Categoria: Colunas

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  • Diane Arbus: entre luzes e sombras

    Famosa pela temática que envolve tabus, Diane Arbus nos convida a explorar o sensível e curioso das suas fotografias em preto e branco.


    Diane Arbus (1923-1971) é uma fotógrafa conhecida por suas fotos nada convencionais. Podemos perceber que a pauta da marginalização está bem presente em seu trabalho, por isso, pessoas trans, anões, nudistas, pessoas de circo, dentre outras, fora dos padrões estéticos impostos socialmente, dão vida às suas fotografias muitas vezes tiradas nas ruas. Os modelos de suas fotografias expressam o medonho, o inesperado e a perversão, nos convidando a refletir sobre a identidade do outro e os  padrões de beleza.


    Diane Arbus, (1923-1971) – autorretrato. 


    Norte-americana e filha de Judeus, Diane Arbus nasceu, Diane Nemerov. Por dez anos, ela fotografou ao lado do marido, Allan Arbus, para a publicidade e o mercado da moda. Depois desse período, ela e seu marido se separaram. Diane tornou-se fotojornalista e trabalhou para várias revistas. Ela estudou fotografia com Berenice Abbott e Lisette Model, durante o período em que ela começou a fotografar, com sua TLR Rolleiflex no formato quadrado pelo qual se tornou famosa. A maioria de suas fotos são tiradas de frente, principalmente com consentimento, e muitas vezes utilizando um flash para criar uma aparência surreal. 


    Diane Ardus. Child with Toy Hand Grenade in Central Park, N.Y.C. 1962.

    Diane Arbus, 1967. “Gêmeas Idênticas”


    Mexican dwarf in his hotel room, N.Y.C. 1970
    A young man in curlers at home on West 20th Street, N.Y.C.1966.


    A gente quer saber suas impressões acerca dos trabalhos de Diane Arbus, qual das fotografias te tocou mais e porquê? Deixe aquele comentário com sua inquietação, dica e o que mais estiver sentindo. Até a próxima!

    Links, Referências e Créditos

  • Rituais fúnebres em “Ventos de Agosto”

    Se você soltou pipa algum dia na vida, sabe que os tão esperados ventos de Agosto são bem fortes!


    Ventos de Agosto (2014), filme brasileiro dirigido por Gabriel Mascaro, explora a dicotomia entre vida e morte de  forma bem inesperada para quem geralmente está habituado aos rituais fúnebres tradicionais. Entre as ondas do mar e o vento lançado à praia, o personagem interpretado por Gabriel Mascaro, chega à comunidade de Porto de Pedras (AL) e muda todo o cotidiano das pessoas que residem na “quarta curva depois da boca do rio, quebrando a esquerda”.


    Shirley e Jeison conversam com um dos pescadores da comunidade acerca do crânio que Jeison encontrou no mar ao fazer um mergulho. Fotograma de Gabriel Mascaro, cena do filme “Ventos de Agosto” de 2014. 28 ’54”.

    Interpretada por Dandara de Morais, Shirley e Jeison, interpretado por Geová Manoel, vivem um relacionamento de descobertas e buscam consolidar suas identidades. Shirley saiu da cidade, para cuidar de sua avó, com o sonho de se tornar uma tatuadora e Jeison, mora com seu pai na pequena comunidade. 

    Era para ser um dia como o outro, mas Jeison encontra um crânio no mar, e sua relação com a morte muda a partir daí. Mas essa história não envolve apenas Jeison. Toda a comunidade vai se dando conta da importância dos seus mortos, que tomam conta do enredo do filme, evidenciando que a memória, a história e as lembranças das pessoas em relação ao local em que vivem, também são narradas por quem já passou  na comunidade.


    Shirley e Jeison, sentados em um túmulo, conversando sobre a vida na comunidade.  Fotograma de Gabriel Mascaro, da cena do filme “Ventos de Agosto” de 2014. Cena do cartaz de exibição da Cultura.PE.

    Segundo Cohen (2002, p.2) “estudos arqueológicos indicam que rituais e práticas concernentes à morte e ao cadáver são tão antigos quanto o homem de Neanderthal ou seus ancestrais. O tratamento proposto ao corpo, os objetos colocados junto a ele,  sua posição no sepultamento, as pinturas e as inscrições em sua lápide, consistem em indícios da elaboração de valores e crenças sobre a vida e a morte. Aliás, rituais fúnebres encenam  a morte, tanto quanto a vida. (apud MENEZES, GOMES, 2011. p. 122).

