Categoria: Leitura

  • A Iconografia Fascista

    A Iconografia Fascista

    A maneira com que uma única fotografia consegue retratar a iconografia fascistas presente em um governo.

    A imagem  abaixo foi feita pelo fotojornalista Pedro Ladeira, no dia 31 de maio de 2020, nesta data o presidente havia participado de manifestações em apoio ao seu governo e aos atos antidemocráticos como a intervenção militar e o fechamento do congresso nacional e do Supremo Tribunal Federal  (STF)

    Em primeiro plano, vemos uma fileira de policiais militares uniformizados. Logo atrás deles está o presidente Jair Bolsonaro montado em um cavalo, ele está vestido com uma camisa azul e calças jeans, ao seu lado se encontram mais policiais. Ao fundo é possível notar a presença dos apoiadores do presidente vestidos de verde amarelo e balançando bandeiras do Brasil.
    Pedro Ladeira

    Quando foi publicada, a foto recebeu grande repercussão nas redes sociais, boa parte delas foram de pessoas contra o governo de Bolsonaro, mas também muitos a utilizam para exaltar a força do presidente e escreveram mensagens de apoio. O que é interessante de se notar  é que a foto possui vários aspectos que podem ser diretamente relacionados às fotografias de propagandas de governos de extrema direita durante a história.

    A maioria desses aspectos são utilizados para enaltecer a figura do grande comandante. Na iconografia fascista é muito comum que o líder seja representado como um homem capaz de guiar  exércitos de seu país contra seus “inimigos” e levar seu povo à salvação. Por essa razão, era comum que os líderes de extrema direita sempre aparecem rodeados por seu exército, assim como na foto a baixo. A foto de Ladeira mostra muito bem esse aspecto, já que logo no primeiro plano podemos ver a polícia militar além de vários agentes ao lado do presidente.

    No centro da fotografia podemos ver Benito Mussolini, ele caminha ao meio de vários soldados, todos estão uniformizados e alguns seguram fuzis.
    Autor Desconhecido

    Além do exército, o fato do  líder estar em cima de um cavalo também remonta diretamente a iconografia fascista, que por sua vez se apropria da iconografia medieval, já que nesta, o cavalo era comumente utilizado para representar a nação, logo um bom cavaleiro era relacionado a um bom governante. Nesse caso específico, além do cavalo também é possível ver um cassetete preso à sela, o que também contribui para a afirmação de virilidade do líder, já que armas como espadas, pistolas e fuzis que são objetos amplamente utilizados como ferramentas de repressão, aparecendo fartamente nos retratos de governos fascistas como validação de força. Na imagem abaixo vemos uma pintura de Adolf Hitler que traz os mesmos elementos. 

    Na pintura podemos ver Adolf Hitler montado em uma cavalo, vestindo uma armadura de placas de metal. Ele segura a bandeira vermelha do partido nazista em sua mão direta.
    Pintura de Hubert Lanzinger

    Além do líder viril cercado por seu imponente exército, essa fotografia ainda apresenta mais um fator comum entre o Bolsonarismo e os governos de extrema direita antes deles. Ao fundo, podemos ver a bandeira do Brasil tremulando, logo ao lado da cabeça do presidente, isso remete ao ultranacionalismo, característica primordial de ideologias fascistas e muito presente nos discursos de Jair. Na foto de Plínio Salgado, que está logo abaixo, é um outro exemplo da utilização do nacionalismo na iconografia fascista. 

    Na foto podemos ver Plínio Salgado, líder do movimento integralista brasileiro, discursando em um palanque com a bandeira brasileira ao fundo.
    Autor Desconhecido

    A fotografia capta desde o forte apoio aos militares, a fixação bélica que ecoa em seus discursos em favor do afrouxamento das leis de restrição ao porte de armas, a idealização de uma masculinidade nociva focada em discursos cis heteronormativos, misóginos e homofóbicos e é claro o ultranacionalismo, figurinha repetida em todos os discursos do presidente que retratam uma pátria devastada que precisa ser salva independentemente de como. 

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

    Links Referências e Créditos

    CAVALHEIRO, Pedro Olavo Pedroso. A Iconografia Fascista. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/a-iconografia-fascista/>. Publicado em: . Acessado em: [informar data].

