Categoria: Fotojornalismo

  • Diversidade na sigla e nas fotos: um percurso de aprendizagem

    Diversidade na sigla e nas fotos: um percurso de aprendizagem

    Nosso objetivo aqui é trazer visibilidade e reconhecimento sobre o trabalho de fotógrafxs, que, muitas vezes, devido ao preconceito existente na sociedade, foram invisibilizados.

    Revisitamos diferentes profissionais com diversos enfoques: alguns concentram-se em retratar o amor homossexual, para naturalizá-lo diante dos olhos da população, outros focam em romper com estereótipos existentes na própria sigla. Por exemplo, o da anulação da bissexualidade ou o da afirmação sobre a performance considerada “correta” e esperada para gays e lésbicas. As temáticas são variadas, mas, reunidos os artigos, fica claro que o propósito dos fotógrafxs é o mesmo: lutar por uma causa em prol do respeito, do amor e do orgulho, seja contribuindo para o fim do preconceito social, seja trazendo visibilidade a pessoas que sempre estiveram marginalizadas. 

    Sobre o percurso

    Como um percurso de aprendizagem autodirigido, o “Diversidade na sigla e nas fotos: um percurso de aprendizagem ” oferece diferentes trajetórias para seu estudo. Sugerimos uma opção e você decide se é viável ou não para a sua maneira de aprender. Assim, se desejar, você terá sua jornada orientada, e, ao mesmo tempo, autonomia para selecionar os textos que mais tem interesse.

    Para aproveitar melhor cada parte do caminho, é importante percorrê-lo com atenção e reflexividade. O objetivo é que a compreensão sobre o trabalho de cada profissional seja eficaz, afinal, quanto mais entendimento, maior será a transmissão de conhecimento entre as pessoas e, consequentemente, mais amplo o reconhecimento acerca dos fotógrafxs.

    Trajetórias 

    Temos algumas publicações na temática LGBTQIA+ e vamos citá-las brevemente aqui, para que você possa transitar entre elas de acordo com seu desejo.

    Imagem da bandeira LGBTQIA+ vista de um ângulo de baixo
    Sofia Santoro
     

    Na galeria, trazemos Joan E. Biren, Robert Mapplethorpe, Catherine Sant’ana e Paul Freeman. A primeira foi uma fotógrafa e cineasta homossexual, que lutou pelos direitos e pela visibilidade das mulheres lésbicas nos anos 70, época em que a homofobia era ainda maior que atualmente. O desejo de Joan surgiu, principalmente, ao não se enxergar representada propriamente em nenhum espaço, já que as mulheres lésbicas quase não eram retratadas e, quando eram, recebiam uma visão negativa.

    Já Mapplethorpe, era um fotógrafo gay, que foi impedido de exibir suas obras em museus e galerias devido às suas criações artísticas, voltadas para o erotismo e sadomasoquismo gay. Robert também encontrou dificuldades para ter liberdade até no seu próprio desenvolvimento criativo, visto que, por ser de uma família conservadora e católica, teve sua infância regrada e direcionada a não explorar seu lado artístico.

    Por sua vez, Catherine Sant’ana, é uma fotógrafa brasileira, que retrata principalmente o dia a dia e os casamentos de pessoas homossexuais. A profissional enfatiza que seu foco maior é trazer representatividade à comunidade LGBTQIA+, para acreditarem serem merecedoras de amar e de serem amadas.

    Nesse mesmo viés, temos Paul Freeman, que aborda a questão do estereótipo de masculinidade no espectro homossexual, tentando reduzir o preconceito e a visão de que homens gays sempre performam algum tipo de feminilidade. Afinal, a ideia aqui é que compreendamos que não existe um “sempre” em nenhum assunto, principalmente no quesito pessoas, que são compostas das mais diversas pluralidades. Em síntese:

