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* Categoria de hierarquia superior.
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Do pardo ao preto, da marginalização ao genocídio, o negro.
No Brasil a cor da morte é preta e a violência segue essa paleta de cor à risca, que define o critério de morte ou vida, de negar ou permitir, de ser bom ou mau de clarear ou denegrir.
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Bruno Santos/Folhapress |
O autor da imagem é o fotógrafo Bruno Santos, e a fotografia ilustra uma matéria publicada pela Folha de São Paulo com o título “Parem de matar nossos filhos”. A fotografia mostra manifestantes carregando cartazes, com nomes de jovens mortos em ações policiais durante o ato “Vidas Negras Importam”.
A foto, tirada no ano de 2020, na cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, me traz a impressão de que poderia ter sido tirada esse ano, ou nos próximos, em qualquer cidade do Brasil. Pois ela retrata a reivindicação de respostas ao genocídio de pessoas pretas, que são assassinadas a cada 23 minutos em todo país, e na maioria esmagadora dos casos, são acontecimentos invisibilizados e esquecidos.
Os cartazes presentes na imagem, apesar de estarem em segundo plano, são os primeiros a chamarem minha atenção. Por se tratarem de códigos linguísticos, eles nos convidam a lê-los. Os cartazes estampam frases, nomes, números, e dores. Estampam vidas perdidas e desaparecidas. Estampam a morte e reivindicam respostas sobre ela, trazem voz ao silêncio mantido sobre essas mortes, e transformam o medo em revolta. Escrevem, em cima do apagamento desses assassinatos, “reivindicação”.
O grupo de manifestantes composto majoritariamente de mulheres negras, que seguram os cartazes, é o segundo ponto da imagem que meus olhos percorrem. Essas pessoas trazem semblantes pesados e de sofrimento e demonstram que além da pele de quem morre ser preta, a dor acima de tudo, quem sente são corpos pretos. Esses indivíduos reivindicam o direito à vida de pessoas negras, sua importância e acima de tudo sua dignidade.
A mulher que ganha destaque no primeiro plano da fotografia, é a próxima parada da minha observação. Ao falar em um megafone ela traz em seu rosto uma expressão carregada de força e dor. A imagem grita, ainda que sem qualquer som, a dor que o povo preto sente e tem que transformar em força. Grita como essas mulheres, e acima de tudo essas mães que perderam seus filhos, tem que lutar por eles para reivindicar a vida, ainda que na morte. E ter esperança para transformar todo seu sofrimento, nessa luta.
Toda a cena presente na fotografia me tira o ar e o chão, me imprime cansaço e desespero, me traz a dor de saber que o meu povo precisa lutar apenas pelo direito de viver. Esses jovens assassinados tem uma pele como a minha, que carrega tanto significado, tanta vida, tanta gente, que me carrega também. Ao ver essa imagem, ela me fere. Mas como mulher negra, essa imagem também me traz força, a força que é necessária mesmo na dor e especialmente nela. A força para lutar, para que mais mães não percam seus filhos pretos, para que mais negros não tenham suas vidas roubadas. Que possamos ter essa força para reivindicar nossos direitos.
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Isadora Lúcia de Souza Silva é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
A revolta que une manifestantes no isolamento social.
A imagem de autoria de Bruno Santos foi publicada no dia 4 de julho de 2021 no jornal Folha de São Paulo com a legenda: “Manifestantes carregam cartazes com nomes de jovens mortos em ações policiais, durante o Ato Vidas Negras Importam, em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo”. O título da matéria: ‘Parem de matar nossos filhos’.
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Bruno Santos |
O protesto organizado por 15 coletivos do movimento negro e frentes populares da periferia de São Paulo teve como objetivo obter respostas para a morte de cinco jovens assassinados pela polícia militar. Além disso, o grupo reivindicava o acesso à saúde na zona leste da capital durante a pandemia.
A fotografia de Bruno Santos acredito que atrai o olhar e nos toca de duas formas. Primeiro, mais superficialmente, por ser uma foto muito bem tirada que gravou o momento exato do grito da mulher à direita e, também, pela posição do fotógrafo que se colocou contra o sol forte. Os manifestantes ao fundo tem os olhos semicerrados devido a forte luz solar, incrementando a fisionomia que expressa não apenas raiva, como tristeza e frustração, além de diversas outras emoções provocadas na manifestação.