  • Garota americana na Itália

    Garota americana na Itália

    Nomeada originalmente como “American Girl in Italy”, a imagem tirada por Ruth Orkin, no ano de 1951, retrata a importunação sexual que Ninalee Allen sofreu ao caminhar pelas ruas de Florença.

    Ruth Orkin

    A fotógrafa e a estudante de Ciências Sociais conheceram-se por acaso em uma viagem à Europa e se tornaram amigas. Após perceberem que partilhavam da mesma experiência feminina de viajarem sozinhas, decidiram retratá-la por meio de um ensaio fotográfico.

    Na foto, a estudante é retratada caminhando, aparentemente apressada, com uma multidão de homens a encarando de forma desrespeitosa e sexual. Ela está com o semblante angustiado e desconfortável, uma vez que sua expressão facial está séria e transmite preocupação. O modo como segura os objetos e se posiciona corporalmente reforçam essa suposição. Em razão disso, tenho a impressão de que Allen esperava ansiosamente para acabar o trajeto daquela rua, para ficar, de fato, aliviada de olhares constrangedores.

    Essa fotografia me causa uma sensação de incômodo e aflição, porque, como mulher, vivencio constantemente situações de assédio sexual na rua ou em qualquer outro ambiente e, por isso, me familiarizei com a situação exposta na imagem. Infelizmente, devido ao machismo e ao patriarcado estabelecido na sociedade, as mulheres são sexualizadas e têm seus corpos vistos como objetos de gerar prazer aos homens. Como resultado, somos limitadas e prejudicadas o tempo todo. Temos medo de realizar ações simples e básicas, como andar nas ruas. Temos medo de olhares maldosos. E, principalmente, temos medo de perder a liberdade de ir e vir. Mas, na realidade, já não a temos por inteiro.

    Nesse viés, há uma discussão acerca da influência que a vestimenta das pessoas do sexo feminino exerce sobre a atitude do assediador, uma vez que, mulheres que usam roupas justas e apertadas são depreciadas e erroneamente julgadas como “menos dignas de respeito”. Esse debate é extremamente problemático, pois, além de atribuir a culpa à vítima, inferioriza e fetichiza as mulheres. A fotografia apresentada é um claro exemplo do quanto essa suposição é equivocada, visto que, Ninalee tem seu corpo completamente coberto e, mesmo assim, é desrespeitada. Ou seja, a culpa não é da vítima!

    A imagem me faz refletir sobre como os pensamentos e as visões de mundo mudam ao longo do tempo. Na década de 50, a foto foi vista por muitos, inclusive pela própria modelo, como símbolo de feminilidade, desejo e liberdade. Mas, hoje – ano de 2022 – essa representação tem um viés pejorativo, afinal, retrata uma cena de importunação sexual. Isso me faz questionar, como essa foto será interpretada daqui há 70 anos? Haverá uma grande discrepância em relação à visão atual?

    O ensaio fotográfico tinha como objetivo incentivar outras mulheres a realizarem a mesma experiência que as amigas, Ruth e Ninalee, estavam vivenciando. Contudo, devido ao resultado obtido, a imagem adotou um viés completamente diferente do proposto inicialmente.

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

  • Jesus estava com sede

    Jesus Cristo foi encontrado estirado em uma calçada em São Paulo e estava com sede.

    Esta é a legenda da fotografia abaixo, de autoria do fotógrafo Daniel Kfouri, postada pelo padre Julio Lancellotti em suas redes sociais no dia 3 de outubro de 2021. A imagem mostra um homem deitado na calçada, de corpo coberto mas com os pés expostos, encolhido para o lado do muro enquanto o padre abaixa-se e toca seu ombro. 