    Fotófrafxs que se encontram na temática queer, contribuem significativamente para a sociedade, visto que trazem representatividade a pessoas que sequer eram retratadas e, quando eram, recebiam uma imagem pejorativa ou que os associava à libertinagem. Em um país perigoso para os integrantes da comunidade LGBTQIA+, como o Brasil, pequenos atos como esses, são passos gigantes rumo a um futuro livre e repleto de amor. Além disso, na sessão de leitura, interpretamos obras nomeadas de “Bandeira LGBTQIA+”, “Orgulho e Paixão”, “Em seus olhos, o amor” e “Olhares sensíveis, não delicados”. Na primeira, é explicada a importância da simbologia da bandeira para o movimento, já que é feita uma rápida associação entre símbolo e causa. Ou seja, ela acaba por se tornar um ícone de liberdade amorosa, respeito, aceitação e muito orgulho. Além disso, engloba letras que representam diversas possibilidades de amar, de se sentir atraídx e de se identificar consigo mesmx. Já a foto Orgulho e Paixão foi conhecida por ser a capa do livro “Eye to Eye: Portraits of Lesbians”, da fotógrafa lésbica e ativista Joan E. Biren. A obra reuniu diversas fotografias do cotidiano de mulheres lésbicas, que tiveram a oportunidade (infelizmente, escassa) de terem seu cotidiano representado com respeito e veracidade. Por sua vez, “Em seus olhos, o amor”, traz uma abordagem extremamente romântica e delicada: o casamento de Meg e Clarisse. São explorados os detalhes da composição da foto e do momento. Se você quer ter seu dia repleto de tanta doçura, recomendo começar por essa foto! E, por último, temos “Olhares sensíveis, não delicados”, que aborda a questão do estereótipo sobre homens gays. No texto, é discorrido o argumento de que afirmar que todo homem homossexual é afeminado é tão estereotipado quanto afirmar que todo homem cis hétero gosta de futebol. Ou seja, a intenção aqui é naturalizar a liberdade de cada um de se identificar como bem entende e se reconhecer intimamente da forma que desejar. Em resumo:

    Esses são nossos principais textos que abrangem a temática LGBTQIA+ dentro da plataforma “Cultura Fotográfica”. Esperamos que vocês realizem uma leitura tranquila, atenta e que desfrutem do melhor de nosso conteúdo.

     

    #percurso é uma coluna de caráter formativo. Trata-se de pequenos roteiros pelos conteúdos publicados no Cultura Fotográfica, elaborados para orientar o leitor em sua caminhada individual de aprendizado. Quer conhecer melhor a coluna #percurso? É só seguir este link.

    Como citar esta postagem

    SOARES, Maria Clara. Diversidade na sigla e nas fotos: um percurso de aprendizagem. Cultura Fotográfica. Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/diversidade-na-sigla-e-nas-fotos-um-percurso-de-aprendizagem>. Publicado em: 16 de dezembro de 2022. Acessado em: [informar data].
  • São Paulo por Hildegard Rosenthal

    Alemã radicada no Brasil, a fotojornalista revelou uma São Paulo efervescente e humanizada. 


    Pedagoga de formação, entretanto, Hildegard tornou-se fotógrafa, tendo sido aluna de Paul Wolff na Alemanha. No Brasil, foi pioneira na representação feminina no fotojornalismo, e trabalhou para várias agências de notícias, como a Press Information. São Paulo foi a sua casa e cenário de sua obra, onde fotografou uma metrópole movimentada e diversa. 


    A fotografia, em preto e branco, mostra a Praça da Sé, no centro de São Paulo. Está lotada de pessoas e há alguns carros e ônibus. No fundo, há alguns prédios e a Catedral da Sé em construção.
    Hildegard Rosenthal


    Deixando um legado de aproximadamente 3.400 registros negativos, Hildegard foi uma das pessoas que inauguraram o fotojornalismo no país, apresentando uma nova maneira de se construir as narrativas jornalísticas. A fotógrafa exerceu a profissão durante as décadas de 1930 e 1940, em São Paulo. À época, a cidade estava cheia de imigrantes, refugiados dos regimes totalitários na europa (como ela mesma), e também era impactada pelas inovações propostas pelo governo Vargas. 