Numa segunda análise, mais aprofundada, por tratar de um assunto recorrente e desumano, a imagem nos faz repensar os privilégios da parcela branca rica da população e a consequente morte da metade negra e periférica, impulsionadas unicamente pelo racismo estrutural arraigado na sociedade brasileira.
Pensar que em meio a uma pandemia pessoas tiveram de sair de suas casas para defender o direito a vida de seus filhos e cobrar respostas pela morte precoce deles pelas mãos do próprio Estado que, supostamente deveria proteger seus cidadãos, é no mínimo revoltante, motivo não apenas para questionar mas derrubar as estruturas de privilégio existentes.
O movimento Vidas Negra Importam teve início nos Estados Unidos e se espalhou por diversos países e continentes. Entretanto, nenhum deles possui uma realidade de extermínio da população negra como o Brasil e os Estados Unidos. Ambos antigas colônias repletas de escravizados, os dois países em muito se assemelham quando o assunto é a luta racial. Ambos ainda têm muito o que reivindicar.
Todavia, por mais que em muito se assemelham, a história e vivência da população negra estadunidense e brasileira não são idênticas. Cada sociedade possui dificuldades próprias e é preciso que o povo brasileiro perceba e lute a partir disto, se não acabará por importar questões que não inteiramente cabem em nossa vivência e, inevitavelmente, acabará deixando de lado problemas intrínsecos a nossa realidade.
É preciso que o Brasil branco se informe e atue juntamente com a população negra contra as máquinas racistas do Estado. Como disse a ativista estadunidense Angela Davis: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista é necessário ser antirracista”.
A pandemia se amenizou, mas o racismo a cada dia descobre novas formas de alcançar e dominar as estruturas de poder. É preciso ir às ruas, é preciso ir à luta.
#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.
Couto, Sarah. Movimento Vidas Negras Importam. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/movimento-vidas-negras-importam/>. Publicado em: 22/07/2022. Acessado em: [informar a data].
Queridíssima pelos brasileiros, Clarice Lispector sabia muito bem de sua incompreensão perante os olhos dos outros. Mas, não os de Claudia Andujar.
Clarice sempre foi uma escritora incompreendida. Podem entender seus textos, mas a pessoa? Quase nunca. E esta é uma das características mais peculiares da “pernambucana”, como se declarava. Julgo que Claudia Andujar sabia disso quando a fotografou para uma reportagem em 1961 em sua casa, no Recife.
Claudia Andujar |
Esta foto me puxa para fora dela, causando o efeito oposto da maioria das fotografias. Mais do que olhar, essa fotografia me faz querer investigar Clarice; e não somente isto, mas olhar para Clarice através das lentes fica mais interessante se feito com os olhos de Claudia.
Enxergo através desta fotografia, uma mulher que enxerga a outra. Não apenas como mulher, mas como indivíduos que compartilham perspectivas similares sobre a vida. Tanto Claudia quanto Clarice são imigrantes, tendo ambas deixado a Europa, se estabelecido no Brasil e se naturalizado brasileiras. Ambas são lembradas até hoje por conta de seu trabalho realizado, predominantemente, em solo brasileiro. O que é pertinente, já que esta foto exibe justamente o trabalho das duas: a fotografia e a escrita.
Mas eis o questionamento: Como enxergar a escritora de forma mais íntima que através das lentes de Andujar? Ou, ainda, como entender Clarice Lispector melhor do que enxergando pelos olhos de Claudia Andujar? É possível?
Ali, sentada no sofá, tranquila e elegante, Clarice tece palavras. Seus olhos semicerrados defrontam o datilógrafo. Seus dedos esguios gentilmente tocam os botões, adicionando vida a seus textos. A foto me transmite a sensação de que há uma oposição entre a profundidade do que está sendo escrito por ela naquele momento e a leveza de seu suspiro, eternizado por Andujar.
