Categoria: Leitura

  • The B-Side: Elsa Dorfman’s Portrait Photography

    Documentário intimista explora a vida e os arquivos da fotógrafa conhecida por suas fotos com uma câmera Polaroid gigante. 

    O documentário The B-Side: Elsa Dorfman’s Portrait Photography, lançado em 2017 e dirigido por Errol Morris, explora a vida e a carreira da fotógrafa Elsa Dorfman, que tinha 80 anos na época do documentário. Dorfman, que faleceu em maio de 2020, era muito conhecida por seus retratos tirados com uma Polaroid de formato 20×24. 
    Legenda: pôster do filme, 2017
    Descrição: uma mulher posa ao lado de uma câmera gigante antiga com um cabo na mão e sorrindo para frente. Na parte de cima está escrito o nome do documentário. 
    Elsa Dorfman nasceu em 1937, em Cambridge. Começou a se interessar por fotografia com 28 anos e ganhou sua primeira câmera em 1967. Depois de um período vendendo as fotos em pontos turísticos, ela publicou o livro Elsa’s Housebook: A Woman’s Photojournal, marco da fotografia estadunidense e da arte feminista, composto por autorretratos e fotos de seus conhecidos, como o escritor Allen Ginsberg. 
    Na década de 1980, Dorfman começou a trabalhar com o formato pelo qual ficou mais conhecida: as Polaroids 20×24. A câmera pesava mais de 100 quilos, o que obrigava a fotógrafa a trabalhar praticamente só em estúdio. Ela mesma definia sua forma de trabalho como algo “teatral”. 
    O documentário acompanha Elsa Dorfman relembrando sua trajetória, os diferentes momentos de sua carreira e sua forma de pensar seu próprio trabalho. Enquanto isso, ela mexe em seus arquivos, mostrando várias de suas fotografias e contando as histórias por trás delas. 
    Legenda: cena do documentário
    Descrição: uma mulher segura uma foto Polaroid gigante mostrando um casal parado um ao lado do outro em um fundo branco. Ao fundo vemos alguns arquivos e fotos coladas nas paredes.
    Além do formato de suas fotos, Dorfman também é reconhecida por fazer muitos retratos, principalmente de famílias e de pessoas conhecidas por ela. Esse tom intimista de seu trabalho é também o tom do documentário, que comenta muito pouco sobre outros assuntos da área de fotografia, mantendo o foco na “personagem” principal. 
    A fotógrafa conta que sempre preferiu tirar fotos de pessoas alegres, e que não tinha intenção alguma de capturar a alma das pessoas, mas sim a superfície delas, em uma visão da fotografia muito diferente de fotógrafos considerados mais “sérios”.
    Legenda: Elsa Dorfman, 1980. Elsa Dorfman/Courtesy Museum of Fine Arts, Boston.
    Descrição: uma mulher e dois homens posam sorrindo para a câmera um ao lado do outro em frente a um fundo branco. Na parte de baixo vemos vários escritos de caneta na foto. 
    Um dos momentos mais interessantes é quando Dorfman mostra as fotografias que foram “rejeitadas” por seus clientes, que ela apelidou de “lado-b”, e que quase sempre são resultados melhores do que as escolhidas. 
    Disponível na Netflix, The B-Side: Elsa Dorfman’s Portrait Photography é um documentário sobre uma fotógrafa não muito conhecida pelo grande público, mas que deixou um legado, não só pelo formato com que trabalhava, mas também pela intenção com que fotografava. 
    Já conhecia esse documentário? Acompanhe os posts para mais indicações de filmes sobre fotografia. E se você gostou do nosso conteúdo siga o nosso perfil no Instagram.

    Links, Referências e Créditos

     

  • Quando os Yanomami foram ao museu: O episódio de Cláudia Andujar na série Inhotim – Arte Presente

    Quando os Yanomami foram ao museu: O episódio de Cláudia Andujar na série Inhotim – Arte Presente

    Descubra o que o povo Yanomami pensou quando se deparou com a obra de Cláudia Andujar no Instituto Inhotim.