    O ambiente metropolitano e cosmopolita de São Paulo foi bastante retratado na sua obra, com destaque para pontos turísticos e obras que expandiram a cidade, como o Mercado Central, o Viaduto do Chá e a Catedral da Sé. Ela se interessava bastante pelo tema da infância, e buscava retratar a sutileza das pessoas, um trabalho complexo de ser realizado naquela que já era a maior cidade do Brasil. 


    A fotografia, em preto e branco, mostra um menino de traços caucasianos segurando um jornal. Ele usa boina, camisa, paletó, bermuda e meias, e posa sorrindo para a câmera.
    Hildegard Rosenthal


    A fotografia retrata duas meninas de traços orientais tomando sorvete de palito. Elas usam uma blusa de mangas compridas, debaixo de um vestido de manga cavada e que tem um laço na altura da gola da camisa. Elas desviam o olhar da câmera, e uma delas parece estar sorrindo.
    Hildegard Rosenthal


    A fotografia, em preto e branco, retrata um homem lavando um carro. Ele utiliza uma boina, uma blusa de manga longa e calça de uniforme. Há um carro em suspensão, que é lavado por ele na altura da roda, por uma mangueira.
    Hildegard Rosenthal


    Em preto e branco, a fotografia revela uma feira livre. É possível distinguir barracas e bancadas onde são vendidos os produtos. Algumas mulheres utilizam sombrinhas e usam vestidos ou saias, e estão calçadas com sapatos de salto. Alguns homens usam chapéu, terno, gravata e sapato social. Há meninos negros, de camisa de manga longa e bermuda, alguns descalços, carregando mercadorias.
    Hildegard Rosenthal


    Em preto e branco, a fotografia, feita do alto de um prédio,  mostra um entroncamento de ruas. Há muitos pedestres, não só na calçada, como também na via. Alguns fios elétricos cortam a foto, tanto no alto como no chão.
    Hildegard Rosenthal



    A fotografia negativa mostra pedestres atravessando uma rua. O chão está molhado. Os homens usam terno e gravata, e a única mulher visível está de vestido e sapato de salto. Os prédios não possuem mais do que cinco andares.
    Hildegard Rosenthal


    A fotografia, em preto e branco, revela o Estádio do Pacaembu. Pessoas dos mais diversos tipos e idades se dirigem aos portões.
    Hildegard Rosenthal


    #galeria é uma coluna de caráter informativo. Trata-se de uma série de postagens que apresenta um recorte da obra de um_ fotógraf_ de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica, acompanhadas por uma breve biografia sua. Quer conhecer melhor a coluna #galeria? É só seguir este link.


    Links, Referências e Créditos


  • Mulheres no Fotojornalismo Brasileiro

    Mulheres no Fotojornalismo Brasileiro

    Em uma profissão estruturalmente machista, mulheres buscam destaque desde 1910

    A fotografia no Brasil nasceu enraizada no ato de documentar a realidade. Com a chegada dos equipamentos em 1840, foi-se desenvolvendo a cultura da documentação fotográfica e, em meados da década de 1890, começou a ser utilizada com intuito jornalístico. Alguns dos jornais e revistas que ganham destaque neste início são “A Revista da Semana” e “O Cruzeiro”.

    Hildegard Rosenthal

    Todavia, essa não era uma profissão que incluía as mulheres de forma pacífica. O machismo institucional arraigado na sociedade brasileira foi e ainda é responsável pelo apagamento de diversas mulheres na história e, entre elas, também se incluem as fotojornalistas.

    Por isso, o atual percurso busca mapear algumas das profissionais que marcam a história do fotojornalismo brasileiro com muito profissionalismo, criticidade e, acima de tudo, força e coragem para caminhar contra um sistema que busca, sem êxito, condicioná-las em caixas que não cabem suas grandiosidades.

    Começando por Hildegard Rosenthal, a fotógrafa nasceu na Suíça e emigrou para o Brasil em 1937. Em terras brasileiras, Hildegard atuou como fotojornalista (profissão ainda em seu desenvolvimento) em meios de comunicação influentes da época. A fotógrafa Alice Brill também teve uma história parecida com a anterior, nasceu na Alemanha, mas precisou emigrar para o Brasil junto de sua família. Aqui  também atuou retratando a urbanização da cidade de São Paulo. Além de fotojornalista, também era fotógrafa e artista plástica.