    Gostou do filme? Deixe aqui nos comentários suas experiências com rituais fúnebres, dicas e afins.  Até a próxima!

    Links, Referências e Créditos

  • Hill e Adamson: Arte e técnica

    Hill e Adamson: Arte e técnica

    A parceria de Hill e Adamson é um exemplo de como as competências artísticas e técnicas precisam caminhar juntas para se fazer uma boa foto.

    David Octavius Hill e Robert Adamson, foram dois fotógrafos escoceses, que em apenas 4 anos de parceria, produziram mais de 3000 fotografias. Feitas com a técnica da calotipia, suas fotos abrangiam os mais diversos temas, como retratos, desde pessoas da nobreza a trabalhadores comuns, paisagens, arquitetura e cenas de rua.

    Auto Retrato de Robert Adamson (Direita) E David Hill (Esquerda), 1845

    Hill nasceu em 1802, na cidade de Perth, na Escócia, e era um pintor bem sucedido. Um dos motivos de seu sucesso foi a maneira como ele tratava seus clientes, tendo ficado conhecido por ser muito educado e gentil.  Já Robert Adamson nasceu em 1821, na cidade de St Andrews. Ele queria seguir carreira de engenheiro, mas devido a sua saúde frágil acabou desistindo. Foi em 1842 que seu irmão John lhe ensinou a técnica do calótipo para produzir fotografias, ele então decide seguir carreira na área, tendo sido instruído pelo próprio Fox Talbot, o inventor da técnica.

    A parceria dos dois começou quando Hill decidiu fazer uma pintura com 190 ministros e dignitários escoceses. Um amigo do pintor recomendou os serviços do fotógrafo para ajudar na feitura do quadro. Robert fotografou individualmente todos os ministros e Hill os pintou, o quadro só ficou pronto mais de 20 anos depois. Infelizmente a parceria dos dois durou apenas 4 anos, já que Robert morreu ainda muito novo no ano de 1848. Depois da morte do amigo, Hill, continuou com a carreira de fotógrafo, porém nunca conseguiu o mesmo sucesso e acabou se estabelecendo apenas como pintor até sua morte em 1870.

    Hill e Adamson, Praia de Newhaven, 1843-48
    Hill e Adamson, construção do Monumento de Sir Walter Scoot, 1843
    Hill e Adamson, James Linton com seus filhos e um Barco, 1844
    Hill e Adamson, Cemitério Graydrirs’, Hil (esquerda) com suas sobrinhas e um homem desconhecido, 1843-48
    Hill e Adamson, Mrs. Elizabeth Cockburn Cleghorn com John Henning como Miss Wardour e Eddie Ochiltree de Sir Walter Scott’s “The Antiquary”, 1846
    Hill e Adamson, Lorde Cockburn em Bonaly, 1846

    Gostou das fotos?! Deixe aqui seus comentários e impressões! E não se esqueça de nos seguir no Instagram para ficar por dentro de todo o nosso conteúdo!

    Como citar esta postagem

    CAVALHEIRO, Pedro Olavo Pedroso. Hill e Adamson: Arte e técnica. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/galeria-hill-e-adamson-arte-e-tecnica/>. Publicado em: 06 de abr. de 2021. Acessado em: [informar data].

  • Gold: Sebastião Salgado

    Gold: Sebastião Salgado

    Em sua última obra publicada, o fotógrafo Sebastião Salgado evidencia a opressão sofrida por trabalhadores do Garimpo de Serra Pelada.

    Essa foto foi tomada no ano de 1986, quando Sebastião Salgado visitou o garimpo de Serra Pelada, no sudeste do Pará, enquanto produzia imagens para seu livro “Trabalhadores”, publicado em 1996. Mais de 30 anos depois, em 2019, o fotógrafo mineiro publica uma nova obra, chamada Gold com esta e outras fotografias, algumas já publicadas e umas inéditas.

    Foto de Sebastião Salgado, Sem Título, Garimpo de Serra Pelada, 1986

    Sebastião não foi o primeiro a retratar o garimpo de Serra Pelada, o pioneirismo foi do fotojornalista português naturalizado brasileiro, Juca Martins, que conseguiu acesso alguns anos antes. Talvez o que difere o trabalho de um e de outro, seja o fato de Salgado não ver o local apenas como um fotógrafo ou jornalista, mas como um economista que possui um olhar treinado para perceber como o capitalismo explora a força de trabalho.