Para todos os lados está a casa de Clarice, e no centro seu corpo se faz presente. Ela apoia a máquina datilográfica de forma quase espiritual em seu colo, como se estivesse em completo transe; em êxtase; e nada ao redor parece importar ou estar preenchido de significado quando se está ao lado dela. A única exceção para isso parece ser Claudia Andujar, capaz de enxergá-la e nos fazer enxergar a escritora daquela forma.
Particularmente, dentre todas as coisas que Claudia me faz enxergar em Clarice, digo que a solitude é a mais vibrante delas. Clarice está fisicamente ali, mas se faz realmente presente nos limites de sua mente. Ela articula, inspira e transpira poesia, e faz isso isolada e indiscretamente discreta; sem a necessidade de companhia, exceto de alguém tão semelhante a ela mesma.
Ocupando cerca de ¼ da fotografia, aquela delicada e caprichosa escritora transmite, para muito além de seu corpo, tudo o que é. Dela emana uma aura eternizada na fotografia de Andujar que talvez não fosse propriamente capturada se, por acaso, fosse outra pessoa atrás daquelas lentes.
Se, caso outra pessoa estivesse ali, iria enxergá-la tal como é? Ou apenas veria Clarice? Talvez, não sendo Cláudia, com seu olhar igualmente delicado e elegante, não conseguisse perceber que entender Clarice “não é uma questão de inteligência, e sim de sentir…”. Ou captura, ou não captura.
#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.
A fotografia como forma de abordar temas socialmente negligenciados.
Nascida em Washington DC em setembro de 1953, Nan Goldin cresceu numa família judia de classe média-alta em Boston. Com apenas 11 anos, enfrentou o luto devido ao suícidio de sua irmã mais velha. Próximo aos 16 anos, foi introduzida ao mundo da fotografia ao ganhar sua primeira câmera fotográfica.
Em suas imagens, há uma espécie de composição quase orgânica, elas retratam momentos íntimos e ‘naturais’, sem muito preparo ou interferência da fotógrafa na cena. Goldin evidencia em suas fotos temas como o sexo, drogas e as comunidades gay, trans e travesti do final do séc XX.
Seu trabalho mais conhecido, “The Ballad of Sexual Dependency” – A Balada da Dependência Sexual – publicado em 1986, retrata a cultura gay, bem como familiares e amigos da artista.
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Nan Goldin |
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Nan Goldin |
Em todos os seus trabalhos, Goldin traz questões como sexo, drogas e momentos de intimidade, recorrentes em nossa sociedade, isto devido a seu olhar humanizado e intimista. A maior contribuição da artista para a fotografia, foi o ato de fotografar momentos considerados “não merecedores” de retratação.
Em 1984, Nan publicou seu mais famoso autorretrato, a foto foi tirada um mês após ser brutalmente agredida pelo namorado Brian, anteriormente presente nas fotografias da artista.
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Nan Goldin |
A comunidade LGBTQIA+ sempre foi um tema presente nas fotografias de Goldin. Após se formar na School of the Museum of Fine Arts no ano de 1973 em Boston, a artista se mudou para New York, onde teve maior contato com mulheres trans e travestis.
Durante as décadas de 70, 80 e 90, Nan tirou diversas fotografias dentro do tema, publicando, em 1991, a série “Jimmy Paulette e Taboo! Undressing” na qual acompanhou todo o momento de transformação das duas travestis.
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Nan Goldin |
#galeria é uma coluna de caráter informativo, com periodicidade semanal. É publicada toda terça-feira pela manhã. Trata-se de uma série de postagens que apresenta um recorte da obra de uma fotógrafa ou fotógrafo de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica, acompanhadas por uma breve biografia sua. Quer conhecer melhor a coluna #galeria? É só seguir este link.
COUTO, Sarah. Nan Goldin. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/nan-goldin/>. Publicado em: 18/07/2022. Acessado em: [informar data].
Fotografia de Lucas Landau, tirada em 2018, expõe mentalidade preconceituosa do povo brasileiro.