    Já a fotojornalista Alice Martins é natural do Brasil. Saiu do Rio Grande do Sul para fotografar os conflitos armados no oriente médio e é uma das poucas mulheres que atua na linha de frente fazendo cobertura da guerra na Síria. Gabriela Biló também nasceu no Brasil, seu foco é fotografar a política brasileira. Com um acervo de imagens críticas (e por vezes ácidas), Gabriela é um dos grandes nomes do fotojornalismo da atualidade.

    Por fim, Paula Sampaio tem um viés mais documental. A mineira começou a trabalhar com fotografia em meados da década de 80, quando também começou a trabalhar para revistas. Suas fotografias buscam evidenciar a realidade brasileira em suas mais variadas formas.

    Postagens do Percurso

    Questões Orientadoras

    • Da primeira até a segunda fotógrafa citada neste percurso são referentes a mulheres que, mesmo não tendo nascido em solo brasileiro, se naturalizaram no país e atuaram ativamente no desenvolvimento da profissão de fotojornalismo.
    • Da terceira a quinta fotógrafa citada neste percurso são referentes a mulheres que nasceram em solo brasileiro e atuam no fotojornalismo dentro e fora do país.

    #percurso é uma coluna de caráter formativo. Trata-se de pequenos roteiros pelos conteúdos publicados no Cultura Fotográfica, elaborados para orientar o leitor em sua caminhada individual de aprendizado. Quer conhecer melhor a coluna #percurso? É só seguir este link.

    Como citar esta postagem

    GANDRA, Nikolle. Mulheres no Fotojornalismo Brasileiro . Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/12/mulheresnofotojornalismo.html>. Publicado em: 9 de dez. de 2022. Acessado em: [informar data].

  • Um clique que eternizou o ódio

    Através das lentes de Alfred Eisenstaedt, somos impactados pelo ódio que sustentou o período mais sombrio do século XX.

    A ideologia nazista serviu de base para o governo totalitário de Adolf Hitler que iniciou um dos conflitos mais importantes de toda a História: a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Entretanto, muito antes da guerra começar, com a invasão dos alemães à Polônia, o ódio contra as minorias que fugiam do padrão ariano “ideal” de Hitler já reverberavam fortemente entre os membros de seu governo. O registro de Joseph Goebbles, feito pelo fotógrafo Alfred Eisenstaedt para a revista LIFE em 1933, é a prova que temos dessa ojeriza propagada pelo regime nazista. Já que a foto foi tirada no exato momento em que o ministro da propaganda de Hitler descobre que estava sendo fotografado por um judeu.
    Foto em preto e branco do nazista Joseph Goebbles sentado numa cadeira com as duas mãos apoiadas nos braços do assento. Ele veste terno e olha para a câmera com um olhar que transita entre a raiva, o desconforto e o ódio.  À sua direita, um homem está curvado para mostrar a ele o que parece ser um documento. Ainda, atrás de Joseph, vemos um homem com a cabeça baixa, olhando para o papel. O ambiente é um gramado e percebe-se uma construção ao fundo com uma pessoa observando a reunião pela janela, além de outros homens conversando ao fundo. Por fim, há arbustos e alguns pinheiros ao fundo.
    Alfred Eisenstaedt

