Categoria: Leitura

  • “Limpeza” na Praça

    Operação policial expulsa dependentes químicos da Praça Princesa Isabel, São Paulo, mostrando que ainda temos muito que evoluir no combate às drogas.

    Era para ser mais um Domingo naquela São Paulo de 2017, se não fosse uma operação policial. A mando dos governos municipal e estadual, funcionários expulsavam dependentes químicos da Praça Princesa Isabel, no centro da cidade. Mais uma vez, nos deparamos com a triste realidade dos usuários. E cruzamos os braços diante da ação do estado para “limpar” o ambiente, ignorando esforços para ajudar efetivamente os dependentes químicos a viver longe do vício.
    Praça ocupada por pertences dos dependentes. Em primeiro plano, há uma placa com os dizeres “Afaste-se à direita: homens trabalhando”. Ao fundo, vemos um grupo de funcionários municipais encarregados da “limpeza” do local. A maioria veste coletes alaranjados e roupas de proteção. Ao redor, vemos as árvores da praça que fazem sombra em quase todo local e um caminhão de lixo ao fundo. Neste mesmo plano, há  prédios da cidade.
     Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A imagem é do fotojornalista Daniel Arroyo em sua cobertura para o portal Ponte Jornalismo. No dia do ocorrido, o então governador e o prefeito de São Paulo acompanhavam a ação enquanto policiais impediam os antigos moradores de retornar ao local. O que fez com que estes dependentes ocupassem outros pontos na cidade.
    Na foto, a placa à esquerda com os dizeres “AFASTE-SE à Direita | homens trabalhando” nos convida a observar a cena do “trabalho” executado pelos funcionários. Com isso, o olhar segue o caminho que os pertences dos usuários fazem no chão até chegarmos aos trabalhadores.
    Os objetos estão misturados e foram queimados pelos donos como uma forma de defesa contra a polícia que chegava para expulsá-los. Agora, eles perdem o significado de antes. São colocados em sacolas e considerados lixo.  Não são mais artigos pessoais, e sim “apenas sujeira que essas pessoas acumularam.”
    Vendo a imagem, é impossível não fazer uma conexão com as ações higienistas na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Em que o governo municipal da época promoveu uma série de reformas que excluiu as populações mais pobres que, sendo expulsas de suas moradias no centro da cidade, ocuparam os morros, originaram as favelas cariocas. Obviamente, com suas ressalvas, observamos a ação excludente se repetir. O problema não é solucionado e os alvos mudam dessa vez.
    De tantas conexões e mensagens que podemos tirar da fotografia de Daniel, está a do governo que não chega a um planejamento e solução efetiva para avançar no combate às drogas. E que, ao invés de chegar a um resultado para esta questão, escolhe amenizar o problema expulsando “os usuários problemáticos” para que não incomodem os moradores dali.
    Mas de nada adianta varrer a poeira para debaixo do tapete. Uma prova disso é que, cinco dias depois do ocorrido, os usuários que ocupavam a Praça Princesa Isabel retornaram para a cracolândia. Dando continuidade ao ciclo da dependência e vivendo na vulnerabilidade das ruas. E assim o problema daquele Domingo de 2017 continua na grande São Paulo.
    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

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    MAIA, Amanda. “Limpeza” na Praça. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/06/Limpeza na Praca.html>. Publicado em: 6 de jul. de 2022. Acessado em: [informar data].
  • Campos de concentração para japoneses

    O preconceito sob o olhar de Dorothea Lange.

    A fotografia abaixo, tirada por Dorothea Lange, mostra um campo de concentração para japoneses nos Estados Unidos no período da Segunda Guerra Mundial. Nesses campos, que possuíam condições horríveis, eles eram obrigados a trabalhar de forma injusta e viviam presos, sem nunca ter cometido nenhum crime. Apenas em 1988 o Governo se desculpou oficialmente pelo estabelecimento de campos de concentração para cidadãos nipo-americanos nos Estados Unidos e admitiu que essa medida foi baseada em princípios racistas.