    Esse seu modo de retratar as pessoas já rendeu a ele algumas críticas, como as da escritora Susan Sontag que o acusou de estetizar a miséria. No entanto, nessa imagem, e em toda a série de fotos, por mais que seja mostrada a miséria de muitos, é possível observar como o fotógrafo busca mostrar a força e empoderar o trabalhador através de pequenas nuances.

    Não se pode afirmar, se foi proposital, ou apenas obra do acaso, mas o fotógrafo está em uma posição abaixo das pessoas fotografadas, captando-as em um ângulo conhecido como contra-plongée. Assim, o garimpeiro, que já parecia enorme em comparação com o guarda, toma uma dimensão ainda mais grandiosa. Além do ângulo de visão, também existem alguns outros detalhes técnicos pensados para dar ainda mais magnitude ao trabalhador.

    Através de uma fotometria muito bem calculada, uma luz suave e com o uso do preto e branco, que é excelente para realçar textura, temos uma foto com contraste muito suave, realçando a musculatura do trabalhador fazendo com que ele pareça ainda mais forte. Tudo isso se complementa com o ato de rebeldia feito por ele.

    Na foto vemos um dos trabalhadores desafiar a ordem imposta pelo estado segurando o cano da arma do policial. Vista de maneira subjetiva, nessa imagem percebe-se a força dos trabalhadores como um todo, a capacidade que eles possuem para desafiar o sistema que os oprime. O que fica ainda mais interessante pelo fato de Sebastião a compor em um plano médio com uma grande profundidade de campo, mostrando os rostos dos trabalhadores que estão ao redor, captando uma enorme gama de emoções em seus rostos.

    Como Sebastião narra no texto de introdução do livro Gold, existiam postos da polícia militar espalhados por todo garimpo. Os agentes do estado eram colocados lá para manter a ordem e proteger os interesses da Companhia Vale do Rio Doce, que exercia enorme influência econômica e política no estado do Pará.

    Por fim vemos uma foto, feita por um fotógrafo que sabe muito bem como utilizar elementos compositivos, tanto quanto técnicos, que é capaz de perceber a força e a esperança em meio a miséria e o caos e que consegue transformar alguns milésimos de segundo em uma forte crítica a todo um sistema e a sociedade que o sustenta.

    Gostou da foto? Você tem uma interpretação diferente? Conta pra gente aqui nos comentários! E não se esqueça de nos seguir no Instagram para ficar por dentro de todo o nosso conteúdo!

    Links, Referências e Créditos

    • https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/17/opinion/1563391633_402162.html
    • https://www.uol.com.br/urbantaste/noticias/redacao/2019/08/15/exposicao-de-sebastiao-salgado-retrata-sonhos-e-caos-em-busca-do-ouro.htm
    • https://www.youtube.com/watch?v=HAMZQZCYqiU&amp;t=5s
    • https://www.youtube.com/watch?v=mxTG1JKdGgc
    • Livro: SALGADO, Sebastião, SALGADO, Lélia Wanick. Gold, 2019, Editora Taschen

    Como citar esta postagem

    CAVALHEIRO, Pedro Olavo Pedroso. Gold: Sebastião Salgado. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/leitura-gold-sebastiao-salgado/>. Publicado em: 25 de maio .

  • Edição e Apresentação

     Terminar de fazer as fotografias não significa que seu projeto já esteja pronto, veja o que vem depois.

    Terminar de fazer as fotografias não significa que seu projeto já esteja pronto, veja o que vem depois.