    A fotografia foi tirada durante a conferência da Liga das Nações, antecessora das Nações Unidas, na Suíça. O fotojornalista judeu estava cobrindo as notícias e tirando fotos da conferência quando registrou o membro do Terceiro Reich. 
    Sobre o acontecido ele contou em seu livro “Eisenstaedt on Eisenstaedt: A Self-Portrait” de 1985, “Em 1933, eu viajei de Lausanne para Genebra para a décima quinta sessão da Liga das Nações. Lá, sentado no jardim do hotel estava Dr. Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. Ele sorriu, mas não para mim. Ele estava olhando para alguém à minha esquerda… De repente, ele me encontrou e eu o encarei. Sua expressão mudou. Aqueles eram os olhos do ódio. Eu era um inimigo? Atrás dele estava seu secretário pessoal, Walter Naumann, com um cavanhaque e o intérprete de Hitler, Dr. Paul Schmidt… Eu devo ter sido perguntado como me senti fotografando esses homens. Naturalmente, não tão bem, mas quando eu tenho minha câmera em minhas mãos eu não tenho medo.”
    Analisando essa foto nos dias de hoje, noto como toda a minha atenção se direciona para o rosto de Goebbles que está justamente no centro da imagem. Seu olhar me passa um misto de sensações, sendo o medo a mais marcante. Naquele momento, a forma como ele encara Eisendat é cortante, direta e maligna na essência da palavra. É como se lhe perguntasse “Por que você existe?”
    Ainda, sinto que qualquer pessoa que olhe para a foto se colocará no lugar do fotógrafo, como se esse ódio de Joseph fosse direcionado para nós. Pois essa é a expressão pura e simples do que é negar o outro como seu semelhante.
    Além disso, o momento rouba toda a atenção do ministro de Hitler: ele não foca no intérprete do Fuher ao seu lado, e sim direciona toda a sua energia na aversão ao judeu. Outro ponto que torna tudo ainda mais triste nesta análise é pensar que anos depois o mundo iria descobrir a forma do governo alemão lidar com aqueles “inferiores à raça pura”. Alfred, felizmente, não foi capturado e mandado para um campo de concentração, mas muitos de seus irmãos não tiveram o mesmo destino. Sentindo em seus corpos toda a energia maligna que estes olhos carregavam através de torturas e assassinatos, entre tantas outras barbáries que ainda assombram a história contemporânea.
    Por isso, creio na grande importância de mantermos essa parte da História viva em nossa memória. Afinal, ainda há pessoas que defendem, mundo afora, as mesmas ideias apoiadas por Joseph Goebbles. Portanto, posso dizer que Alfred Eisenstaedt conseguiu eternizar em um clique a maior mensagem da concretização do ódio que assombrou a humanidade e que merece ser deixado no passado; porém, jamais esquecido. 

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  • Sobrevivência a qualquer custo

    Qualquer lugar é uma nova casa quando se enfrenta a perseguição e os horrores da guerra.

    Há seis anos o mundo vivia uma das maiores crises humanitárias desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A Guerra Civil na Síria, conflito que teve seu estopim em 2011 e permanece até os dias de hoje, teve como uma das principais motivações a revolta contra o presidente do país, Bashar al-Assad. Trazendo um número alarmante de pessoas que tentavam deixar a Síria a qualquer custo, com a destruição e perigo constante causados pelo conflito, para recomeçar a vida em outros lugares. Entretanto, muitos países adotaram políticas que barravam a entrada desses refugiados. 
    Refugiados sírios tentam passar por debaixo de uma cerca de arame para chegar à Hungria. Há uma mulher agachada passando por debaixo da cerca. Ela toca o chão com uma das mãos e olha para o lado com o rosto sério. A mulher ainda segura, com o outro braço, uma criança de colo. Atrás dela, vemos uma menina loira que se prepara para cruzar a cerca em seguida. Ela parece estar chorando. Ao lado da menina, um homem tenta passar por debaixo da cerca. Uma de suas mãos levanta o arame com cuidado e outra está prestes a tocar o chão. Atrás de todos eles está um homem de pé segurando uma manta. Todos os presentes na cena vestem roupas de frio apesar dos raios de sol sobre eles. Estão todos sujos de terra e envoltos em mato.
    Bernadett Szabo/Reuters

    A foto acima é da fotógrafa Bernadett Szabo para a agência de notícias Reuters, sendo premiada pelo Pulitzer em 2016, na categoria Fotojornalismo. Naquela edição, o tema central foi a questão dos refugiados. A imagem mostra sírios que atravessam a cerca tentando entrar na Hungria, país que buscava reforçar suas fronteiras para impedir que refugiados adentrassem em seu território. 