    Descrição: esta é uma fotografia em preto e branco onde há uma bandeira dos Estados Unidos no meio de um campo. Ao redor, há diversas casas iguais e ao fundo há algumas montanhas.
    Dorothea Lange 

    A fotógrafa fez um registro crítico e com teor expositivo do que de fato estava acontecendo ali. Pode-se notar isso a partir do foco em um elemento: a bandeira dos Estados Unidos centralizada em meio a um campo de concentração. Dorothea aceitou o trabalho justamente para denunciar a remoção dos cidadãos nipo-americanos e, por isso, suas fotografias foram confiscadas e censuradas pelo exército. Essas fotos ficaram guardadas no Arquivo Nacional sem acesso permitido até 2006. Após a liberação do trabalho de Dorothea em 2006, suas fotografias foram reunidas em um livro. 

    O trabalho de Dorothea Lange dá abertura para muitas questões, sendo uma delas o fato de que em plena Segunda Guerra Mundial, enquanto se combatia os nazistas e seus campos de concentração, os Estados Unidos também estavam – por motivações preconceituosas e etnocêntricas – removendo os cidadãos nipo-americanos para campos de concentração. Embora as propagandas do governo quisessem passar a imagem de que os Estados Unidos era uma nação democrática e de acolhimento à diversidade, por detrás dos panos, a realidade era outra. 

    A fotografia da autora demonstra toda a história citada acima. Inicialmente, ao olhar apenas a fotografia, pode-se ver um campo de trabalho dos Estados Unidos, posto que a bandeira é o grande foco da imagem e a paisagem atrás aparenta ter muita neve. Não se sabe, apenas olhando a foto, em que ano ela foi tirada ou se era um campo de trabalho forçado ou não. No entanto, ainda assim, muitas reflexões podem surgir a partir dela, como: por que em meio a segunda guerra mundial, há um campo de concentração nos Estados Unidos? Eles não estavam combatendo o fascismo alemão? Por que um campo de trabalho é normal nos Estados Unidos? Por que isso não é contado nos livros de história?

    Essas são algumas das perguntas que podem ser feitas ao olhar esta fotografia a fundo e entender, a partir da bandeira e de toda a história imperialista do país, que este não é um campo qualquer e que, tanto quanto em países fascistas, essa fotografia demonstra o preconceito e a desigualdade social entre os cidadãos dos Estados Unidos, mostrando assim que o sonho americano não é para todos como pintava as campanhas publicitárias antigamente, mas para alguns, especialmente para quem o governo do país aceitar como “aceitável”, pois até hoje há campos para latino-americanos, por exemplo, dentro dos Estados Unidos.

    Essa fotografia de Lange, mostra uma face escondida dos Estados Unidos e que, por sua vez, é tão obscura quanto o fascismo da Alemanha, Itália, Espanha, Japão e Portugal. Demonstra que apesar de não haver o discurso sobre a pureza americana, existem práticas que demonstram esse tipo de pensamento e preconceito.


    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.


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    SILVA, Jade Iasmin. Campos de concentração para japoneses. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/06/Campos%20de%20concentracao%20para%20japoneses.html>. Publicado em: 29 de jun. de 2022. Acessado em: [informar data].
  • A primeira troca de olhares

    A primeira troca de olhares

    O vislumbre do amor à primeira vista no instante em que ele ocorre.

     
    Daido Moriyama é subversivo. Reconhecido pelo uso de câmeras compactas comumente utilizadas por turistas com o intuito de não deixar os transeuntes – recorrentes objetos de suas fotografias – desconfortáveis. O fotógrafo não teme a vida urbana e menos ainda a imperfeição proposital de seu trabalho.
     
    No plano médio da foto duas jovens colegiais aguardam em frente de uma porta do metrô que está localizada no plano de fundo. E no primeiro plano uma mão segura num suporte do transporte. Fotografia granulada em preto e branco com alto contraste.
    Daido Moriyama
    Muito se debate se o amor à primeira vista existe e se pode ser fotografado. Como algo pode ser categorizado como “à primeira vista”? Onde é que acaba esse instante? O piscar de olhos? Os dois primeiros minutos de uma conversa? Daido Moriyama faz isso parecer possível; e fácil de responder.
     
    A fotografia é dividida em três planos. No primeiro, uma mão segura num suporte do metrô. Esse plano contém apenas este elemento, mas me insere em seu contexto; consigo emergir totalmente naquela pessoa, observando aquela cena de dentro de seus limites. 
     
    No segundo plano, estão duas jovens colegiais. Uma na esquerda, de costas, deixada aquém da fotografia, está ali parcialmente. Não é para ela que olhamos. Mas a outra jovem nos dá um vislumbre do perfil de seu rosto, e nos olha de volta. Ainda que de soslaio.
     