    Layout de fotos da fotorreportagem “Hands Across the Water: Sea-watch Tries to Save the Migrants Europe Ignores”, de Daniel Elter, publicada na “Al Jazeera America”.
    Descrição: Sequência de fotografias coloridas. A primeira está acima das outras duas, é maior que as demais e retrata dois homens em um barco içando uma vela. A segunda retrata homens em um barco carregando um barril. A terceira, que está ao lado da segunda, retrata, através de uma janela do barco, homens examinando um mapa que está em cima de uma mesa.
    A palavra edição pode se referir a diversos processos diferentes que levam a um mesmo objetivo, a finalização e apresentação do seu projeto. Entre eles estão, por exemplo, a escolha das fotos que integrarão o projeto, o tratamento das imagens para correção ou efeitos estéticos e a produção da apresentação do projeto, o que pode se referir a organização de um layout para uma publicação impressa a transformações das fotografias em um produto audiovisual, entre tantas outras formas de se apresentar um projeto. Cada projeto pode requerer tipos específicos de edições, mas é possível dizer que todo projeto passará por uma edição do fotógrafo (a escolha e edição das fotos) e pela edição do designer (a construção do layout), sendo algumas vezes o fotógrafo o encarregado de ambas. Mesmo se não for o encarregado da edição do designer, o fotógrafo deve estar consciente do que concerne a essa atividade para que a escolha das fotografias seja feita com clareza.
    A apuração das imagens pelo fotógrafo pode seguir certos critérios como beleza, adequação ao tema ou à narrativa e praticidade, ou seja, a conveniência de certa foto dentro da apresentação, como quando uma foto é escolhida para preencher um espaço faltante ou fazer contraste com a foto anterior ou posterior. Sendo assim, para decidir quais fotos integrarão o projeto, o fotógrafo pode executar um processo análogo ao de peneirar. Primeiro se escolhe as fotos preferidas pelo visual e depois elimina entre essas as que não parecem fazer parte da narrativa. As demais podem ser classificadas de acordo com a necessidade do designer. Na dúvida entre duas fotografias, às vezes a mais bonita pode ser preterida por algum aspecto prático, como ser uma fotografia vertical quando na apresentação ficaria melhor uma horizontal.
    Em momentos como esse, a escolha das fotografias e a produção da apresentação parecem ser uma única coisa, com a segunda ditando a primeira. A apresentação define, por exemplo, se as fotografias serão agrupadas por justaposição ou em sequência e cada maneira demanda o seu próprio processo para a apuração das imagens. É possível dizer que a “edição do designer” possui um grande peso dentro do projeto, pois as imagens são extremamente afetadas pelo modo como são apresentadas. É a apresentação um dos poucos recursos para ganhar controle sobre o modo que a leitura das imagens será feita.
    É claro que o produto final pretendido terá maior ou menor participação nesse controle. Em um livro de fotografias, por exemplo, há a possibilidade de colocar várias fotografias por página, afetando umas às outras, e cada sequência pode ser lida como uma história à parte. Nesse caso, também é possível deixar uma fotografia em destaque colocando-a em um tamanho maior. Por outro lado, uma apresentação em slide pode ser limitante por manter todas as imagens do mesmo tamanho e em sequência, mas traz recursos de transições e a possibilidade de utilizar áudio, o que pode ser interessante.
    Daniel Elter – Abertura da fotorreportagem “Hands Across the Water: Sea-watch Tries to Save the Migrants Europe Ignores”, publicada na “Al Jazeera America”. A fotografia traz todos os elementos presentes no tema da reportagem: os imigrantes e a ONG Sea-Watch.
    Descrição: Fotografia colorida que mostra dois garotos em um cais observando um barco cuja lateral é pintada com as palavras “Sea-Watch”.
    Para entender como a apresentação do projeto afeta o entendimento sobre ele, sugiro visitar a fotorreportagem “Hands Across the Water: Sea-watch Tries to Save the Migrants Europe Ignores”, de Daniel Elter, publicada na “Al Jazeera America”. A reportagem, que conta como a ONG alemã Sea-Watch trabalha resgatando barcos com refugiados no Mar Mediterrâneo, foi escrita em inglês, mas para o exercício de interpretação de imagem a seguir o conteúdo escrito não é importante.
    A primeira observação acerca da escolha das fotografias e do design, pode ser feita já no título. Nem toda fotorreportagem opta por inserir o título na imagem de abertura, mas observe como é impactante e como a própria fotografia explica o título melhor do que as palavras. Também deve ser destacado como todos os elementos que a reportagem tratará estão presentes nessa fotografia, com os refugiados olhando para a embarcação da Sea-Watch. Em seguida, após o texto de introdução, há uma fotografia também puramente introdutória, a imagem do barco da Sea-Watch. O texto desenvolve-se explicando o trabalho da ONG no barco e as fotografias o acompanham ilustrando-o. Através de um layout com três fotos, a questão de tornar imagens dependentes, mas sem deixar ter uma em evidência, citado aqui no artigo, é posto em prática. A partir de então, a reportagem começa a apresentar as fotografias de destaque, evidenciadas também em relação ao texto, aparecendo em slides que cobrem a tela inteira. Esses slides interferem bastante na importância que o leitor dará a essas imagens, pois eles seguem o fluxo natural das leituras em páginas da web, passando de uma para outra conforme a página é rolada para baixo, mantendo o leitor em contato com essas fotografias por um tempo maior. As transições, por sua vez, introduzem lentamente a próxima imagem, estabelecendo uma conexão entre as duas, no momento em que se sobrepõem. É importante citar que a forma como os slides foram separados garante que fotografias que fazem parte do mesmo segmento narrativo fiquem juntas, seguindo a lógica das páginas seguidas e de mais de uma fotografia na mesma página.
    Tais artifícios foram provavelmente elaborados para se encaixar com esse modelo de fotorreportagem, mas são fatores que ajudam a refletir sobre como um projeto fotográfico implica em transcender as noções sobre fotografias e aplicá-las a outros mecanismos. Ou seja, um verdadeiro exercício de criatividade!
    Tem alguma fotorreportagem ou ensaio cuja apresentação te impactou? Divida ela conosco aqui nos comentários, explicando, como nos parágrafos acima, de que forma ela narra através da apresentação. Para saber sobre as nossas postagens, nos siga no Instagram.
    Outras postagens da série sobre ensaios e projetos fotográficos:

    Referências:

    • FOX, Anna, CARUANA, Natasha. Por trás da imagem. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
    • FREEMAN, Michael. A Narrativa Fotográfica: a arte de criar ensaios e reportagens visuais. Porto Alegre: Bookman, 2014.
    • SHORT, Maria. Contexto e Narrativa em Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
  • Texto e Fotografia

     Será que uma fotografia bem feita suprime a necessidade de palavras?

     Será que uma fotografia bem feita suprime a necessidade de palavras?

    Pedro Kok – The Baths Of Viareggio, Italy
    Descrição: Fotografia colorida de uma fachada com um arco com um letreiro em que se pode ler “Nuova Italia”.

    “Uma imagem vale mais que mil palavras”. A frase de Confúcio, difundida ao nível de ditado popular, definitivamente não foi criada para julgar a relação entre fotografias, que estavam bem longe de existir, e textos, mas se encaixa muito bem com o pensamento recorrente de que o bom fotógrafo faz com que suas fotografias falem por si, a ponto de ser até questão de orgulho para alguns fotógrafos que suas fotos não necessitem de legendas. A verdade é que as fotografias, quando comparadas às palavras, realmente comunicam muito mais rapidamente e têm o poder de comunicar ações e características que em um texto necessitariam de muitas e muitas palavras para serem explicados.

    As imagens, todavia, possuem limites quanto a contextualização. Elas não contam, por exemplo, qual foi o acontecimento que gerou o momento retratado ou em que lugar e ocasião a ação se passa. As imagens comunicam um presente congelado no tempo, mas não fornecem explicações sobre ele e isso, às vezes, é limitador. Supondo que a sua narrativa tenha um objetivo político como alertar para violações de direitos humanos, por exemplo, as fotografias serão chocantes mesmo sem texto que as acompanhem, mas certamente a presença de dados sobre a frequência que tais violações ocorrem ou de declarações sobre as vítimas serão um reforço inestimável na construção de empatia do leitor e da capacidade informativa das suas fotografias. E, nesse caso, alcançar o leitor e espalhar conhecimento sobre o assunto é mais relevante do que a capacidade do fotógrafo de transmitir mensagens apenas através de imagens.