    Em primeiro plano há um carrinho com papelão. Em segundo plano, um homem idoso com traços caucasianos, usando máscara de proteção facial e jaleco, toca um homem que está deitado na calçada, coberto mas com os pés de fora.
    Daniel Kfouri

    Esta fotografia expressa a contradição entre o claro e o escuro, entre as luzes e as trevas, entre o abandono e o acolhimento. O homem, morador de rua, possui o chão como seu anteparo, dali ele não passa. Excluído da vida social, após infringidos seus direitos, o homem parece alheio à sua própria situação, como em um gesto de conformismo. Daí, surge o padre, com um jaleco branco resplandecente que ilumina o ambiente, estende seu braço até o homem e, ao encostar nele, o retira da indiferença. Naquele homem que ninguém vê nada, o padre vê Jesus e, após um breve diálogo, descobre que ele tem sede.


    Em primeiro plano, um idoso vestindo jaleco e máscara de proteção facial segura um copo dágua na boca de um homem negro, que levanta a parte superior do corpo para tomar água.
    Daniel Kfouri

    Então o padre entrega um copo d’água ao Jesus sedento.

    A fome, a sede e a marginalização são um calvário que Jesus carrega hoje. Há outros desertos e outras cruzes, atravessados de solidão. Da mesma forma, ainda existem os soldados romanos, agora eles colocam pregos e pedras embaixo de viadutos e em cima de bancos. Mais de 2000 anos se passaram, mas todo dia nasce e morre um Cristo no mundo, sem que ninguém perceba.

    Ao ver as duas fotos, sinto, ao mesmo tempo, tristeza e esperança. Lembro-me dos moradores de rua que enxerguei da janela do ônibus em Belo Horizonte, carregando seus carrinhos, sujos, maltrapilhos, abandonados. E nós sendo meros espectadores daquela desgraça. É difícil alguém enxergar quem está excluído, é mais fácil fingir que não vê, que não é problema nosso, isso é o que muitas pessoas fazem. Então acho bonito e reconfortante que alguém consiga ver Jesus em um morador de rua. Que possamos fazer o mesmo. 

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

    Links, Referências e Créditos

    • https://twitter.com/pejulio/status/1444716668991721479/photo/1


  • Guerra de travesseiros

    Guerra de travesseiros

    Fotografia que mostra um momento singelo da banda inglesa  The Beatles.

    A fotografia abaixo foi tirada por Harry Benson em 1964, ela mostra os Beatles, uma das bandas mais importantes da cultura pop, durante uma divertida guerra de travesseiros no hotel George V em Paris. Os integrantes dos Beatles estavam eufóricos por causa da notícia de que a música “I want to hold your hand” tinha ficado em primeiro lugar nas paradas de sucesso dos Estados Unidos.

    Na fotografia que está em preto e branco, podemos ver os quatro integrantes da banda inglesa os Beatles no meio de uma guerra de travesseiros. Ringo, George, Paul e John estão descalços e vestindo pijamas. Todos parecem se divertir muito.
    Harry Benson

    Na fotografia que está em preto e branco, podemos ver os quatro integrantes da banda no meio de uma guerra de travesseiros. Ringo, George, Paul e John estão descalços e vestindo pijamas. A felicidade e a diversão estão estampadas nos rostos dos jovens. Isso pode ser notado através da gargalhada dada por George e as feições brincalhonas de Ringo e de Paul.

    Na época, a banda inglesa estava começando a fazer sucesso mundialmente. Logo, os Beatles se tornaram uma febre conhecida como a “Beatlemania”, responsável por levar milhares de pessoas aos shows e  vender milhões de discos musicais. A foto remete a uma época em que a banda não tinha muitos atritos e brigas e nem o peso da fama nas costas, por causa disso, penso que a sensação de leveza e de cumplicidade é mais perceptível na fotografia.

     O sentimento de aconchego e de euforia me chamou a atenção, pois ver os integrantes da banda em um momento de intimidade e de afeto me fez lembrar dos instantes em que ouvia as músicas dos Beatles na companhia de minha avó. Enquanto ouvíamos suas canções no rádio que ficava na cozinha, ela me contava sobre as doces lembranças de seu passado e de como, de certa maneira, os Beatles também estavam presentes nos momentos da juventude dela. Em conclusão, ver esta fotografia íntima e divertida da banda me remete diretamente para esses instantes de afeto e diálogo com a minha avó.