    Seu rosto é jovial, simpático e flerta com a ideia de “romance de transporte”. A moça aparenta olhar para a pessoa no primeiro plano. Seus lábios estão entreabertos, o cabelo jogado para trás das orelhas; todos sinais de um flerte, de um diálogo não-verbal e possivelmente romântico.
     
    No terceiro plano, os limites do metrô se impõe onde uma porta está posicionada logo à frente das jovens. Se colocando ali como o fim da linha, um adeus iminente entre duas pessoas que julgo nunca terem se visto até então.  E também uma futura barreira após o fim de um instante.
     
    Esses três planos contam uma história comum e improvável, como uma paixão. Me pergunto se o amor à primeira vista é isso: olhar para alguém e estar ciente da improbabilidade de nunca mais vê-la e a frustração de uma conversa não iniciada. Isso explicaria a dúvida sobre a existência deste fenômeno.
     
    É um vão entre duas pessoas que podem ou não se encontrar novamente, seja por contexto ou acaso. E a fotografia capta exatamente este momento. Não deixando claro, por impossibilidades da própria fotografia, como aquele momento sucedeu. Assim como muitos desses momentos não sucedem, de fato.
     
    É mais fácil fotografar um evento astronômico, do que o vislumbre do nascimento de um amor genuíno entre duas pessoas desconhecidas numa fotografia; um momento efêmero, fadado à jamais se repetir tal como foi. O tempo muda tudo e ele escorre pelas nossas mãos.
     
    Para mim a fotografia de Moriyama representa um sentimento inteiro, puro e verdadeiro e ao mesmo tempo tão facilmente amargado pela frustração de não se tomar uma iniciativa, de intervir ante a porta. Mas esperança não é capaz por si só de incidir o raio do amor novamente e no mesmo lugar.
     

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  • Entre o choque e a agonia: os últimos momentos de uma maternidade interrompida

    Registro de Evgeny Maloletka sintetiza a autodestruição da raça humana através da guerra.

    A fotografia tirada pelo jornalista e fotógrafo Evgeny Maloletka tornou-se um ícone da atual guerra entre a Rússia e a Ucrânia. O registro é do bombardeio na maternidade e hospital infantil da cidade de Mariupol, Ucrânia, que aconteceu em 9 de março de 2022 — no começo da guerra que ainda não terminou. Entre os feridos estavam funcionários e mulheres em trabalho de parto, sendo uma delas a vítima na imagem. 
    Uma gestante sendo socorrida em meio aos destroços da maternidade. Ela está sob uma maca e é carregada por quatro homens voluntários no resgate. É possível notar uma fumaça entre os destroços, pedaços da construção por todos os lados e galhos de árvores espalhados pelo chão.
    Evgeny Maloletka

    A foto de Maloletka é crua quanto à intensidade e seriedade do conflito.

    Observamos na fotografia uma vítima que parece estar em transe. Seu olhar nos revela o choque diante do acontecido. Ao mesmo tempo que ele parece perdido, como se ela estivesse desorientada com tudo o que acabara de viver.

    Parece que a vítima não é capaz de compreender o destino que a sua vida tomou. Por que isso acontecia justo com ela? Nada disso era sua culpa, ela não queria isso, ela não fez nada de errado para merecer essa tragédia.

    Ainda com o instinto materno se manifestando, percebemos que — ainda que tudo ao seu redor esteja dando errado — ela aparenta demonstrar forças pela criança em seu ventre. Sua mão na barriga é o gesto disso. Aparentando querer se conectar com o filho de alguma forma. E constatar se ele estava seguro ou mesmo que para dizer simplesmente: “estou aqui, vai ficar tudo bem”.

    A fotografia é a síntese do quão maldita é a guerra. Vemos aquilo que era um lugar cheio de vida, literalmente, se transformar em escombros que dividem espaço com árvores destruídas e fumaça. E notamos, ao redor da vítima, homens — que não imaginavam estar vivendo tudo isso — tentando acolhê-la; entre eles está um soldado.

    A guerra mostra o lado mais podre do ser humano, capaz de atingir um lugar onde crianças estão nascendo em prol de um milhão de interesses que no fim não significam nada perante uma vida. As pessoas conseguem passar por cima de tudo para ter o que querem, até mesmo privar um inocente de ver a luz do dia. #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.