    Quando fui ao Inhotim, em julho de 2019, não sabia muito bem o que encontraria. A maior galeria de arte a céu aberto no mundo, justo no meu país, no meu estado e relativamente próximo de onde eu estudava! Mais do que abrigar coleções de alguns dos mais importantes e interessantes artistas nacionais e internacionais da contemporaneidade, trata-se de um espaço enorme em que botânica, arquitetura e arte se unem de uma forma absolutamente harmônica e inacreditavelmente poética. Assim, enquanto estudante de fotojornalismo, não pude deixar de passar bastante tempo em uma galeria de uma fotógrafa até então desconhecida para mim. A galeria Cláudia Andujar, que abriga desde 2015 uma boa curadoria de trabalhos da fotógrafa suíça naturalizada brasileira, representa uma fase marcante e definitiva em sua carreira.
    Uma fotografia de Cláudia Andujar é revelada em uma sala de luz infravermelha, com líquido revelador. Sobre a superfície, é visível uma mão enluvada. A foto mostra um jovem indigena Yanomami submergindo na água. 
    Cena do episódio Cláudia Andujar, da série Inhotim – Arte Presente

    Quando se estabeleceu em São Paulo, Andujar trabalhou como fotógrafa para as revistas Cláudia, Life e Realidade. Essa última lhe rendeu a experiência de imergir na floresta Amazônica. O que se seguiu foi o divisor de águas da carreira de Andujar. Com o apoio de bolsas da Fundação Guggenheim  e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, passou a conviver e fotografar o povo Yanomami nos anos que se seguiram. O resultado foi uma vasta e consagrada produção fotográfica revelando aspectos da cultura, espiritualidade e conflitos em torno desse grupo indígena. Quanto mais se envolveu com eles, mais passou a defender seus direitos, constantemente ameaçados pela exploração por homens brancos da região em busca de minérios. Muitos Yanomami morreram em decorrência de doenças oriundas da presença de homens brancos e por conflitos violentos, com a ocorrência de invasões seguidas por assassinatos. 

    As imagens produzidas por Andujar são encantadoras e impressionantes, sendo o mais curioso o fato dela nunca ter feito um curso de fotografia. Ainda assim, é visível um cuidado técnico e estético com suas imagens, como o uso de longa e dupla exposição em registros de rituais, como meio para transmitir a espiritualidade envolvida naqueles momentos, ou o truque revelado no episódio dedicado à criação de sua galeria na série Inhotim – Arte presente, de 2018, em que, para conseguir o desfoque lateral de muitas das fotografias, ela revela que usava vaselina diretamente sobre a lente de sua câmera.

    Há universos iconográficos dentro da  vasta coleção de fotografias, presentes na galeria, como a série “Marcados”, que constitui-se por retratos de indígenas olhando diretamente para a câmera, com um número de identificação em placa preta pendurado em seus pescoços. Trata-se do meio encontrado para numerar e saber quais indígenas já haviam sido vacinados durante as expedições de médicos às aldeias em decorrência de uma epidemia que se alastrou entre eles na época em que eram feitas construções de estradas em seu território, nos anos 80. No jogo de sentidos que se estabelece através das imagens, a série Marcados ganha outras proporções ao ter em mente que aquelas eram pessoas que estavam marcadas para morrer ao ter sua segurança e sua história ameaçados por ações de homens brancos que jamais se preocuparam com toda uma comunidade indígena, tendo em vista o progresso e a economia. Ironicamente, a palavra “yanomami” significa “ser humano”, mas nas fotografias de Andujar, o que vemos são pessoas desprovidas de sua humanidade, ao serem reduzidas a números. São marcados para morrer, assim como os parentes judeus de Andujar que, ao final da Segunda Guerra Mundial, carregavam em seus ombros a estrela de Davi como identificação, obrigados a viverem em guetos e posteriormente, confinados em campos de concentração.

    São visíveis diversos indígenas, homens e mulheres, diante de um fundo branco neutro e olhando diretamente para a câmera. Cada um possui uma placa com um número de identificação pendurado ao pescoço. 
    Cláudia Andujar. Série Marcados.

    A morte é ainda o principal mote para compreender a recepção dos Yanomami à obra de Andujar quando, no melhor momento do episódio, são convidados a irem ao Inhotim, um espaço que, apesar de belo e relevante para a arte contemporânea, pouco, ou melhor, nada tem a ver com a vida e cultura de povos indígenas. É curioso ver no episódio o momento em que os Yanomami olham as fotografias, com expressões que por vezes parecem muito semelhantes à dos demais visitantes do Inhotim, mas em outros, parecem tão diferentes, pois identificam rituais, posam diante de sua própria memória e até estranham a forma como um branco – no caso, Andujar – os representou, como quando o pajé questiona o por quê de haverem fotos de mãos e pés, como se a fotógrafa quisesse saber como são seus membros, como se pudessem ser algo muito diferente do usual.  