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

    Links, Referências e Créditos

    Como citar esta postagem

    DE PAULI, Beatriz Helena. Guerra de travesseiros. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:https://culturafotografica.com.br/guerra-de-travesseiros/. Publicado em: 6 de abr. de 2022. Acessado em: [informar data].
  • Passeata dos cem mil

    Fotografia que retrata um importante protesto contra a ditadura militar brasileira.

    A fotografia tirada por Evandro Teixeira mostra a passeata dos cem mil, uma manifestação contra a ditadura militar,  que aconteceu no Rio de Janeiro no dia vinte e seis de junho de 1968.

    A fotografia é toda composta por uma multidão de manifestantes e há um cartaz e nele está escrito “abaixo a ditadura, povo no poder”.
    Evandro Teixeira

    No dia 28 de março de 1968, a polícia militar (PM) invadiu o restaurante universitário Calabouço, onde estudantes protestavam contra o preço das refeições. No confronto, o comandante da PM, Aloísio Raposo, matou o estudante Edson Luís com um tiro no peito. Por causa desse chocante assassinato, o movimento estudantil começou a organizar mais manifestações.

    Outro cruel acontecimento que ocorreu  vinte dias depois do assassinato de Edson Luís foi a chamada “sexta- feira sangrenta”, na qual ocorreu um protesto estudantil contra o sucateamento de verbas do ensino superior da época, que  também foi movido pelo descontentamento com a repressão dos militares, a PM prendeu muitos manifestantes e matou vinte e oito pessoas.

    Devido a esses acontecimentos foi marcado para o dia vinte e seis de junho de 1968 a passeata que reuniu mais de cem mil pessoas, dentre elas estavam estudantes, artistas e trabalhadores. Nesse dia, o fotógrafo Evandro Teixeira retratou o momento em que Vladimir Palmeira, líder do movimento estudantil,  fazia um discurso contra a repressão sofrida pelo governo ditatorial da época e a favor da volta da democracia brasileira.

     O mais impressionante da fotografia é a quantidade de pessoas retratadas, principalmente porque mesmo que a foto seja feita em plano aberto, toda a sua composição está preenchida pelos manifestantes, o que pode ser um indicativo da opinião popular que na época já estava farta do regime ditatorial. Esse entendimento é reforçado pelo o cartaz onde se lê “abaixo a ditadura, povo no poder”. Me emociona ver essa quantidade gigantesca de pessoas lutando pela democracia e pela liberdade de expressão.

    Vivendo em um momento no qual muitos falam que a ditadura militar foi uma época boa, o registro de tantas pessoas lutando contra esse regime ditatorial é muito necessário para que fique claro o quão horrível foi esse período de repressão. Acredito que esta fotografia seja de extrema importância, pois marca o repúdio do povo aos atos hediondos da ditadura militar, além de deixar gravado na história um momento de união entre milhares de pessoas na luta pelos seus direitos. Assim, deixo aqui parte de uma canção, cantada por Geraldo Vandré, que representa o sentimento de coletividade que é essencial para continuar com a luta por nossos direitos e contra o governo atual que fere a democracia brasileira:

    “Caminhando e cantando e seguindo a canção
    Somos todos iguais, braços dados ou não
    Nas escolas, nas ruas, campos, construções
    Caminhando e cantando e seguindo a canção
    Vem, vamos embora, que esperar não é saber
    Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
    Vem, vamos embora, que esperar não é saber
    Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
    Pelos campos há fome em grandes plantações
    Pelas ruas marchando indecisos cordões
    Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
    E acreditam nas flores vencendo o canhão”

    (VANDRÉ, 1979)

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

    Como citar esta postagem

    DE PAULI, Beatriz Helena. Passeata dos cem mil.Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:https://culturafotografica.com.br/passeata-dos-cem-mil/. Publicado em: 30/03/2022. Acessado em: [informar data].
  • Espelho: reflexivo e refletido

    Espelha-se em imagens o que se pode ser. Sendo assim, a reflexão da imagem transforma o indivíduo?


    A fotografia a seguir espelha um espelho. Duas pessoas se fitam e ao mesmo tempo se maquiam. Para mim, o ângulo do registro é a cereja do bolo para que esse jogo de reflexos aconteça. Por isso as experiências vivenciadas e compartilhadas  pelas atrizes da fotografia, são refletidas e reflexivas acerca do processo de maquiagem. 