    Sem dúvidas, uma das primeiras sensações que me atingem quando olho para esta imagem é a de tensão. Não só pela situação agonizante. Afinal, se descobertos, aqueles imigrantes poderiam ser mortos, presos ou retornar para o seu país. Como também, pelo fato de haver uma criança chorando. Seu rosto transparece toda a energia daquele momento: o medo, a ansiedade e a incerteza que essas pessoas sentem ao tentar atravessar aquela cerca do modo mais imperceptível possível. 

    Outro ponto que me chama atenção na imagem é a expressão da mulher e como ela se porta naquele momento. Pois, parece agir da forma mais fria possível, segurando uma criancinha em um de seus braços e com os olhos atentos a qualquer presença que possa colocar tudo a perder.  O que traz uma certa estabilidade, um equilíbrio com o desespero expressado pela menina atrás dela.

    Outra coisa que não me escapa à mente enquanto observo a imagem é a reflexão sobre todo o contexto em que a foto foi tirada. Aquelas pessoas cujos direitos mais básicos para uma vida digna foram violados parecem ter perdido sua humanidade segundo o olhar dos outros. Vivendo em meio ao caos político que dura no país há tantos anos, não houve outra solução a não ser a fuga, mesmo que para um lugar em que eles não são bem-vindos. Penso que talvez eles jamais se imaginaram nessa situação e a sensação de estar na pele deles me atinge como um golpe físico. 

    Sinto também que, mesmo que eles tenham conseguido cruzar aquela fronteira, os problemas vão continuar em grande escala. A sensação de que podem ser deportados a qualquer momento e o preconceito perseguirão essas pessoas por muito tempo. Saber que esse problema perdura até hoje só reforça a ideia de que, independente da razão, numa guerra não há vencedores. Todos perdemos de alguma forma e alguns, infelizmente, muito mais do que outros.

    #leitura é uma coluna de caráter crítico. Trata-se de uma série de análises de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

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    MAIA, Amanda. Sobrevivência a qualquer custo. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/07/Sobrevivencia a qualquer custo.html>. Publicado em: 27 de out. de 2022. Acessado em: [informar data].
  • Palhaço triste?

    O estranhamento ao ver o símbolo do riso infeliz


    Quando pensamos em palhaços, ideias como circo, risadas, crianças e diversão são rapidamente associadas à personagem. A persona ‘Palhaço’ é símbolo de riso e felicidade. Afinal, na arte circense, é papel do palhaço produzir sorrisos e risadas do público. Porém, a foto abaixo retrata o palhaço de modo diferente do comum ao mostrá-lo de fisionomia triste, com um cigarro e numa foto sem coloração.


    A fotografia em preto e branco mostra um homem branco fantasiado de palhaço bem ao centro, em sua mão esquerda ele segura um cigarro, na direita com filhote de cachorro preto. Ele usa uma camiseta listrada com uma camisa xadrez por cima, gravata borboleta, chapéu e maquiagem. Ao fundo podemos ver um trailer e o céu nublado.
    Imogen Cunningham

    A fotografia de autoria de Imogen Cunningham, fotógrafa estadunidense do início dos anos 90, faz parte de um álbum chamado On the Street, “na rua” em tradução direta. Dentre as dezenas de imagens que compõem o álbum, esta foi uma que me chamou a atenção devido a este estranhamento que acontece ao serem colocados símbolos contrastantes na mesma fotografia. Pensar que um personagem que simboliza risadas se encontra infeliz gera uma certa inquietação, um sentimento de que algo está errado. Ao mesmo tempo, sabemos que o palhaço é um papel interpretado, desse modo a pessoa que o representa está tão sujeita a sentimentos infelizes quanto qualquer um. Este tipo de dualidade sempre me agrada na fotografia devido a não ser comum, ou ao menos incentivado na maioria das vezes, é algo que foge ao padrão. Imogen possui diversas imagens nesse estilo, com contrastes explícitos e também alguns mais interpretativos, tornando-se uma de minhas fotógrafas preferidas.