    Acontece que muitas das pessoas mostradas nas fotografias já estão mortas, o que muda por completo a relação do Yanomami com as fotografias. O pajé Davi Kopenawa deixa claro que não reconhece muitas das pessoas que estão ali representadas, algumas por serem de outras tribos, outras por já terem morrido a muito tempo. Os nomes dos indígenas não consta, como observa uma índia Yanomami a seu lado quando observam uma das imagens, o que parece apenas dificultar o seu reconhecimento. Um outro indígena, que não foi identificado no episódio, explica com um smartphone na mão que não há problema em fazer registros fotográficos de seus parentes e amigos enquanto sabe que aquela pessoa ainda está viva e que esteve presente naquele lugar, mas em caso de falecimento, não hesitaria em deletar tais imagens, explicando que não devem ser preservadas quando são tudo o que restou da existência daquela pessoa.

    O pajé ainda comenta sobre a fotógrafa ter feito registros das mãos e pés dos Yanomami, sem que seja possível indicar a quem pertencem tais partes do corpo, e comenta, em tom de brincadeira, que irá fotografar as mãos dela também. Depois, em uma cena ainda mais incômoda, em que está sentado diante de funcionários responsáveis pela galeria e com Claudia Andujar a seu lado, revela que, diferente deles e daqueles que visitam a galeria, olhando para as fotos com interesse e achando-as bonitas, olhar para pessoas que conheceu e que sabe já estarem mortas o entristece, mas completa afirmando conhecer o trabalho de Andujar, a quem chama de Napayama, revelando respeito a ela por seu envolvimento e luta por  seu povo.

    Um indígena Yanomami é visto de costas observando fotografias de Cláudia Andujar em uma galeria do Instituto Inhotim. Seu tronco está nu, e  ele usa acessórios característicos, como um colar e um conjunto de penas vermelhos em seu braço esquerdo. 
    William Gomes. Yanomami visita galeria com fotografias de Cláudia Andujar.

    O episódio segue com as impressões de Kopenawa sobre o próprio museu, em que, não o vê como local de preservação, mas como um local que foi devastado e replantado com árvores que não reconhece como brasileiras, culminando na afirmação de que os verdadeiros responsáveis pela preservação da flora são eles, os indígenas. Há ainda uma discussão sobre a arte indígena, os desenhos feitos pelos próprios Yanomami após serem apresentados ao papel e ao pincel atômico por Andujar e que seriam, portanto, representativos dos seus próprios grafismos e formas de produzir representações em imagens. Há também explicações sobre o envolvimento da fotógrafa com o ativismo para salvar a vida daquele povo durante a ditadura militar. 

    É interessante perceber que muitas vezes, através de outras culturas, diferentes visões sobre um assunto podem ser conhecidas. Enquanto nos apegamos às imagens fotográficas para lembrarmos de nossa vida, daqueles que já se foram e até para expô-las em espaços como museus, o povo Yanomami não vê sentido em conservar a existência de alguém querido que já não habita entre eles. O episódio Claudia Andujar é o 4º da série Inhotim – Arte Presente, que está disponível na Netflix.

    E aí? Gostou de conhecer um pouco mais sobre a obra de Cláudia Andujar e sua relação com os Yanomami? Conta pra gente aqui nos comentários o que achou da dica de episódio de hoje! Nos siga também no Instagram.

    Links, Referências e Créditos

    CLAUDIA Andujar. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa18847/claudia-andujar>. Acesso em: 21 de Nov. 2020.
  • Revista Zum

    Uma revista de fotografia que traz reflexões críticas, além de diversas entrevistas com fotógrafos muito interessantes. 