    Duas Drag queens de frente para a outra se maquiando.
    Madalena Schwartz

    Estamos diante de duas personagens que estão se produzindo para um espetáculo. A maquiagem que elas usam é típica dos anos 80, percebemos isso pelo formato usado nas sobrancelhas, os cílios postiços e o contorno do rosto, por exemplo. Outra característica muito forte é a presença do preto na composição, que inclusive apareceu muito nas maquiagens de Ney Matogrosso.


    Drag Queen se maquiando de frente para um espelho.
    Madalena Schwartz

    Diferente da primeira fotografia, nesta de fato, a personagem, está diante de um espelho. Esse espelho traz à tona a representação dramática de uma cena da qual a individualidade toma conta, ao mesmo tempo que abre um feixe de possibilidades interpretativas em relação à atuação e à cenografia. No mais a imagem também pode ser entendida como um espelho.


    Andrade Liomar Quinto (2000, p. 53), ao descrever o trabalho de uma artista, conta que percebeu a importância das imagens, pois elas “viriam antes das palavras, por serem mais diretas e inteiras; completas,” e que seu conteúdo, por meio de uma intervenção expressiva, serviriam como um espelho no qual refletiram informações e poderia estabelecer-se um diálogo.


    Algumas perspectivas para pensarmos o espelho foram apresentadas a partir da série “Metamorfose” de Mandela Schwartz. A cenografia e a maquiagem são pontos fundamentais para pensarmos acerca do olhar (reflexão) que lançamos ao que está refletido nas imagens. 


    Sendo assim, vimos que as imagens funcionam como um espelho. Na rede social Instagram, por exemplo, as imagens espelham nós mesmos, e também somos refletidos por imagens que se relacionam com determinadas categorias como moda, cultura, arte e tantas outras coisas. E aí,  quais outras  possibilidades para se pensarmos acerca dos espelhos?


    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.


    Links, Referências e Créditos

    (mais…)

  • Os oitenta tiros

    Os oitenta tiros

    Uma fotografia que representa a violência policial com pessoas pretas no Brasil.

    Essa foto é uma das cenas do assassinato de Evaldo Rosa, um homem negro e músico de 51 anos que estava indo a um chá de bebê com sua família, quando policias fizeram diversos disparos em seu carro por confundirem com o automóvel de bandidos que estavam em fuga, versão essa que foi dada pelos policiais. Evaldo morreu na hora.

     
    a foto mostra uma mulher negra fazendo um gesto de indignação com as mãos e com o rosto, olhando para um carro que está com marcas de tiro. Ao  redor do carro tem outras pessoas também com expressão de indignação, no fundo da imagem há polícias e militares do exército em  com seus rostos desfocados.
    Fabio Teixeira

    Essa é uma fotografia forte e simbólica, ao olhar cada detalhe presente nela, é possível perceber como essa imagem diz tanto sem utilizar qualquer palavra. Aqui a imagem é uma forma de linguagem, em que grita para todos a brutalidade que acontece todos os dias com pessoas pretas e pobres no país.

    A cena é muito cruel, a mulher que chora e está revoltada com o que vê é esposa de Evaldo, que também estava no carro com ele e seus filhos, mas nenhum deles foram atingidos. Ela presencia a cena do seu marido morto e por isso coloca em risco sua saúde mental, pois é um momento que pode gerar traumas em qualquer pessoa. Quando olho para a foto a sensação de tristeza e raiva é automática, porque não era para elas vivenciarem essa violência, mas é isso que o estado oferece para famílias como a do Evaldo.

    As pessoas presentes na cena, todas negras, tanto os moradores quanto os policiais, reafirmam como o racismo torna sempre essa parcela da sociedade mais vulnerável. O carro alvejado de tiros evidencia os sinais de violência e o contraste da cor do carro, branco, com as pessoas negras ao redor me remete a desigualdade racial que existe no país entre os negros e os brancos. O estado é o maior culpado, já que utiliza da polícia como massa de manobra, que por sua vez também sofre com o racismo estrutural, fazendo com que os policiais no Brasil sejam os que mais matam, mas também os que mais morrem e as instituições de baixas patentes são compostas majoritariamente por negros e negras.