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  • Resgate da ancestralidade negra

    Resgate da ancestralidade negra

    A ancestralidade resgatada em meio às águas flui se mantendo cada vez mais viva.
    A fotografia abaixo foi retratada pela artista visual Aline Motta, durante uma residência artística na Nigéria. Lá, desenvolveu o trabalho audiovisual chamado de “(Outros) Fundamentos”. Este projeto teve como objetivo desenvolver conexões entre o país africano e o Brasil, utilizando da água para realizar esta união.

    Mulher negra com trajes coloridos remando numa canoa. Ao fundo há casas de palafitas, pessoas reunidas ao redor delas e mais canoas ancoradas.
    Aline Motta

    A imagem mostra uma mulher feliz remando numa canoa. Ela não parece fazer o mínimo esforço ao remar, está tranquila e mantém seu olhar no horizonte. Suas roupas coloridas contrastam com o cinza das águas, trazendo mais vida à si e aumentando o foco sobre sua figura. No fundo da fotografia encontra-se uma vila com casas de palafitas que se ligam por pontes. A vila parece ser bem simples, aparentando pertencer a uma sociedade que se mantém através da atividade pesqueira.

    A água aparenta ser um importante fator na vivência dessa comunidade. Eles demonstram terem se adaptado a ela e aproveitado de seus benefícios para obter prosperidade. O oceano que permeia a vila sempre esteve ali, fornecendo alimentos para sua sobrevivência. Essas águas que ali se encontram rumam em outras direções levando as histórias daquele povo consigo, mantendo viva a cultura.

    Por meio das águas, povos foram retirados de seus países de origem e trazidos à força para serem escravizados no Brasil. Apesar de toda a violência cometida contra eles, as suas culturas persistiram. Mesmo que muitas vezes apagadas, elas se mantiveram resistentes como a água.

    Por meio dos trajes da mulher, é possível ver elementos da cultura africana que chegaram até o Brasil e que permanecem como símbolos de resistência ao longo da história. Esses elementos ainda necessitam ser resgatados para que não se perca as origens desses povos, bem como toda a história de luta que se encontra por trás desses símbolos.

    O fluxo da água move os olhos para as casas, para o que está ficando para trás, as memórias, as lembranças de um povo vão se revolvendo com as marés. A água em seu ciclo infinito leva as tradições para todos os cantos e retorna ao seu local de origem. Para mim, a água sempre esteve presente, a cada copo d’água tomado, a cada mergulho, a cada banho quente, sempre renovando a vida, fui crescendo com sua força transmitida a mim, enquanto ela observava tudo fazendo parte quase inteiramente do meu corpo. Minha história está nela e sua história está em mim.

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

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    PAES, Nathalia. Resgate da ancestralidade negra. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/04/resgate-da-ancestralidade-negra.html>. Publicado em: 1 de jun. de 2022 Acessado em: [informar data].
  • Joan E. Biren

    Joan E. Biren

    Nascida no ano de 1944, em Washington, Joan – também conhecida como JEB –  é uma profissional com uma vasta carreira acadêmica. Estudou ciência política em Massachusetts, onde realizou seu bacharelado em 1966. Anos mais tarde fez mestrado em comunicação em sua cidade natal e, após finalizar 0 doutorado em Oxford, Biren fez um curso de fotografia por correspondência e começou a trabalhar em uma loja de câmeras. Com este emprego, JEB tinha o objetivo de aprender a fotografar e retratar, com veracidade, o cotidiano de casais lésbicos.

    Joan E. Biren, já com idade mais avançada e cabelos grisalhos, sentada em um ambiente que parece ser uma biblioteca e olhando um livro de fotografias. Ela está com o semblante sério e atento, o que passa a impressão de que procura alguma imagem específica.
    Joan E. Biren

    O interesse pela temática surgiu pela falta de representatividade de mulheres lésbicas reais nas fotografias, nos livros e filmes. Joan, como integrante da comunidade LGBTQIA+, sentia-se incomodada por não se enxergar propriamente em nenhum espaço. Com isso, começou um trabalho revolucionário: mudar o olhar da sociedade em relação às mulheres homossexuais.

