O Grande Hotel Budapeste, de 2014, é uma comédia ingênua que, pode não parecer, mas ensina muito sobre fotografia.
Baseado em dois livros do escritor austríaco Stefan Zweig (“Coração Impaciente” e “Êxtase da Tirania”) e dirigido por Wes Anderson, “O Grande Hotel Budapeste”, de 2014, narra como Zero Mustafa, um refugiado apátrida na fictícia República de Zubrowka, ex-mensageiro do hotel Grande Budapeste, se torna o seu proprietário ao se envolver no roubo de um quadro em 1932.
Não são novas na literatura e no cinema as narrativas cujos protagonistas são os próprios locais em que a história se passa. São lugares cujas paredes ouviram muitas histórias e, agora, as contam. O Grande Budapeste, eu diria, conta os seus dias de glória. Desde a primeira aparição do hotel, o filme deseja nos mostrar que aquele lugar já foi palco de grande luxo e sofisticação. Contudo, como paredes não falam, a história do hotel é apresentada por dois intermediários, o Autor, personagem inspirado em Stefan Zweig, que, por sua vez, a conhece através de Zero Mustafa, que em 1968 é o proprietário do hotel já em decadência.
A época de glória de ambos, de Zero e do Budapeste, acontece em 1932, quando Zero começa a trabalhar como mensageiro no hotel, que, naquela época, era muito bem gerido por seu concierge, o Monsieur Gustave, um homem francês muito vaidoso que tem muito orgulho do Budapeste. A República de Zubrowka é assolada por uma guerra iminente e o governo perceptivelmente é ditatorial, mas Monsieur Gustave é responsável por manter o fausto do hotel, como se uma redoma protegesse o local de perigos externos.
O tal do “governo perceptivelmente ditatorial” se assemelha a uma fusão de vários governos europeus da Primeira à Segunda Guerra, mas o filme nunca dá nome aos bois. A situação política é evidenciada, principalmente, através de metáforas visuais que nos remetem ao repertório que muitos de nós possuímos acerca desses governos.
Aliás, é a partir de metáforas visuais que os aspectos mais importantes desse filme são construídos, como o protagonismo do hotel e o humor absurdista. A construção do hotel, por exemplo, serve para definir, na obra, o que é luxuoso e o que é simples, o que é seguro e o que é perigoso. Para isso, o filme utiliza alguns princípios compositivos da fotografia que nós bem conhecemos, como proporção, pontos de vista e regra dos terços.
Arte e visual
A direção de fotografia do filme não é de todo inusitada para quem já assistiu outros filmes de Wes Anderson. Sua parceria com Robert Yeoman, diretor de fotografia, já soma mais de dez filmes. O abuso na centralização dos elementos e da simetria, o uso de ângulos inusuais (e às vezes absurdos) para efeito cômico e o enquadramento que sempre enfatiza o ambiente como um aspecto relevante para a ação são marcas dos filmes do diretor, mas que podem ser ditas como uma construção em conjunto com Yeoman.
Ao assistir aos filmes de Wes Anderson a impressão que tenho é que ele deseja usar todos os princípios de composição ao mesmo tempo, sem se importar de que sejam perceptíveis ao espectador ou pouco natural. “O Grande Hotel Budapeste”, porém, me parece sua obra mais convincente. Seus outros filmes geralmente me transmitem a sensação de que o diretor sabia o que queria, mas que o resto da equipe não conseguiu acompanhar. É o caso de “Os Excêntricos Tenenbaums”, filme do diretor que fica sempre entre a fantasia, que é a intenção, e o ridículo, que é o resultado de uma arte que não se leva a sério. A obra também não consegue ser tão esteticamente aprazível quanto O Grande Hotel Budapeste, que, não à toa, mesmo tendo perdido o Oscar de Melhor Fotografia, levou os Oscars de Melhor Produção de Arte, de Melhor Figurino e de Melhor Maquiagem e Penteados, atestando que toda a equipe artística estava comprometida com o visual do filme.
Por esses motivos, “O Grande Hotel Budapeste” é um ótimo filme para observar os princípios compositivos da fotografia, como os que são ensinados na nossa coluna #fotografetododia.
Considerações
“O Grande Hotel Budapeste” tem um visual marcante e uma fotografia que consegue utilizar os princípios de composição já conhecidos para criar cenas novas e inusitadas. Entretanto, mais do que um filme para observar aspectos da fotografia, “O Grande Hotel Budapeste” tem uma história que se sustenta e que diverte, com cenas que remetem ao clichê das comédias pastelão, mas que funciona como uma comédia madura, porque o filme se leva a sério e acredita em si. Dentro daquele mundo específico, o ridículo se torna o normal. Ademais, o seu visual de conto de fadas adulto é um alívio nesta quarentena e o filme nos faz acreditar nas palavras de Mounsier Gustave quando ele diz que “ainda resta uma centelha fraca de civilização neste matadouro selvagem que já foi conhecido como humanidade”.
Se você gostou desta postagem, temos também um #fotografetodia sobre o filme. Confira aqui! Para receber postagens como essa no seu email, assine a nossa newsletter.
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