    No país existe, mesmo não oficialmente, uma política de extermínio da população negra que é justificada pelo estado como uma falsa política de guerra às drogas, mas que no fim só significa o genocídio do povo preto. Não é sobre os indivíduos que deram os disparos, é sobre a estruturação da política de segurança no Brasil que precisa ser revista. Os policiais, desfocados no fundo da imagem, representam para mim um estado omisso e covarde, que não tenta encontrar possibilidades de resolver a situação do tráfico e do crime de forma honesta, sem que pessoas inocentes precisem perder suas vidas todos os dias. Evaldo estava somente indo a um chá de bebê e acabou perdendo sua vida pela falta de responsabilidade dos órgãos de segurança.

    Essa foto representa para mim o Brasil que deu certo. Um país que funciona como os detentores do poder financeiro querem, mantendo as estruturas coloniais funcionando somente para garantir seus privilégios, sempre utilizando da mão de obra escrava de pessoas pretas e marginalizando essa população para terem a riqueza concentrada em suas mãos. O país ainda continua funcionando da forma como eles querem, com o povo pobre, preto e periférico na base da pirâmide, explorados de diversas formas possíveis. Então, o Brasil precisa urgentemente dar errado.

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

    Como citar este artigo

    CALIXTO, Vitória. Os oitenta tiros. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/os-oitenta-tiros/>. Publicado em: 02/03/2022. Acessado em: [informar data].

  • Mãe e filha

    Mãe e filha

    Retrato, tirado por Elliott Erwitt, que vai te fazer sentir aquele calorzinho no coração.

    A fotografia intitulada “Mãe e filha”  foi tirada por Elliott Erwitt em seu primeiro apartamento localizado em Manhattan no ano de 1953. Ele retratou sua filha recém nascida, Ellen, sua companheira Lucienne Matthews e um gato chamado Brutus, seu bichinho de estimação. 

     
    A fotografia mostra uma mulher, a mãe, trajando um vestido estampado. Ela apoia a cabeça em um canto da cama e olha para o bebê, sua filha, que está na sua frente. No outro canto do colchão está um gato que olha para a criança também.
    Elliott Erwitt

     

    A imagem me transmite uma atmosfera de aconchego, de conforto e de zelo,  também  mostra Lucienne abaixada e muito perto de sua filha, seu olhar transparece ternura e carinho pelo bebê. Sinto que ela sorri com a boca e com os olhos,  contemplando a pequena e doce figura que está na sua frente. 
     
    O gato, mascote da família, está do lado oposto ao de Lucienne, ele aparentemente olha para a criança e por causa disso, me parece que o bebê é protegido pela mãe e pelo felino. Os dois são figuras muito importantes para que essa sensação de proteção e de afeto seja mantida na cena. O gato, a meu ver, se sente seguro e tranquilo no ambiente e na família que ele se encontra.  A iluminação singela, fraca e difusa, provavelmente vinda de alguma janela, também contribui para a atmosfera de aconchego, de serenidade e de afeto. 
     
    O preto e branco da fotografia me deixou pensativa sobre algumas concepções. Por ser um retrato mais íntimo, este modo de fotografar me remeteu a uma ideia de memória, de recordação e de lembrança. Acho que no momento em que as fotografadas e o autor da foto olharem para o retrato, eles se lembrarão das sensações que sentiram, daquele momento em si. É como se fosse a materialização da subjetividade daquele instante, pois pode ser relembrado de forma mais sensorial do que objetivo.  
     
    A atmosfera da fotografia me faz lembrar da figura de minha avó, dona Rosângela, pois ela é o meu primeiro exemplo de afeto, de cuidado materno e de carinho. O jeito do olhar de Lucienne para sua filha, a meu ver, é parecido com o de minha avó quando olha para as minhas tias, para minha mãe e para mim. Fico contemplando o semblante brilhante de seus olhos juntamente com o sorriso confortante que dona Rosângela faz, muitas vezes, sem nem perceber, e levo esses doces momentos dentro do meu coração e da minha lembrança. 
     