    A revista Zum é uma revista de fotografia que se propõe a apresentar uma reflexão crítica do assunto, “entrecruzando a fotografia com as áreas da literatura, do cinema e de outras formas de expressão artística” (PEREIRA, 2018). Criada em outubro de 2011 pelo Instituto Moreira Salles (IMS), dedicado à divulgação de arte, fotografia e literatura nacionais, a revista semestral já tem 18 edições publicadas. 
    Legenda: capa da revista Zum edição #18
    Descrição: colagem de várias fotos de pessoas e de paisagens naturais com o nome da revista escrito na parte superior esquerda.
    Ela traz diversos artigos, ensaios fotográficos e entrevistas com fotógrafos, grande parte deles também publicados no site da revista, podendo ser lidos a vontade, embora a experiência de ler a revista como um todo seja bem mais interessante, devido ao design do veículo que destaca muitos as fotografias.
    A revista sempre traz entrevistas e análises muito bem escritas, que não cansam o leitor e te incitam a pesquisar cada vez mais sobre fotógrafos e técnicas da área. Inclusive, algumas entrevistas da revista já foram usadas de base em textos do blog, como as galerias de Bernd e Hilla Becher e de Cristina de Middel. 
    A Zum pode ser comprada em versão impressa na loja online do Instituto Moreira Salles, com faixa de preço variando entre 45 e 55 reais. Devido a pandemia, a 18º edição também foi publicada digitalmente e distribuída de forma gratuita no site. A leitura online é muito prática e tem até um efeito de passar a página como em uma revista física.
    Legenda: print da tela do computador mostrando a edição online da revista.
    Descrição: revista aberta mostrando uma fotografia forma por colagem. 
    A Revista Zum traz um conteúdo intrigante e acessível ao mesmo tempo, não só por estar disponível para a leitura em um site, mas também por ter uma linguagem compreensível mesmo para os mais leigos no assunto. Se você se interessa por fotografia e quer aumentar seu repertório, principalmente de fotógrafos e fotógrafas, é uma leitura fundamental. 
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    Links, Referências e Créditos

     

  • O Fabuloso Destino de Amélie Poulain

    O Fabuloso Destino de Amélie Poulain

     Entenda como a fotografia marca a história do filme francês que conquistou pessoas ao redor do mundo e tornou-se referência cult. 

    Não me lembro quando, onde, e muito menos por que assisti pela primeira vez “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, mas sei que esse filme me marcou de uma maneira indizível – embora ironicamente eu esteja escrevendo tentando colocar tal sentimento em palavras. A história de uma jovem que, devido a um equivocado diagnóstico de doença cardíaca, cresce longe do convívio com outras crianças e constrói para si um mundo próprio, aprendendo também a encontrar prazeres em coisas simples da vida, talvez até quase imperceptíveis aos outros em suas vivências cotidianas. De relato biográfico, para fábula sobre fazer boas ações sem esperar nada em troca, para um romance açucarado, o filme francês de 2001, dirigido por Jean Pierre Jeunet, foi um sucesso de público e crítica, tendo sido indicado ao Oscar de Melhor Direção de Arte, Melhor Fotografia, e outros. Com uma personagem sensível aos pequenos detalhes ao seu redor, uma direção de arte marcada por uma paleta de cores de verdes e vermelhos contrastante, e uma história que pouco a pouco vai nos conquistando, gerando identificação e choque ao notar como deixamos passar o dia sem notar suas pequenas maravilhas, o filme tornou-se uma referência cult, tendo uma boa quantidade de fãs e recentemente, adaptado para um musical na Broadway. Mas é a fotografia – e aqui não me refiro à cinematografia, um dos destaques mencionados, mas à imagem fotográfica, sua materialidade e seu poder de carregar afetos, que me rouba a atenção e me motiva a escrever esse texto. Acontece que quando criança, Amélie ganha de presente de sua mãe uma câmera, mas um vizinho, agindo de má fé, faz com que ela, após fotografar a tarde toda e presenciar um acidente de carro, acredite que a máquina causava acidentes. A fotografia volta a marcar presença ao longo do filme e mostra-se relevante uma vez que um dos principais eixos da narrativa gira em torno de um álbum de fotografias misterioso.

     
    Cena de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001). O curioso álbum de fotografias desperta o interesse de Amélie e muda seu destino.