    Outra questão a ser levada em consideração ao pensar a relação entre o texto, principalmente como legenda, e a fotografia é se existe o risco que a não contextualização da imagem faça com que outros valores sejam atribuídos a ela. Quando a filósofa Susan Sontag discute, em seu livro “Sobre a Fotografia”, os valores que os “moralistas” esperam das fotografias, ela descreve que retirar as legendas das fotos jornalísticas expostas em museus e galerias é o que as torna obras de arte puramente estéticas, como se a falta de contexto sobre o que está retratado retirasse o valor documental da foto. Entretanto, a própria autora certifica que “nenhuma legenda consegue restringir, ou fixar, de forma permanente, o significado de uma imagem” e que “mesmo uma legenda inteiramente acurada não passa de uma interpretação, necessariamente limitadora, da foto à qual está ligada. E a legenda é uma luva que se veste e se retira muito facilmente”.
    Pedro Kok – The Baths Of Viareggio, Italy
    Descrição: Fotografia de uma fachada com uma moldura com um letreiro onde se pode ler “Primavera”.
    Conclui-se, então, que é preciso estabelecer uma relação de equilíbrio entre texto e fotografia, o que pode ser parcialmente afetado pelo caráter das fotografias ou do projeto que está sendo elaborado. Será que é necessário que o texto acompanhe as fotografias ou que as fotografias acompanhem o texto?
    Para te ajudar a refletir sobre a questão foi escolhido o ensaio “The Baths Of Viareggio, Italy”. Pedro Kok, o autor das fotografias, é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e sua graduação influencia na escolha de suas fotografias que contemplam arquiteturas e espaços urbanos. Em “The Baths Of Viareggio, Itália”, Pedro retratou as casas de banho que existem na costa do Mar de Ligúria desde o começo do século XX, onde até o acesso à praia é pago. Com a ênfase na arquitetura e na tipografia das placas das casas de banho, toda informação sobre o lugar é conseguida em um texto muito curto e extremamente simples. As fotos, por sua vez, dispensam legenda.
    O ensaio de Pedro faz um segundo uso de palavras, mas também muito significativo: as palavras aparecem na própria fotografia como o objeto retratado. A possibilidade de usar palavras como o próprio tema da fotografia abranda a noção existente de ruptura entre texto e imagem e fornece novas formas de transmitir a mensagem, mostrando que um projeto fotográfico não precisa ser fechado e dependente apenas das fotografias. Também é interessante considerar outros tipos de textos e palavras que não sejam apenas os escritos, como os sons que podem ser adicionados à apresentação virtual de um projeto.
    Pedro Kok – The Baths Of Viareggio, Italy
    Descrição: Fotografia colorida de uma fachada onde, ao fundo, por cima de uma cerca viva há um letreiro onde se pode ler “Narcisa”.
    Apropriar-se das palavras é, de todas as maneiras, agregar conteúdo de forma positiva ao projeto fotográfico, seja para contextualizar, para reforçar um ideal ou para compor a apresentação. Pensando nisso, crie legendas para fotografias famosas sugerindo contextos políticos e artísticos diferentes do que o atual e comente aqui para discutirmos o valor das legendas.
    Outras postagens da série sobre ensaios e projetos fotográficos:

    Referências:

    • FREEMAN, Michael. A Narrativa Fotográfica: a arte de criar ensaios e reportagens visuais. Porto Alegre: Bookman, 2014.
    • SHORT, Maria. Contexto e Narrativa em Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
  • The B-Side: Elsa Dorfman’s Portrait Photography

    Documentário intimista explora a vida e os arquivos da fotógrafa conhecida por suas fotos com uma câmera Polaroid gigante. 

    O documentário The B-Side: Elsa Dorfman’s Portrait Photography, lançado em 2017 e dirigido por Errol Morris, explora a vida e a carreira da fotógrafa Elsa Dorfman, que tinha 80 anos na época do documentário. Dorfman, que faleceu em maio de 2020, era muito conhecida por seus retratos tirados com uma Polaroid de formato 20×24. 
    Legenda: pôster do filme, 2017
    Descrição: uma mulher posa ao lado de uma câmera gigante antiga com um cabo na mão e sorrindo para frente. Na parte de cima está escrito o nome do documentário. 
    Elsa Dorfman nasceu em 1937, em Cambridge. Começou a se interessar por fotografia com 28 anos e ganhou sua primeira câmera em 1967. Depois de um período vendendo as fotos em pontos turísticos, ela publicou o livro Elsa’s Housebook: A Woman’s Photojournal, marco da fotografia estadunidense e da arte feminista, composto por autorretratos e fotos de seus conhecidos, como o escritor Allen Ginsberg. 
    Na década de 1980, Dorfman começou a trabalhar com o formato pelo qual ficou mais conhecida: as Polaroids 20×24. A câmera pesava mais de 100 quilos, o que obrigava a fotógrafa a trabalhar praticamente só em estúdio. Ela mesma definia sua forma de trabalho como algo “teatral”. 
    O documentário acompanha Elsa Dorfman relembrando sua trajetória, os diferentes momentos de sua carreira e sua forma de pensar seu próprio trabalho. Enquanto isso, ela mexe em seus arquivos, mostrando várias de suas fotografias e contando as histórias por trás delas. 
    Legenda: cena do documentário
    Descrição: uma mulher segura uma foto Polaroid gigante mostrando um casal parado um ao lado do outro em um fundo branco. Ao fundo vemos alguns arquivos e fotos coladas nas paredes.
    Além do formato de suas fotos, Dorfman também é reconhecida por fazer muitos retratos, principalmente de famílias e de pessoas conhecidas por ela. Esse tom intimista de seu trabalho é também o tom do documentário, que comenta muito pouco sobre outros assuntos da área de fotografia, mantendo o foco na “personagem” principal. 
    A fotógrafa conta que sempre preferiu tirar fotos de pessoas alegres, e que não tinha intenção alguma de capturar a alma das pessoas, mas sim a superfície delas, em uma visão da fotografia muito diferente de fotógrafos considerados mais “sérios”.
    Legenda: Elsa Dorfman, 1980. Elsa Dorfman/Courtesy Museum of Fine Arts, Boston.
    Descrição: uma mulher e dois homens posam sorrindo para a câmera um ao lado do outro em frente a um fundo branco. Na parte de baixo vemos vários escritos de caneta na foto. 
    Um dos momentos mais interessantes é quando Dorfman mostra as fotografias que foram “rejeitadas” por seus clientes, que ela apelidou de “lado-b”, e que quase sempre são resultados melhores do que as escolhidas. 
    Disponível na Netflix, The B-Side: Elsa Dorfman’s Portrait Photography é um documentário sobre uma fotógrafa não muito conhecida pelo grande público, mas que deixou um legado, não só pelo formato com que trabalhava, mas também pela intenção com que fotografava. 
    Já conhecia esse documentário? Acompanhe os posts para mais indicações de filmes sobre fotografia. E se você gostou do nosso conteúdo siga o nosso perfil no Instagram.