     
     #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

    Links, Referências e Créditos

    Como citar essa postagem

    HELENA, Beatriz. Mãe e filha. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:https://culturafotografica.com.br/mae-e-filha/. Publicado em: 23 de fev. de 2022. Acessado em: [informar data].
  • Guerrilheiro Heroico

    Guerrilheiro Heroico

    A história por trás de uma das fotografias mais reproduzidas e cultuadas da atualidade.

    A fotografia de Alberto Korda retrata o guerrilheiro revolucionário Ernesto “Che” Guevara de la Serna e é uma das mais replicadas do mundo. Até hoje, ela contribui para disseminar a imagem de Guevara e pode causar diferentes sensações em quem a vê.

    Na foto, podemos ver Che Guevara em um ângulo baixo e no centro  da imagem. Ele está usando uma boina com uma estrela no meio, parece olhar para cima e tem um semblante sério. A esquerda, podemos ver parte do rosto de um homem e à direita, algumas folhas de árvore.
    Alberto Korda

    A foto foi feita no dia cinco de março de 1960, durante uma cerimônia fúnebre para as vítimas da explosão do cargueiro La Cumbre, acontecimento que matou mais de 100 pessoas e deixou cerca de 200 pessoas feridas. Che estava descendo do palanque no qual discursara para os familiares das vítimas quando Korda tirou a fotografia.

    Na foto, o revolucionário aparece com um semblante sério e obstinado. O ângulo, contre-plongée, ajuda a dar para ele uma dimensão heróica, amplificada por suas feições ásperas. Entretanto, a interpretação dessa foto varia conforme a perspectiva política do espectador. Para aqueles que se opõem aos feitos e as ideias de Guevara, essas mesmas feições e esse mesmo ângulo mostram um homem cruel, violento e vilanesco.

    Milhares de pessoas se utilizam dessa fotografia com diversos fins, alguns deles muito irônicos. Muitos a cultuam como um artigo religioso e comparam o comandante com o próprio Jesus Cristo, sem considerar o fato de Guevara inúmeras vezes ter assumido ser ateu. Muitos simpatizantes de partidos neonazistas também ostentam a imagem de Che, mesmo que ele se opusesse veementemente aos ideais fascistas.

    Vítima da reprodutibilidade técnica da imagem, a figura de Che Guevara parece ser uma “carta coringa”, utilizada para se encaixar nas mais inúmeras narrativas. Isso provavelmente se deve ao fato da simplicidade da composição da foto. Nela, vemos um homem bonito, sério, com cabelos longos e traços fortes. Esse arquétipo é facilmente colocado em qualquer narrativa.

    Não é complexo traçar paralelos entre Che e Jesus Cristo, já que muitos os consideram homens  belos, altruístas, que lutavam pela justiça e pelos pobres e  pelos necessitados. Entretanto, também é fácil de comparar Che ao próprio diabo, devido ao fato de ambos serem descritos como charmosos, bons com as palavras, violentos e cruéis. Essa imagem encaixa perfeitamente em qualquer ponto destes dois extremos de bem e mal, ele pode ser Robin Hood, Drácula, Luke Skywalker e Darth Vader.

    A técnica fotográfica tem por prioridade apenas um único fim, a reprodução em massa e a venda desenfreada, sendo assim, ela dissemina apenas a ideologia do mercado, independente dos pensamentos das pessoas fotografadas. É como se ela retirasse daquele homem toda sua história e o transformasse em uma página em branco. Talvez seja essa maleabilidade da imagem que fez com que a foto se tornasse tão famosa.

    Com isso, é difícil discordar dos ensaios em que Walter Benjamin escreve sobre a ausência da aura na fotografia.  Essa imagem nunca carregou se quer uma sombra da essência do Che Guevara real. Porém, ela poderia, com toda certeza, ser utilizada para defender as mesmas ideias que ele defendia, mas isso depende somente de quem se utiliza da foto e de quais ideais são proclamados em seu discurso.

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

    Links, Referências e Créditos

    Como citar esta postagem

    OLAVO, Pedro. Guerrilheiro Heroico. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/guerrilheiro-heroico/>. Publicado em: 16 de fev. de 2022. Acessado em: [informar data].