    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

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  • Ordem e progresso

    Ordem e progresso

    Lembranças de um passado ditatorial nem tão distante.

    A imagem abaixo foi fotografada por Orlando Brito em 1991, em Brasília, e mostra soldados militares marchando em frente a bandeira do Brasil. As fotografias do autor retratam momentos e personagens marcantes da história brasileira, narrando temas como política, sociedade e cultura.

     

    Fotografia em preto e branco de soldados militares fardados e em filas segurando armas apontadas para cima, ao fundo encontra-se a bandeira do Brasil.
    Orlando Brito

    A bandeira do Brasil possui uma frase, com conotação positivista, que clama por ordem e progresso. Sempre ao olhar para a bandeira, essa frase me vem à mente, sem mesmo a ler, ela já é um elemento associado. Policiais e soldados são outros objetos que constantemente também são associados à ordem. A fotografia de Orlando Brito faz uma combinação dos dois objetos na fotografia, ligando-os por esse elemento em comum: a ordem.

    A ligação entre esses dois elementos pode ser percebida facilmente ao olhar a imagem, a forma como os soldados estão alinhados com suas armas apontadas para cima e no fundo a bandeira gigante em comparação com eles. Em primeiro plano, as sombras se destacam mais, sombreando o rosto dos soldados, e ao fundo, a bandeira se ilumina, em contraste.

    Essa imagem me faz refletir sobre como não estamos distantes desse passado, onde a ordem estava acima dos direitos civis. A cada dia que passa, a democracia que se diz ter no país é mais uma vez agredida por políticos e policiais que passam por cima da população para garantirem os seus próprios benefícios. A ordem que muitos políticos dizem que é necessária se instaurar no país é apenas uma forma de calar novamente a sociedade que clama por seus direitos.

    Diante da ordem em favor do progresso, muitos se veem sem saída ou como reclamar de sua situação, pois o que o país está passando, segundo a classe dominante, é em benefício de algo maior. Os direitos vão sendo revogados, assim como a liberdade de expressão e a liberdade de fazer questionamentos. Ao mínimo sinal de revolta a polícia é acionada para deter os protestos de uma população oprimida. 

    Ao olhar os jornais é possível ver que não estamos tão distantes dessa realidade, pessoas são agredidas, presas e mortas, pois estavam violando a ordem estipulada pelas atuais políticas. Tudo o que se vê, não é ordem, mas sim uma dissimulação da palavra que é usada contra o povo.

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

     

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  • Orlando Brito

    Orlando Brito

    Fotógrafo que documentou o passado ditatorial brasileiro.

     
    Orlando Brito é um artista visual nascido em Minas Gerais, em 1950. Ele começou seus trabalhos na fotografia de modo autodidata, iniciando na profissão em 1965, no jornal Última Hora de Brasília. Entre seus objetos de estudo, o fotógrafo abordava temas como política, economia e questões sociais, como a vida urbana e do interior, além de retratar os indígenas. 

    Fotógrafo Orlando Brito segurando uma câmera na frente de um dos olhos, ele se encontra na vertical na frente de um fundo branco. Seus cabelos são grisalhos e ele veste uma roupa azul.
    Orlando Brito

    Orlando Brito iniciou seus trabalhos durante os primeiros momentos da ditadura, onde retratou importantes momentos da história brasileira, acompanhando as personalidades políticas e fotografando os bastidores do Palácio do Planalto. Ele retratava os presidentes em situações não protocolares, em momentos de distração, em que era possível ver o indivíduo longe de sua personagem pública. Seus retratos mostram, de forma alegórica, as relações políticas e sociais no Brasil, tornando-se comentários críticos. Brito trabalhou em importantes veículos como o jornal O Globo e na revista Veja, onde publicou um total de 113 fotografias de capa. Em 1979, o fotógrafo ganhou o prêmio World Press, concedido pelo Museu Van Gogh, na Holanda, e recebeu o Prêmio Abril de Fotografia por onze vezes, além de outros prêmios.