    A fim de atingir sua meta com êxito, Biren lançou seu primeiro livro, em 1979, nomeado: Eye to Eye: Portraits of Lesbians. Nele, foram retratadas  famílias lésbicas em sua rotina diária: os olhares apaixonados, o carinho com os filhos e os afazeres domésticos. Segundo as palavras da própria JEB, ela “tornou visível o que era invisível”. Ou seja, trouxe representatividade e acolhimento para pessoas que são colocadas à margem da sociedade.

    Duas mulheres, brancas e idosas, trocando carinho. Ambas vestem roupas de frio, o que remete a ideia de viverem num lugar que tenha temperatura amena.  A mulher da direita segura o cabelo de sua parceira e tem uma expressão facial que passa a impressão de estar sentindo um cheiro doce e agradável: o de sua amada. A mulher da esquerda, já grisalha, usa uma trança e olha para sua companheira com um semblante carismático: olhar fixo e sorriso entre os dentes.
    Joan E. Biren
    Duas mulheres pretas deitadas e abraçadas, em um lugar que parece ser um campo. A imagem transmite a sensação de aconchego, carinho e amor, pois aparentemente este abraço é um lugar de apoio e segurança para ambas.
    Joan E. Biren
    Mulher parcialmente nua, com os seios amostra, cortando um pedaço de madeira com um serrote. A modelo tem o cabelo curto e encaracolado, e utiliza luvas para o trabalho braçal. A imagem transmite um sentido de revolução e empoderamento, uma vez que, embora fosse julgada negativamente, a pessoa retratada aparenta estar confortável em estar sem blusa publicamente e em realizar uma tarefa considerada “masculina”.
    Joan E. Biren

    JEB nunca teve apoio institucional. Em razão de sua orientação sexual, sofreu homofobia na pele: não era devidamente valorizada como pessoa e profissional, nem recebia bolsas ou prêmios. Seu trabalho era todo auto-atribuído e auto-financiado. Por isso, Joan realizava apresentações pelos Estados Unidos, nas quais mostrava suas fotos, livros e filmes. Não recebia patrocínio, mas teve o apoio financeiro da comunidade lésbica com a compra de suas obras, o que a ajudou a sobreviver.

    Joan e as mulheres fotografadas se mostraram muito corajosas, pois aceitaram o risco de se expor publicamente diante de uma sociedade que era ainda mais machista e homofóbica que nos dias atuais. Afinal, na década de 70, ser identificada como lésbica poderia colocá-las em diversos riscos: perder o emprego, os filhos, ser deserdada e até deportada. Ativistas na causa como Joan trazem esperança de que, em um futuro, todas possamos ser livres e respeitadas.

    #galeria é uma coluna de caráter informativo, com periodicidade semanal. É publicada toda segunda-feira pela manhã. Trata-se de uma série de postagens que apresenta um recorte da obra de uma fotógrafa ou fotógrafo de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica, acompanhadas por uma breve biografia sua. Quer conhecer melhor a coluna #galeria? É só seguir este link.

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    Como citar esta postagem

    SOARES, Maria Clara. Joan E. Biren. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/joan-e-biren/>. Publicado em: 30 de mai. de 2022. Acessado em: [informar data].
  • Shomei Tomatsu e a Globalização

    Shomei Tomatsu e a Globalização

    Foto expressa críticas à invasão da cultura norte-americana no Japão.

    A fotografia foi feita no ano de 1959. Nela é possível perceber vários elementos que são metáforas para o ressentimento que muitos japoneses, incluindo o autor da foto, tiveram após os ataques nucleares nas cidades de Hiroshima e de Nagasaki e a ocupação dos Estados Unidos.
    No primeiro plano da foto, podemos ver uma criança japonesa inflando uma bolha de sabão, que cresce a ponto de quase cobri-la. Ao fundo, vemos um marinheiro americano uniformizado, logo atrás dele vários letreiros com palavras escritas em inglês.
    Shomei Tomatsu

    Após os Estados Unidos lançarem bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, matando mais de 100 mil pessoas, o Japão assinou sua rendição no dia 2 de setembro de 1945. Com isso, os EUA iniciaram a ocupação da ilha que durou até 1951. O intuito da ocupação era certificar-se de que o Japão não iria voltar a pôr em prática sua política expansionista e impedir que países soviéticos pudessem passar a exercer influência sobre a população e os governantes.