Objetivamente, a fotografia mostra um menino na praia de Copacabana durante a virada do ano de 2017 para o de 2018. Estático, o garoto olha para cima, hipnotizado pelos fogos de artifício — sequer nota a presença do fotógrafo. Landau a postou sem segundas intenções ou interpretações, mas em apenas algumas horas, a imagem havia viralizado pelos motivos errados, gerando intrigas e discussões.
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Lucas Landau |
É possível traçar paralelos entre a composição dessa fotografia e as interpretações equivocadas que dominaram a mídia. A criança, que é o elemento principal da imagem, está focada enquanto a multidão ao fundo está borrada. O fato de o menino estar sozinho no plano focado passa a sensação de isolamento e pode dar a entender que a sociedade mantém distância enquanto fala ou até mesmo caçoa de sua suposta vulnerabilidade social.
Ainda pensando em questões sociais, a multidão é dominada pela cor branca, criando um contraste não só com o menino, mas com seus arredores. Ao não utilizar o flash, Landau mantém todo o primeiro plano escuro (o fotógrafo menciona, inclusive, que preferiu publicar a imagem em preto e branco, pois estava escura em cor). Esse fator faz com que o espectador sinta algo subliminar na escuridão, como se ela envolvesse a criança e tirasse sua visibilidade.
A própria roupa do menino é um elemento do primeiro plano que deve ser mencionado: além de estar sem camisa, está usando um par de bermudas pretas, que entram em conflito com o branco da multidão. É uma tradição se vestir de branco no réveillon, e o fato de a criança quebrar esse padrão fez com que muitas pessoas presumissem que ele simplesmente não tinha o que vestir para a ocasião, reforçando um estereótipo de pobreza.
Por fim, até mesmo a feição e a pose do menino deram margem para interpretações: seu rosto não expressa particularmente felicidade no momento capturado, e seus braços estão colados ao corpo, provavelmente em uma tentativa de se proteger das águas gélidas de Copacabana. Esses elementos fizeram com que muitas pessoas enxergassem uma tentativa de se defender da hostilidade da sociedade, apagando a simplicidade do momento que mostra apenas uma criança maravilhada com um espetáculo.
No dia 1° de janeiro de 2018, Lucas Landau publicou essa foto por ser uma imagem bela e espontânea, mas seria impossível que todos que chegassem a ela a vissem com a mesma inocência. Um conjunto de fatores fez com que um racismo velado viesse à tona e foi assim que um menino na praia, assistindo a um espetáculo, teve sua realidade reescrita e se tornou uma criança abandonada à margem da sociedade.
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Hynara Luiza Lopes Versiane de Mendonça é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
A presença de uma criança invisível brilha mais que os fogos de artifício na fotografia de Lucas Landau.
A fotografia a ser analisada é de Lucas Landau, fotógrafo brasileiro internacionalmente reconhecido por seu trabalho que retrata as nuances sociais e culturais do Brasil. Publicada no ano de 2018, essa imagem circulou por várias mídias, ascendendo debates em várias esferas da sociedade, a singularidade do retrato e do momento fotografado trouxeram destaque ao trabalho de Lucas.
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Lucas Landau |
O nome da fotografia é “Hell de Janeiro”, o subtítulo: “a ambiguidade da cidade que consegue ser ao mesmo tempo maravilhosa e infernal”, é uma das imagens contidas na coleção “Rio” de autoria de Lucas Landau. A série retrata e denuncia diversos problemas sociais da cidade do Rio de Janeiro.
A ambiguidade, como dito por Lucas em seu subtítulo, está presente nas fotografias da coleção Rio, e na foto “Hell de Janeiro” ela se dá pela diferença entre o menino em suas vestes de banho e as pessoas vestidas de branco ao fundo.
Quando analisamos os aspectos profissionais e técnicos da foto, vemos nitidamente o enfoque dado ao menino, o uso de um plano aberto possibilita a compreensão do cenário e dos personagens envolvidos na cena, enquanto, o alto contraste torna visível a diferenciação do preto e do branco, aspecto fundamental para que possamos entender que é uma noite de Reveillon em Copacabana, área nobre do Rio de Janeiro, devido ao uso das tradicionais vestes claras.
