sinais de um flerte, de um diálogo não-verbal e possivelmente romântico.
No terceiro plano, os limites do metrô se impõe onde uma porta está posicionada logo à frente das jovens. Se colocando ali como o fim da linha, um adeus iminente entre duas pessoas que julgo nunca terem se visto até então. E também uma futura barreira após o fim de um instante.
Esses três planos contam uma história comum e improvável, como uma paixão. Me pergunto se o amor à primeira vista é isso: olhar para alguém e estar ciente da improbabilidade de nunca mais vê-la e a frustração de uma conversa não iniciada. Isso explicaria a dúvida sobre a existência deste fenômeno.
É um vão entre duas pessoas que podem ou não se encontrar novamente, seja por contexto ou acaso. E a fotografia capta exatamente este momento. Não deixando claro, por impossibilidades da própria fotografia, como aquele momento sucedeu. Assim como muitos desses momentos não sucedem, de fato.
É mais fácil fotografar um evento astronômico, do que o vislumbre do nascimento de um amor genuíno entre duas pessoas desconhecidas numa fotografia; um momento efêmero, fadado à jamais se repetir tal como foi. O tempo muda tudo e ele escorre pelas nossas mãos.
Para mim a fotografia de Moriyama representa um sentimento inteiro, puro e verdadeiro e ao mesmo tempo tão facilmente amargado pela frustração de não se tomar uma iniciativa, de intervir ante a porta. Mas esperança não é capaz por si só de incidir o raio do amor novamente e no mesmo lugar.
#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.
Links, Referências e Créditos
Como citar esta postagem
BRITO, C. S. A primeira troca de olhares. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/a-primeira-troca-de-olhares/>. Publicado em: 22 de jun. de 2022. Acessado em: [informar data].