    Um dia, Amélie se depara com um homem que catava pedaços rasgados de fotografias do chão de uma cabine fotográfica. Ela se apaixona por ele ali mesmo, sem jamais ter o conhecido ou sequer falado com ele. Quando o jovem sai correndo tentando parar um homem que esqueceu alguma coisa, ela vai atrás e acaba pegando uma mala que cai da bicicleta do rapaz desconhecido. O que há dentro da mala muda seu destino que, até então, parecia ter seu sentido em fazer pequenos gestos de bondade aos outros, sem no entanto mudar a solidão de Amélie, que cultivava uma relação de pouca comunicação com o pai, que por sua vez, recusava-se a viver a vida e viajar após a morte da esposa. 

    O álbum desperta o fascínio de Amélie por possuir uma vasta coleção de fotografias de estranhos que haviam sido descartadas, rasgadas, e ali estavam coladas e catalogadas. Há ali fotografias de um homem misterioso, que surgia diversas vezes, sempre com a mesma expressão. É interessante como em certo momento, ao conversar com o velho pintor Raymond sobre quem poderia ser o sujeito, Amelie chega à conclusão que só poderia ser um morto que manda sua imagem vinda do além temendo cair em esquecimento pelos vivos, o que parece remeter ao pensamento de que a fotografia seria uma maneira de superar a própria ação do tempo e da morte, mantendo congelado um momento da história para a eternidade.  

    Ao mesmo tempo que Amélie quer descobrir a identidade do estranho, inicia um plano para conhecer seu amado, em que a fotografia faz parte crucial para isso, uma vez que é através dela que começa a comunicar-se com ele, sempre disfarçada e segurando mensagens escritas para que possa vê-lo em um determinado local e horário. Além disso, Amélie busca fazer com que o pai viaje pelo mundo e aproveite a vida, contando para isso com a ajuda de uma amiga aeromoça que leva consigo o querido anão de jardim do Sr. Poulain, enviando para a sua casa fotos do gnomo em pontos turísticos ao redor do mundo. No final, o médico aposentado que não queria sair de casa termina por fazer as malas e tomar um táxi em direção ao aeroporto internacional. 

    Cena de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001). O Sr. Poulain recebe em casa fotos de seu anão de jardim viajando o mundo.

    É curioso como, não sendo um filme cujo assunto seja a fotografia, ela esteja presente de forma tão marcante. É mais um dos detalhes fabulosos do icônico filme francês que ainda consegue me emocionar ao assisti-lo pelo que acredito ser a 10ª vez. Não espero convencer nenhum leitor a assistir a esse filme com grandes expectativas que se espera de uma grande produção mainstream hollywoodiana. Sugiro que assista despretensiosamente, mas com o coração aberto. Trata-se de um filme feito de sutilezas, como o próprio olhar da personagem que lhe dá nome antevê, onde até mesmo uma fotografia sem graça rasgada pode levar a uma pequena reviravolta do destino. 

    Você já assistiu ao filme? Conta pra gente nos comentários o que achou! E não se esqueça de seguir o Cultura Fotográfica no Instagram!

  • Uma Câmera Muito Incomum (Além da Imaginação T02XE10)

     A câmera como um objeto mágico em uma crítica à ganância humana.

    Um casal de ladrões rouba uma loja de antiguidades e, entre falsos castiçais do Luís XIV e falsos vasos da dinastia Ming, um único artefato se mostra de valor: uma câmera Polaroid antiga cujas fotos mostram o futuro imediato, mais especificamente cinco minutos a frente. O enredo pertence ao episódio 10 da segunda temporada de “Twilight Zone”, série antológica que foi ao ar entre 1959 e 1964, veiculada aqui no Brasil com o título “Além da Imaginação”. A série foi uma das primeiras a utilizar a ficção científica, a fantasia e o terror como metáfora para questões sociais e crítica moral, por meio de episódios que sempre tinham uma reviravolta. Ou seja, essa série é muito “Black Mirror”, ou melhor, “Black Mirror” é muito “Twilight Zone”.

    The Twilight Zone T02E10 – A Most Unusual Camera

    Entre os objetos de crítica da série, a evolução da tecnologia parece ser a maior fonte de desconfiança quanto a ser uma ameaça à democracia e às relações sociais, atributo comum em narrativas a partir da metade do século XX, especialmente no contexto de corrida espacial. O episódio não é exatamente reflexo dessa desconfiança tecnológica, mas, ao utilizar a tecnologia como uma ferramenta da ganância humana, a câmera, como tantos outros aparatos tecnológicos exibidos na série, é concebida, não como um elemento cotidiano, mas como algo exótico e cujo funcionamento é praticamente autônomo. Nesse quesito, percebe-se que não é à toa que o episódio se chama “A Most Unusual Camera” (Uma Câmera muito Incomum), já que a câmera em questão subverte toda a lógica conhecida sobre o processo fotográfico de registrar em uma superfície fotossensível a imagem resultante da luz sobre os corpos.