Além da compreensão do momento em que a foto foi tirada, o ponto mais interessante do uso desse tipo de contraste é a evidenciação do que há de crucial na fotografia: a racialidade do menino em destaque.
Quando associamos esse trabalho aos demais de Lucas Landau como o exemplificado abaixo, e os aspectos sociais já conhecidos do Rio de Janeiro, cidade com extrema desigualdade social, podemos interpretar essa fotografia como uma denúncia de como a sociedade invisibiliza as crianças negras. O menino está sozinho no mar, olhando os fogos de artifício com semblante curioso, enquanto as demais pessoas parecem nem notá-lo.
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Lucas Landau |
No entanto, se deixarmos de lado os demais trabalhos do autor por um momento, enxargaremos apenas um menino admirando as luzes coloridas que surgem no céu, o fato de ser uma criança negra nos leva a criar narrativas de pesar, o que é coerente, visto os dados que conhecemos da desigualdade étnico racial no Brasil.
Uma fotografia é constituída de muitos fatores, sejam eles técnicos e profissionais, mas também passa pela subjetividade do autor e de quem verá sua obra depois, somos todos constituídos por uma matriz ideológica, que nos permite analisar fotografias cada um à sua maneira.
Podemos enxergar na fotografia analisada, duas diferentes nuances, como exposto, mas no fim, a reflexão é uma só: assim como uma fotografia é dotada de um contraste, a sociedade segue a mesma lógica, não conseguimos olhar para uma criança negra sem notar que ela é negra, a diferenciação do preto e do branco, não é só um aspecto técnico, mas sim, um estigma social que influi diretamente no racismo estrutural do Brasil.
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Lívia Salles é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
O contraste entre o preto e branco e o colorido na interpretação da fotografia de Lucas Landau.
Tirada durante o Réveillon de 2018 pelo fotógrafo Lucas Landau, a imagem que ficou conhecida como ‘o menino negro do mar de Copacabana’ viralizou e trouxe à tona inúmeras interpretações. Diante disso, o objetivo desta crítica é apresentar a descrição objetiva da imagem, as interpretações advindas de processos comparativos e sua contextualização social e histórica.
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Lucas Landau / Reuters |
De maneira objetiva, a fotografia mostra um menino que de dentro do mar assiste boquiaberto os fogos de Copacabana. Atrás dele é possível ver uma enorme quantidade de pessoas vestidas de branco que também assistem o espetáculo. A partir disso, podemos inferir alguns pontos relevantes sobre a representação.
A escolha de planos da foto, as cores e as iluminações utilizadas condicionam nosso olhar para o personagem principal e, posteriormente, para a massa atrás dele. Além disso, fazem com que nossa interpretação seja guiada através das construções feitas, como se estivesse sendo contada uma história.
Por um lado, vemos um menino negro e pobre à beira do mar que está sozinho, assustado, com frio e é ignorado pela multidão branca que aproveita a festa. Essa visão se associa à imagem da exclusão social vivida por esta parcela mais pobre da sociedade e a foto pode se tratar das desigualdades sociais que são tão recorrentes no Brasil. O que traz essa sensação de isolamento é justamente o foco no personagem e o desfoque na multidão, como se os dois estivessem separados.
Por outro lado, com o destaque do personagem em primeiro plano é possível ver uma criança se divertindo no mar e assistindo encantada o espetáculo de fogos do ano novo. Não se sabe a origem dela e nem de onde ela vem. Assim, a associação imediata de pobreza e abandono do garoto negro pode significar, na verdade, um preconceito do observador. É possível ressaltar essas diferentes interpretações quando comparamos a primeira foto com a segunda.
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Lucas Landau / Reuters |
Ao contrário da primeira fotografia, há nesta um sombreado maior no menino e uma iluminação maior na multidão, trazendo um realce maior para o fundo da imagem. Por ela estar em cores, a sensação que me causa é de que estou observando a foto sem nenhum condicionamento exterior para minha interpretação. Em preto e branco, a sensação que a foto me traz é de algo “fúnebre”, “triste” e de que o autor quer que tenhamos uma visão específica sobre a imagem.