    Links, Referências e Créditos

     

  • Fernando Lemos

    Fotógrafo surrealista radicado no Brasil, importante participante do movimento surrealista português durante a ditadura de Salazar.

    José Fernandes de Lemos, conhecido como Fernando Lemos, nasceu em 1926 em Lisboa, Portugal. Entre 1938 e 1943 estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio e ainda cursou pintura na Sociedade Nacional de Belas Artes. Quando tinha entre 18 e 19 anos se interessou em fotografia.
    Legenda: retrato do Fernando Lemos. Mona Lisa Lins/UOL
    Descrição: um homem olha para o alto como se estivesse conversando com alguém fora da câmera.
    Quando começou a trabalhar como fotógrafo, Lemos participou do movimento surrealista português, sendo o único do grupo a usar a fotografia como forma de expressão artística. Nessa época ele conviveu com diversos intelectuais portugueses que participavam da resistência contra a ditadura salazarista, que durou de 1933 até 1974.
    Algumas de suas fotografias mais famosas são desse período em Portugal, principalmente seus retratos de intelectuais e artistas surrealistas com quem convivia, como os pintores Marcelino Vespeira e Mário Cesariny. Ele também produziu autorretratos, como Eu, poeta, foto que faz alusão a um enforcamento.
    Legenda: Eu, poeta. Fernando Lemos. 1949 – 1952
    Descrição: foto em preto e branco de um homem deitado no chão com a cabeça coberta de fumaça. Ao redor vemos garrafas, cartas de baralho, entre outros objetos. 

    Legenda: A Dança dos Animais, Fernando Lemos,1949.
    Descrição: foto em preto e branco de dois homens, cada um segurando uma galinha. Um deles está com a galinha dentro da blusa, o outro aproxima o rosto do animal fazendo um expressão exagerada.
    Em vários de seus retratos, Lemos utilizou a técnica da sobreposição, e em uma entrevista para Revista Zum, explicou que: “Quando fotografamos uma pessoa, não estamos fotografando uma coisa fixa, uma máscara. Afinal, numa fração de segundo tudo muda. Mudamos nossa expressão a todo instante, subitamente, várias vezes. Então o retrato deve ser múltiplo, para dar mais vida à imagem.”
    Legenda: retrato de Nora Mitrani. Fernando Lemos. 1949 – 1952
    Descrição: foto em preto e branco de uma mulher ajoelhada perto de uma parede, observando as mãos com uma expressão distante.
    Em 1953, o fotógrafo se sentiu incomodado com o clima político de seu país e veio para o Brasil, onde se radicou e passou a viver em São Paulo. Ele trabalhou como escritor, ilustrador, editor, designer e até professor de artes gráficas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU/USP.
    Fernando Lemos atuou em diversas áreas artísticas. a fotografia criou obras impactantes e simbólicas e que também são registros de um período politicamente conturbado, ainda que intelectual e artisticamente rico, em Portugal. 
    Legenda: Intimidade dos Armazéns do Chiado. Fernando Lemos. 1949 – 1952
    Descrição: foto em preto e branco de um lugar desarrumado. Vemos uma mesa, com objetos diversos espalhados e uma cabeça de manequim que encara a câmera. Em cima vemos braços de manequim pendurados. 