    The Twilight Zone T02E10 – A Most Unusual Camera

    Bom, depois de descobrir o potencial da câmera, o casal de ladrões junto com o irmão da mulher, fugido da prisão, dão a ela uma função que condiz com a condição criminosa dos personagens: eles passam a tirar fotos do placar em corridas de cavalo, antes da corrida, apostando sempre no cavalo ganhador. Após descobrirem que a câmera possui uma inscrição em francês que diz “Dix a la Propriétaire”, que significa “dez ao proprietário”, indicando que a câmera só tira dez fotografias, é desencadeada uma briga pela posse do aparato (e do dinheiro conseguido com o seu uso) que leva o episódio a terminar com todos os personagens mortos. Acredito que hoje em dia, as narrativas que utilizam a câmera como o motor de tragédias já estejam saturadas. Além de fotografias que mostram o futuro, posso citar também as que mostram fantasmas, as que mostram a morte do fotografado, as que condenam o fotografado à uma série de infortúnios ou mesmo à morte. Porém, a melhor parte de assistir a esse episódio é conseguir reconhecer quantas dessas histórias se inspiraram na série. A série, aliás, é origem de várias referências comuns da cultura pop.

    Além disso, a despeito da saturação da utilização da fantasia em torno da câmera, acho que essa maneira de representar a fotografia é, na verdade, muito realista. Os aborígenes estadunidenses, por exemplo, acreditavam que a fotografia podia roubar as suas almas. Em outro momento da história da fotografia, houve tentativas de se obter uma fotografia da alma, influenciadas tanto por razões científicas quanto religiosas. Alguns manuais até ensinavam a fotografar a alma, alguns fotógrafos clamavam ter realizado o feito, mas, de maneira geral, essas fotografias se tratavam de efeitos de dupla exposição, superexposição ou do movimento em uma fotografia com uma velocidade muito longa.

    The Twilight Zone T02E10 – A Most Unusual Camera
    O episódio, como tantos outros da série, é bobo, com atuações exageradas e personagens com objetivos que não são sustentados pelo enredo, mas, discussões sobre a significação social da fotografia podem ser feitos a partir dele. Em determinado momento, os personagens estão decidindo o que deveriam fazer com a câmera e um deles tem a ideia de doar para ser utilizada por cientistas. Nas palavras dele: “Agora achamos algo que poderia fazer algo bom para alguém. A ciência poderia usá-la.” Em seguida, contudo, o personagem nota uma corrida de cavalos sendo transmitida na televisão e decide utilizar a máquina para ganhar dinheiro. A cena me remeteu a dualidade dos usos da fotografia, que além de arte e rito social, é também utilizada em pesquisas científicas, como documento, como um facilitador da burocracia, etc.
    Por esses motivos eu recomendo o episódio e a série, não obstante vários episódios com enredos superficiais, os diálogos fracos e as situações ridículas causadas pela falta de meios de realizarem os efeitos que as cenas requeriam. Considere o ato de assistir à série como um contrato em que todos os termos, históricos e relativos ao caráter ficcional, precisam ser aceitos para que seja aceitável. Se você já assistiu, deixe as suas opiniões aqui nos comentários.
  • Parasita

    Parasita

    Vencedor de melhor filme do Oscar em 2020, não só apresenta uma narrativa ímpar como também uma direção de fotografia excelente.

    É um filme de suspense e drama sul-coreano de 2019 com direção de Bong Joon-ho e cinematografia de Kyung-pyo Hong. Parasita foi uma das grandes surpresas do Oscar 2020, ninguém esperava que um filme não falado em inglês pudesse ganhar a principal premiação, mas ele superou todas as expectativas e além do prêmio de melhor filme também ganhou como melhor diretor, roteiro original e filme internacional.