Ao procurar saber sobre a verdadeira história do ‘menino negro do mar de Copacabana’ encontrei que no momento em que o fotógrafo Lucas Landau tirou a fotografia, o menino havia afastado de sua mãe (que trabalhava como ambulante na praia) para dar um mergulho no mar. Ele não estava sozinho e nem assustado. Mas, ainda sim, ele vem de uma situação de vida humilde e vive em meio a uma parcela da sociedade que não estava ali para aproveitar a festa, e sim para trabalhar.
Portanto, o que posso tirar da história dessa magnífica fotografia é que diversas interpretações puderam ser feitas e compartilhadas através dela. Pelos detalhes pode-se criar inúmeras associações ao que está sendo representado. Para mais, se o autor teve ou não a intenção de influenciar essas interpretações, não podemos saber. O que podemos afirmar é que a fotografia fala por si só e, dessa forma, vemos o poder da imagem como agente de discussões sociais importantes. Assim, ela cumpre seu papel de representar a realidade.
Tão perto e tão afastado de uma multidão elitista.
Quando uma criança se afastou da multidão para ver os fogos de artifício no réveillon de Copacabana, no Rio de Janeiro, ela não poderia imaginar que iria virar tema nos principais jornais do mundo. O garoto de oito anos capturado pela câmera de Lucas Landau, da agência Reuters, era morador de uma ocupação irregular a 17 km dali e estava acompanhado de sua mãe, uma ambulante que vendia chaveiro para os turistas da praia carioca.
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Lucas Landau |
Na imagem uma criança negra se banha no mar enquanto olha fixamente para algo no céu. A fotografia foi tirada numa noite de réveillon na Praia de Copacabana, Rio de Janeiro. O que o menino observa é a queima de fogos em comemoração ao novo ano. O garoto se encontra isolado do resto da multidão, concentrada ao fundo da imagem, e que, ao contrário dele, está bem vestida e se limita a molhar os pés; enquanto ele parece ter se molhado por inteiro.
O isolamento do garoto não se dá apenas no plano espacial. Ele aparece sozinho e desamparado, com o olhar de deslumbramento que parece ser o de quem não está habituado com a cena que vê e do não pertencimento ao espaço que ocupa. Ao fundo, vemos o completo oposto: as pessoas representam todo o ideal de união que as tradições atribuem às festividades de ano novo. Elas se abraçam como velhas conhecidas e estão à vontade, em um espaço que lhes parece pertencer. Em segundo plano eles estão juntos dos seus, enquanto a criança parece estar deslocada.
Em uma edição do programa Documento Especial da TV Manchete, exibido em 1989, a presença de moradores da periferia carioca nas praias da cidade é mostrada como anormal. Eram “invasores” de um espaço que não os pertencem. O comportamento dessa população, formada majoritariamente por negros e pobres, entra em choque com os da população de classe média e rica, que se consideram frequentadoras legitimas do lugar e classifica como sujeira a junção de classes sociais distintas e afirmam estar “juntos dos seus” quando frequentam esses locais.
O preconceito e a xenofobia exibidos na tela da Manchete no final da década de 1980 encontram ecos na música As Caravanas, do álbum homônimo de Chico Buarque lançado em 2017. Como na reportagem, os negros invadem um espaço alheio, sem barreiras capazes de os deter, e esbarram nos hábitos da “gente ordeira e virtuosa” , donas por direito daquele espaço. Aos negros e pardos, 56% da população brasileira, são reservados os subúrbios e a periferia, de onde não deveriam sair.
Se em outras circunstâncias a mistura de classes nesse ambiente causaria choques, nesta, a presença da criança é ignorada pelo restante das pessoas da fotografia. A mistura sequer acontece porque enquanto eles comemoram o réveillon entre os seus, o garoto está afastado e sem querer fazer parte daquilo que está às suas costas. Ele não faz parte daquilo porque estava acompanhado da mãe, ambos negros, não como quem pertence àquele local, mas em posição de trabalho, onde negros estão habituados a se relacionar com os brancos sem causar incômodo.
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Pedro Henrique de Oliveira Hudson é bacharelando em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).