    Durante o período da ocupação, os EUA se prontificaram a ajudar financeiramente o Japão, que estava em uma terrível crise econômica devido às exorbitantes perdas ocasionadas pela Segunda Guerra Mundial. Nesse tempo em que os Estados Unidos exerceram forte influência no país, muito da cultura e dos costumes americanos foram inseridos no cotidiano japonês. Com isso, o Japão entrou em uma fase na qual boa parte de seus habitantes passaram a consumir a cultura norte-americana, além de reproduzirem os hábitos característicos de países capitalistas, como por exemplo o consumismo desenfreado.

    Muitos japoneses passaram a se ressentir ainda mais com os Estados Unidos, país que não somente foi responsável pela morte de centenas de pessoas , mas também pelo apagamento da cultura japonesa.

    E é esse sentimento que Shomei Tomatsu expressa em sua fotografia. Ao fundo podemos ver vários indícios da cultura norte-americana no país. Todos os letreiros estão escritos em inglês, sendo possível identificar palavras como “bar”, “oásis”, “welcome”, “club” e “jazz”. E claro, também podemos ver um marinheiro americano uniformizado parado logo abaixo dos letreiros.

    Em contraponto a isso, vemos uma garotinha japonesa em primeiro plano. Ela está inflando uma bolha de sabão, que cresce ao ponto de cobrir boa parte de seu corpo, dando a impressão de que ela está dentro de algum tipo de “redoma protetora”. Além disso, podemos ver também que atrás dela há vários ideogramas do alfabeto japonês escritos em um cartaz, eles também parecem estar envoltos nessa “redoma” metafórica criada pela bolha.

    Através dessa análise, podemos traçar grandes paralelos com o ressentimento dos japoneses. Na foto, a cultura norte-americana está cercando a cultura japonesa por todos os lados, ocupando um maior espaço. O ressentimento é representado na imagem, justamente pela posição de todos os elementos, que deixam os ícones  referentes aos americanos ocuparem a maior parte da composição, enquanto o que resta da cultura do Japão está reduzido a apenas um pequeno círculo. A cultura do país retratada na fotografia está encolhendo e sumindo, dela resta apenas uma bolha, que assim como na fotografia está prestes a estourar.

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

    Como citar esta postagem

    CAVALHEIRO, Pedro Olavo Pedroso. Shomei Tomatsu e a Globalização. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/shomei-tomatsu-e-a-globalizacao/>. Publicado em: 25 de maio de 2022. Acessado em: [informar data].

  • “Sexo frágil”: mulher, negra e sem teto

    Elizabete Afonso Pereira, uma mulher comum, demonstra o verdadeiro significado do que é ser ‘guerrilheira’. 

    A fotografia do projeto Alma de Bronze, série “Guerrilheiras”, da artista visual Virginia de Medeiros, mostra uma mulher negra, aparentemente alta e forte, olhando desconfiada para o seu lado direito, enquanto segura facilmente três tijolos. 


    A imagem, em preto e branco, apresenta, primeiro, 4 sacos de cimento. Em segundo plano, há uma mulher com traços negróides, fisicamente forte, que segura 3 tijolos enquanto desvia seu olhar da câmera. Ao seu redor, há uma pilha de tijolos. Ela está dentro de um lugar já  construído, o que sugere que ela irá fazer uma reforma no local.
    Virginia de Medeiros


    A mulher em questão é Elizabete Afonso Pereira, integrante do Movimento Sem Teto do Centro, em São Paulo. Sua postura é emblemática, pois, ao segurar os tijolos, não demonstra nenhum esforço. Seu olhar distraído da câmera delata que ela não estava confortável em ser fotografada, o que me abre margem para pensar que isso não é algo comum em sua vida, que ela foi invisibilizada por algum tempo e não está acostumada a aparecer tão publicamente. Por outro lado, a confiança e a determinação ultrapassam o aspecto de desconforto. Essa mulher que já aparenta ser forte, torna-se ainda mais vigorosa. Ela é uma das “guerrilheiras” fotografadas por Virginia. Inicialmente, partindo do pressuposto de que “guerrilha” é um tipo de luta armada contra um governo ou invasor de um território, mobilizada pelo lado mais fraco e oprimido, compreende-se que, metaforicamente, essas mulheres estão lutando contra aqueles que as impedem de ocupar os espaços a que têm direito.