    No poster podemos ver vários personagens do filme parados em um gramado na frente de uma casa. Todas as pessoas estão com tarjas pretas no rosto.
    Pôster do Filme

    O filme  retrata a vida precária da família Kim que é composta por quatro integrantes. O pai (Ki-taek), a mãe (Chung-Sook), a filha (Ki-Jung) e o filho (Ki-Woo). Eles vivem em uma espécie de porão muito sujo e apertado e enfrentam problemas financeiros já que todos estão desempregados. A história começa a se desenrolar quando, por uma indicação de um  amigo, Ki-Woo começa a dar aulas de inglês para a filha dos Park, uma família de classe alta. Encantados com a luxuosa vida deles, os Kim pensam em um plano para entrar no âmbito familiar da rica família, e ao decorrer do filme, todos eles conseguem um espaço ao redor da família burguesa.

    O filme carrega uma forte crítica ao gigantesco abismo social que há entre as parcelas mais ricas e mais pobres da sociedade, que é percebida durante toda a narrativa. A direção cria metáforas visuais que completam a mensagem transmitida pelo roteiro. A começar pelo usa das linhas, que aparecem sempre entre os personagens mais ricos e mais pobres para simbolizar a segregação que ocorre entre eles e como eles parecem não pertencer ao mesmo lugar. Outro artifício fotográfico é a variação dos ângulos da câmera. Os Kim quase sempre aparecem em plongée enquanto os Parks aparecem em contra plongée.

    A iluminação também desempenha um papel importante nas metáforas visuais. A casa dos Kim sempre está como pouca iluminação, as cenas que se passam lá sempre são cheias de sombras, já a dos Park sempre está bem iluminada, e o diretor fez questão de gravar todas as cenas diurnas na casa com iluminação natural, já que a luz do sol é citada na história como um fator motivante para a família dos Kim.

    a cena vemos a Sra Park segurando uma cachorro enquanto fala com KI-Woo, que está de costas para a câmera. 
    Cena do Filme

    Nessa cena podemos ver a importância da luz do sol na narrativa, quando Ki-Woo entra na casa dos Park pela primeira vez a câmera o acompanha subindo as escadas em contraluz, e com isso podemos perceber a enorme incidência de luz no lugar.

    Na cena vemos a Sra Park segurando uma cachorro enquanto fala com KI-Woo, que está de costas para a câmera. 
    Cena do Filme

    Já nessa cena vemos claramente a alça da geladeira formando uma linha imaginária separando Ki-Woo de sua chefe.

    Na cena vemos o pai Ki-Teak olhando por uma janela que fica no mesmo nível que a rua.
    Cena do Filme

    E aqui podemos ver o ângulo da câmera em plongée, que diminui o personagem, e o efeito ainda é maximizado já que ele está abaixo do nível do chão.

    Parasita é um filme excelente que leva o espectador a refletir sobre o funcionamento da sociedade em que vivemos. Ele consegue prender muito bem a atenção, faz você torcer contra ou a favor dos personagens de uma maneira brilhante do início ao fim o filme surpreende seja pela bela fotografia, ou pela história cheia de plot twists.

    Links, Referências e Créditos

    Como citar essa postagem

    HELENA, Beatriz. Parasita. Cultura Fotográfica. Publicado em: 18 de dez. de 2021. Disponível em: https://culturafotografica.com.br/parasita/. Acessado em: [informar data].

  • Aurora (1927)

    Aurora é um exemplo de que uma bela composição fotográfica não salva o enredo.

    Aurora é um exemplo de que uma bela composição fotográfica não salva o enredo.


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  • Perfil “Dancing With Them”

    Perfil “Dancing With Them”

    Legenda: print de tela do perfil mencionado

    O #dicade de hoje trás um perfil do Instagram que é dedicado a compartilhar fotos de casamentos de pessoas da comunidade LGBTQIA+.

    Em todas as nossas colunas nós exploramos as diversas formas de se fazer fotografia, e seus diferentes impactos nas pessoas e no mundo.  A fotografia é uma grande forma de fazer recordações e contar histórias. No #dica de hoje, trazemos para vocês um perfil no Instagram dedicado a capturar e espalhar o amor, em todas as suas formas.

     
    Print de tela do perfil mencionado

    O perfil no Instagram “Dancing With Them” é dedicado à divulgação da revista de fotografias de casamentos de pessoas da comunidade LGBTQIA+. O projeto foi criado por Tara e Arlia, um casal americano que, quando começaram os preparativos para o seu casamento, encontraram uma indústria heteronormativa que não condizia bem com suas expectativas. Assim “Dancing With Them” surgiu para publicar e celebrar todo amor LGBTQIA+ com autenticidade e carinho.