    Imagem de uma  passeata, no meio da rua se encontra um homem que posa em cima de um carro e acena para as pessoas em volta, no carro há também três militares. Ao redor do carro, uma multidão se reúne para ver o homem passar.  O primeiro plano da fotografia contem um homem com trajes militares de costa, ele parece olhar em direção ao carro.
    Orlando Brito

    Militares se reúnem em fileira, enquanto um homem de terno acompanhado de mais dois militares passam. Um coturno preenche o primeiro plano da fotografia.
    Orlando Brito

    Cinco silhuetas de homens fardados, no escuro, um deles segura um rádio comunicador. Ao fundo o Congresso Nacional iluminado.
    Orlando Brito

    Militares fardados, em fileira, aparentemente recitando algo. No meio deles há um homem com terno que também parece declamar.
    Orlando Brito

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  • “Limpeza” na Praça

    Operação policial expulsa dependentes químicos da Praça Princesa Isabel, São Paulo, mostrando que ainda temos muito que evoluir no combate às drogas.

    Era para ser mais um Domingo naquela São Paulo de 2017, se não fosse uma operação policial. A mando dos governos municipal e estadual, funcionários expulsavam dependentes químicos da Praça Princesa Isabel, no centro da cidade. Mais uma vez, nos deparamos com a triste realidade dos usuários. E cruzamos os braços diante da ação do estado para “limpar” o ambiente, ignorando esforços para ajudar efetivamente os dependentes químicos a viver longe do vício.
    Praça ocupada por pertences dos dependentes. Em primeiro plano, há uma placa com os dizeres “Afaste-se à direita: homens trabalhando”. Ao fundo, vemos um grupo de funcionários municipais encarregados da “limpeza” do local. A maioria veste coletes alaranjados e roupas de proteção. Ao redor, vemos as árvores da praça que fazem sombra em quase todo local e um caminhão de lixo ao fundo. Neste mesmo plano, há  prédios da cidade.
     Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A imagem é do fotojornalista Daniel Arroyo em sua cobertura para o portal Ponte Jornalismo. No dia do ocorrido, o então governador e o prefeito de São Paulo acompanhavam a ação enquanto policiais impediam os antigos moradores de retornar ao local. O que fez com que estes dependentes ocupassem outros pontos na cidade.
    Na foto, a placa à esquerda com os dizeres “AFASTE-SE à Direita | homens trabalhando” nos convida a observar a cena do “trabalho” executado pelos funcionários. Com isso, o olhar segue o caminho que os pertences dos usuários fazem no chão até chegarmos aos trabalhadores.
    Os objetos estão misturados e foram queimados pelos donos como uma forma de defesa contra a polícia que chegava para expulsá-los. Agora, eles perdem o significado de antes. São colocados em sacolas e considerados lixo.  Não são mais artigos pessoais, e sim “apenas sujeira que essas pessoas acumularam.”
    Vendo a imagem, é impossível não fazer uma conexão com as ações higienistas na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Em que o governo municipal da época promoveu uma série de reformas que excluiu as populações mais pobres que, sendo expulsas de suas moradias no centro da cidade, ocuparam os morros, originaram as favelas cariocas. Obviamente, com suas ressalvas, observamos a ação excludente se repetir. O problema não é solucionado e os alvos mudam dessa vez.
    De tantas conexões e mensagens que podemos tirar da fotografia de Daniel, está a do governo que não chega a um planejamento e solução efetiva para avançar no combate às drogas. E que, ao invés de chegar a um resultado para esta questão, escolhe amenizar o problema expulsando “os usuários problemáticos” para que não incomodem os moradores dali.
    Mas de nada adianta varrer a poeira para debaixo do tapete. Uma prova disso é que, cinco dias depois do ocorrido, os usuários que ocupavam a Praça Princesa Isabel retornaram para a cracolândia. Dando continuidade ao ciclo da dependência e vivendo na vulnerabilidade das ruas. E assim o problema daquele Domingo de 2017 continua na grande São Paulo.
    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quarta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

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    MAIA, Amanda. “Limpeza” na Praça. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2022/06/Limpeza na Praca.html>. Publicado em: 6 de jul. de 2022. Acessado em: [informar data].