    Legenda: A Lavagem Cerebral. Fernando Lemos. 1949.
    Descrição: foto em preto e branco de um homem que encara a câmera com o olhar vago enquanto fuma um cachimbo. Enquanto isso, quatro mãos bagunçam o cabelo dele.
    Já conhecia o trabalho de Lemos? Comente outros fotógrafos que você gostaria de ver em uma galeria aí embaixo. E se você gostou do nosso conteúdo siga o nosso perfil no Instagram.

    Links, Referências e Créditos

  • Roteiro Fotográfico

     Em um Roteiro Fotográfico o fotógrafo planeja quais fotografias são essenciais para o seu projeto e quais as condições em que devem ser feitas.

    Em um Roteiro Fotográfico o fotógrafo planeja quais fotografias são essenciais para o seu projeto e quais as condições em que devem ser feitas. 
    Já falamos aqui sobre como o planejamento de um projeto fotográfico pode ajudar a definir como a sua história deve ser contada. Seguindo essa linha de raciocínio o roteiro fotográfico é a própria história, já que são as instruções de quais fotografias devem ser produzidas para que a narrativa faça sentido. Mesmo que pareça fazer parte do planejamento, para que o roteiro seja elaborado, questões como assunto, recorte e equipamento disponível já devem ter sido resolvidas.
    Assim como o planejar, elaborar o roteiro é um processo pessoal e que depende também das singularidades do projeto em questão. Fica ao encargo do fotógrafo decidir se o roteiro será um simples guia ou instruções detalhadas do que deve ser realizado; relativo ao próprio projeto, porém, estão aspectos como a data e o horário que as fotografias serão feitas, de acordo com a disponibilidade das pessoas e do local fotografado e de como a luz daquele momento afetará a fotografia. Ou seja, não é possível saber o que será necessário no roteiro até que o projeto já esteja planejado.
    Julio Bittencourt – Ramos – Ramos 06
    Descrição: Fotografia colorida de um homem fazendo exercício de barras em uma praia.
    Em alguns casos, tem-se a impressão de que apenas o mínimo planejamento é suficiente, como, por exemplo, nas ocasiões em que o conteúdo das fotografias dependem de reações momentâneas. Contudo, existem formas de se planejar para obter as fotografias mais espontâneas. Para isso, basta produzir o roteiro com base nas descobertas realizadas nas pesquisas. Se o projeto for sobre um lugar, por exemplo, pode-se tomar notas de quais momentos e espaços são mais frequentados, quais as principais atrações e o que caracteriza a cultura local e ir preparado para fazer fotos desses momentos, em vez de fotografar inadvertidamente.
    Tome como exemplo o ensaio Ramos, do renomado fotógrafo Júlio Bittencourt, que retrata um dia normal no Piscinão de Ramos. Nele, a espontaneidade das fotografias não é sacrificada para mostrar aspectos relevantes da cultura local, que, apesar de serem fáceis, de perceber podem ser difíceis de serem captados por um fotógrafo que não tenha um conhecimento prévio do local. Assim, vemos fotografias de mulheres descolorindo os pelos do corpo, pessoas fazendo exercícios em barras e uma comidas que são populares na área.
    Julio Bittencourt – Ramos – Ramos 51
    Descrição: Fotografia colorida de um carrinho de pipoca.
    O momento de produzir o roteiro é quando se tem a oportunidade de pensar na relevância dos detalhes e se é possível entender o uso das fotografias dentro do tema, ou seja, se elas se parecerão com partes de um todo. Às vezes é possível voltar atrás durante o processo, mas o ideal é que todas as adversidades sejam consideradas para que isso não ocorra. Por isso, quando fizer seu roteiro mantenha em mente que, sendo simples ou extremamente regrado, ele pode ser um imprescindível facilitador para a execução do seu projeto.
    Para descobrir a sua própria maneira de fazer roteiro tente o seguinte exercício: reimagine um roteiro fotográfico para Ramos, utilizando uma abordagem diferente para o ensaio. Depois leia o seu próprio roteiro com uma visão crítica e pense em quais problemas poderiam surgir durante a sua execução. Refaça o roteiro e compartilhe com a gente aqui nos comentários ou no nosso instagram.
    Outras postagens da série sobre ensaios e projetos fotográficos:

    Referências:

    • FOX, Anna, CARUANA, Natasha. Por trás da imagem. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
    • FREEMAN, Michael. A Narrativa Fotográfica: a arte de criar ensaios e reportagens visuais. Porto Alegre: Bookman, 2014.
    • SIMMONS, Mike. Como Criar uma Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2015.
    • SHORT, Maria. Contexto e Narrativa em Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.