    Print de tela do perfil mencionado

    As fotografias da página são um conjunto de vários fotógrafos de casamento, que foram compartilhadas pelos casais junto com suas histórias.

    A representatividade em espaços de domínio público é uma coisa muito importante, porque fortalece o sentimento de orgulho para as pessoas da comunidade e é de grande ajuda para o combate da LGBTQIA+ fobia, normalizando a diversidade. As fotos desse perfil me tocaram bastante. Por ser parte da comunidade, sei que se tivesse visto fotos como essas quando era mais nova, meu processo de aceitação teria sido bem diferente.

    Convido a todos vocês a irem conferir o perfil no Instagram, e depois virem falar com a gente o que acharam aqui no blog!

    Links, Referências e Créditos

    Como citar essa postagem

    COSTA, Clara. Perfil “Dancing With Them”. Cultura Fotográfica. Publicado em: 4 de dez. de 2020. Disponível em: https://culturafotografica.com.br/perfil-dancing-with-them/(abrir em uma nova aba). Acessado em: [informar data].

  • Diante da dor dos outros

     

    Sontag analisa imagens da guerra, desde as pinturas de Goya até fotos do atentado do 11 de setembro, refletindo e criticando nossa relação com elas.

    Susan Sontag foi uma importante intelectual e escritora norte-americana. Cursou filosofia na Universidade de Chicago e fez pós-graduação na Universidade de Harvard, além de ter estudado literatura e teologia. Defensora dos direitos humanos, foi presidente do American Center of PEN (1987-1989), organização de escritores que lutavam pela liberdade de expressão, onde liderou diversas campanhas a favor de autores presos ou perseguidos. 
    Legenda:Susan Sontag em 1993, Alen Macweeney/Corbis/Getty Images
    Descrição: uma mulher encara a câmera enquanto se encosta no que parece ser uma porta.
    Sontag publicou diversos romances, ensaios críticos e peças de teatro. Nos últimos anos de sua vida foi uma crítica do governo de George W. Bush e da Guerra do Iraque, o que pode ser percebido em seu último livro publicado em vida: Diante da dor dos outros (2003). Editado no Brasil pela Companhia das Letras, este livro retoma um dos pontos abordados pela autora em Sobre Fotografia, o de que o impacto das imagens violentas de guerra já teria diminuído por causa de seu uso constante pela mídia. 
    Em Diante da dor dos outros, a ensaísta analisa diversas imagens violentas desde os quadros de Goya da guerra até os registros do atentado do 11 de setembro, passando pelas fotografias dos campos de concentração nazistas refletindo sobre questões como o fato de fotos de guerra terem sido encenadas faz com que elas percam sua força para o “público” ou se a divulgação dessas imagens  em revistas e jornais podem fazer com que elas se tornem banais, entre muitas outras. Cada capítulo do livro rende um debate.
    Legenda: capa do livro, Companhia das Letras
    Descrição: uma ilustração de um homem enforcado em uma árvore enquanto outro homem o encara. Na frente estão o título do livro, o nome da autora e da editora.
    Um dos momentos mais interessantes do livro é quando a escritora condena a constante afirmação do senso comum de que por causa da mídia, a guerra se tornou um espetáculo. Ela classifica a afirmação como provinciana, já que partiria apenas de um grupo seleto de pessoas que jamais vivenciou a dor e a violência, a não ser através da tv e dos jornais.
    Eu já havia lido e escrito sobre um livro de Sontag aqui para o blog, e como havia dito naquele post, fiquei muito intrigada para conhecer mais obras da autora. E posso dizer que essa segunda leitura não decepcionou, e por abordar um tema tão complexo como nossa relação com imagens de violência, conseguiu ser ainda mais engajante que o Sobre Fotografia, outro livro incrível.  
    Mesmo tendo falecido há mais de uma década atrás, em 2004, Susan Sontag continua uma autora extremamente atual, trazendo reflexões não só sobre fotografia, mas sobre a mídia, o comportamento humano e a forma como retratamos a guerra dependendo de onde ela ocorre. Leitura indispensável.
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    Links e referências