Garota americana na Itália

Fotografia, tirada há 71 anos atrás, em agosto de 1951, mas que ainda representa a triste realidade de assédio sexual vivenciada pelas mulheres.

Nomeada originalmente como “American Girl in Italy”, a imagem tirada por Ruth Orkin, no ano de 1951, retrata a importunação sexual que Ninalee Allen sofreu ao caminhar pelas ruas de Florença.

Ruth Orkin

A fotógrafa e a estudante de Ciências Sociais conheceram-se por acaso em uma viagem à Europa e se tornaram amigas. Após perceberem que partilhavam da mesma experiência feminina de viajarem sozinhas, decidiram retratá-la por meio de um ensaio fotográfico.

Na foto, a estudante é retratada caminhando, aparentemente apressada, com uma multidão de homens a encarando de forma desrespeitosa e sexual. Ela está com o semblante angustiado e desconfortável, uma vez que sua expressão facial está séria e transmite preocupação. O modo como segura os objetos e se posiciona corporalmente reforçam essa suposição. Em razão disso, tenho a impressão de que Allen esperava ansiosamente para acabar o trajeto daquela rua, para ficar, de fato, aliviada de olhares constrangedores.

Essa fotografia me causa uma sensação de incômodo e aflição, porque, como mulher, vivencio constantemente situações de assédio sexual na rua ou em qualquer outro ambiente e, por isso, me familiarizei com a situação exposta na imagem. Infelizmente, devido ao machismo e ao patriarcado estabelecido na sociedade, as mulheres são sexualizadas e têm seus corpos vistos como objetos de gerar prazer aos homens. Como resultado, somos limitadas e prejudicadas o tempo todo. Temos medo de realizar ações simples e básicas, como andar nas ruas. Temos medo de olhares maldosos. E, principalmente, temos medo de perder a liberdade de ir e vir. Mas, na realidade, já não a temos por inteiro.

Nesse viés, há uma discussão acerca da influência que a vestimenta das pessoas do sexo feminino exerce sobre a atitude do assediador, uma vez que, mulheres que usam roupas justas e apertadas são depreciadas e erroneamente julgadas como “menos dignas de respeito”. Esse debate é extremamente problemático, pois, além de atribuir a culpa à vítima, inferioriza e fetichiza as mulheres. A fotografia apresentada é um claro exemplo do quanto essa suposição é equivocada, visto que, Ninalee tem seu corpo completamente coberto e, mesmo assim, é desrespeitada. Ou seja, a culpa não é da vítima!

A imagem me faz refletir sobre como os pensamentos e as visões de mundo mudam ao longo do tempo. Na década de 50, a foto foi vista por muitos, inclusive pela própria modelo, como símbolo de feminilidade, desejo e liberdade. Mas, hoje – ano de 2022 – essa representação tem um viés pejorativo, afinal, retrata uma cena de importunação sexual. Isso me faz questionar, como essa foto será interpretada daqui há 70 anos? Haverá uma grande discrepância em relação à visão atual?

O ensaio fotográfico tinha como objetivo incentivar outras mulheres a realizarem a mesma experiência que as amigas, Ruth e Ninalee, estavam vivenciando. Contudo, devido ao resultado obtido, a imagem adotou um viés completamente diferente do proposto inicialmente.

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

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