    As pessoas que lutam por seu direito de moradia, os chamados “sem-teto”, ocupam residências que, conforme a constituição federal, não cumprem com sua função social. Em São Paulo, principalmente na área central, são muitos os imóveis abandonados, que são invadidos e, posteriormente, ocupados pelos sem-teto. Diante de uma luta árdua e muitas vezes inglória, construir a própria casa, com suas próprias mãos, é um verdadeiro prazer para essas pessoas. É como se um sonho de tantos anos se materializasse em seus braços. 

    Por isso, acredito que Elizabete está determinada a construir sua casa, como alguém que tem consciência dos percalços que sofreu no caminho para chegar até ali. Me sinto inspirada por essa mulher de postura altiva, que representa exatamente o que desejo ser. Sua cabeça erguida e sua firmeza, sua tranquilidade em segurar algo que é sabidamente pesado, serve de exemplo para mim, que tenho carregado outros “tijolos” para construir meus sonhos agridoces.


    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

  • Esperança em meio a destruição

    Esperança em meio a destruição

    A busca por sobreviventes mostra que, mesmo contra a menor possibilidade, ainda há esperança.

    A imagem abaixo foi registrada pelo fotógrafo Carl de Souza, durante as buscas por sobreviventes em Petrópolis (RJ), cidade onde, no dia 15 de fevereiro deste ano, ocorreu um enorme deslizamento de terra em função de um temporal. O desastre aconteceu tão rapidamente que muitas pessoas não conseguiram se refugiar e acabaram sendo soterradas pelos escombros.

    Dois homens se encontram em meio a escombros procurando por sobreviventes. Estes homens estão com enxadas na mão abrindo buracos em meio a lama e entulhos em busca de pessoas. Entre os escombros é possível notar algumas bonecas  sujas de terra.
    Carl de Souza | AFP

    Num primeiro momento, ao olhar a imagem, vemos dois homens com enxadas cavando a lama em busca de algo. No meio dos escombros, observamos brinquedos, roupas e outros objetos cobertos de terra e espalhadas pelo ambiente.

    Ao fundo da imagem só se vê a lama, o que me causa uma certa agonia, pois não se enxerga nada além do marrom da terra por todos os lados. Os homens, no centro da imagem, parecem cansados, os músculos de seus corpos estão tensionados de tanto fazer força procurando entre os entulhos. Ainda assim, continuam procurando, usando a última energia que ainda lhes resta para procurar por possíveis sobreviventes.

    Os objetos que estão espalhados no ambiente dão a entender que poderia haver alguma criança por ali, o que chega a ser aflitivo, pensar que alguém tão pequeno encarou uma situação tão desesperadora. Imagine uma criança que talvez estivesse brincando tranquilamente naquele momento, sem ao menos perceber, já estaria coberta de lama. Isso não deveria ser algo vivido por uma criança, um evento tão traumático que pode levar anos para ser ressignificado.

    Na imensidão de escombros, naquela situação devastadora, o que mais importava era o tempo, as pessoas mal podiam pensar no que havia acabado de acontecer, e já estavam se mobilizando o mais rapidamente possível para poder resgatar alguém ainda com vida.

    Ao olhar para o fundo da imagem, aquele mar de lama atrás dos dois homens, não dá para imaginar quantas pessoas poderiam estar ali, só fica a incerteza e a indecisão se aquele é o local correto para se procurar alguém. No entanto, procurar é só o que se pode fazer, a única coisa que resta é a esperança que os move fazendo-os continuar a busca.

    Observando esta imagem, eu sinto uma certa frustração pelo ocorrido, o que é agravado ainda mais ao imaginar que possam haver pessoas soterradas embaixo do lamaçal. A determinação dos dois homens, também me comove muito, porque sozinhos eles realizam um trabalho que, sem dúvidas, é desafiador, mas que precisa ser feito por alguém. Todos os elementos da imagem, unidos, representam o desespero da situação, mostram o quão grave é. Em meio ao mar de lama, procurar por pessoas, por um familiar, por um amigo, por um conhecido que ainda possa estar vivo, respirando, embaixo de tanto entulho. E, nos escombros, o que resta é a esperança de poder salvar alguém, de achar um rosto conhecido e saber que tudo ficará bem.

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.
     

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    PAES, Nathalia. Esperança em meio a destruição. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<{https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/06/esperancaedestruicao.html>. Publicado em: 4 de mai. de 2022. Acessado em: [informar data].