Mês: fevereiro 2021

  • Quando os Yanomami foram ao museu: O episódio de Cláudia Andujar na série Inhotim – Arte Presente

    Quando os Yanomami foram ao museu: O episódio de Cláudia Andujar na série Inhotim – Arte Presente

    Descubra o que o povo Yanomami pensou quando se deparou com a obra de Cláudia Andujar no Instituto Inhotim.

    Quando fui ao Inhotim, em julho de 2019, não sabia muito bem o que encontraria. A maior galeria de arte a céu aberto no mundo, justo no meu país, no meu estado e relativamente próximo de onde eu estudava! Mais do que abrigar coleções de alguns dos mais importantes e interessantes artistas nacionais e internacionais da contemporaneidade, trata-se de um espaço enorme em que botânica, arquitetura e arte se unem de uma forma absolutamente harmônica e inacreditavelmente poética. Assim, enquanto estudante de fotojornalismo, não pude deixar de passar bastante tempo em uma galeria de uma fotógrafa até então desconhecida para mim. A galeria Cláudia Andujar, que abriga desde 2015 uma boa curadoria de trabalhos da fotógrafa suíça naturalizada brasileira, representa uma fase marcante e definitiva em sua carreira.
    Uma fotografia de Cláudia Andujar é revelada em uma sala de luz infravermelha, com líquido revelador. Sobre a superfície, é visível uma mão enluvada. A foto mostra um jovem indigena Yanomami submergindo na água. 
    Cena do episódio Cláudia Andujar, da série Inhotim – Arte Presente

    Quando se estabeleceu em São Paulo, Andujar trabalhou como fotógrafa para as revistas Cláudia, Life e Realidade. Essa última lhe rendeu a experiência de imergir na floresta Amazônica. O que se seguiu foi o divisor de águas da carreira de Andujar. Com o apoio de bolsas da Fundação Guggenheim  e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, passou a conviver e fotografar o povo Yanomami nos anos que se seguiram. O resultado foi uma vasta e consagrada produção fotográfica revelando aspectos da cultura, espiritualidade e conflitos em torno desse grupo indígena. Quanto mais se envolveu com eles, mais passou a defender seus direitos, constantemente ameaçados pela exploração por homens brancos da região em busca de minérios. Muitos Yanomami morreram em decorrência de doenças oriundas da presença de homens brancos e por conflitos violentos, com a ocorrência de invasões seguidas por assassinatos. 

    As imagens produzidas por Andujar são encantadoras e impressionantes, sendo o mais curioso o fato dela nunca ter feito um curso de fotografia. Ainda assim, é visível um cuidado técnico e estético com suas imagens, como o uso de longa e dupla exposição em registros de rituais, como meio para transmitir a espiritualidade envolvida naqueles momentos, ou o truque revelado no episódio dedicado à criação de sua galeria na série Inhotim – Arte presente, de 2018, em que, para conseguir o desfoque lateral de muitas das fotografias, ela revela que usava vaselina diretamente sobre a lente de sua câmera.

    Há universos iconográficos dentro da  vasta coleção de fotografias, presentes na galeria, como a série “Marcados”, que constitui-se por retratos de indígenas olhando diretamente para a câmera, com um número de identificação em placa preta pendurado em seus pescoços. Trata-se do meio encontrado para numerar e saber quais indígenas já haviam sido vacinados durante as expedições de médicos às aldeias em decorrência de uma epidemia que se alastrou entre eles na época em que eram feitas construções de estradas em seu território, nos anos 80. No jogo de sentidos que se estabelece através das imagens, a série Marcados ganha outras proporções ao ter em mente que aquelas eram pessoas que estavam marcadas para morrer ao ter sua segurança e sua história ameaçados por ações de homens brancos que jamais se preocuparam com toda uma comunidade indígena, tendo em vista o progresso e a economia. Ironicamente, a palavra “yanomami” significa “ser humano”, mas nas fotografias de Andujar, o que vemos são pessoas desprovidas de sua humanidade, ao serem reduzidas a números. São marcados para morrer, assim como os parentes judeus de Andujar que, ao final da Segunda Guerra Mundial, carregavam em seus ombros a estrela de Davi como identificação, obrigados a viverem em guetos e posteriormente, confinados em campos de concentração.

    São visíveis diversos indígenas, homens e mulheres, diante de um fundo branco neutro e olhando diretamente para a câmera. Cada um possui uma placa com um número de identificação pendurado ao pescoço. 
    Cláudia Andujar. Série Marcados.

    A morte é ainda o principal mote para compreender a recepção dos Yanomami à obra de Andujar quando, no melhor momento do episódio, são convidados a irem ao Inhotim, um espaço que, apesar de belo e relevante para a arte contemporânea, pouco, ou melhor, nada tem a ver com a vida e cultura de povos indígenas. É curioso ver no episódio o momento em que os Yanomami olham as fotografias, com expressões que por vezes parecem muito semelhantes à dos demais visitantes do Inhotim, mas em outros, parecem tão diferentes, pois identificam rituais, posam diante de sua própria memória e até estranham a forma como um branco – no caso, Andujar – os representou, como quando o pajé questiona o por quê de haverem fotos de mãos e pés, como se a fotógrafa quisesse saber como são seus membros, como se pudessem ser algo muito diferente do usual.  

    Acontece que muitas das pessoas mostradas nas fotografias já estão mortas, o que muda por completo a relação do Yanomami com as fotografias. O pajé Davi Kopenawa deixa claro que não reconhece muitas das pessoas que estão ali representadas, algumas por serem de outras tribos, outras por já terem morrido a muito tempo. Os nomes dos indígenas não consta, como observa uma índia Yanomami a seu lado quando observam uma das imagens, o que parece apenas dificultar o seu reconhecimento. Um outro indígena, que não foi identificado no episódio, explica com um smartphone na mão que não há problema em fazer registros fotográficos de seus parentes e amigos enquanto sabe que aquela pessoa ainda está viva e que esteve presente naquele lugar, mas em caso de falecimento, não hesitaria em deletar tais imagens, explicando que não devem ser preservadas quando são tudo o que restou da existência daquela pessoa.

    O pajé ainda comenta sobre a fotógrafa ter feito registros das mãos e pés dos Yanomami, sem que seja possível indicar a quem pertencem tais partes do corpo, e comenta, em tom de brincadeira, que irá fotografar as mãos dela também. Depois, em uma cena ainda mais incômoda, em que está sentado diante de funcionários responsáveis pela galeria e com Claudia Andujar a seu lado, revela que, diferente deles e daqueles que visitam a galeria, olhando para as fotos com interesse e achando-as bonitas, olhar para pessoas que conheceu e que sabe já estarem mortas o entristece, mas completa afirmando conhecer o trabalho de Andujar, a quem chama de Napayama, revelando respeito a ela por seu envolvimento e luta por  seu povo.

    Um indígena Yanomami é visto de costas observando fotografias de Cláudia Andujar em uma galeria do Instituto Inhotim. Seu tronco está nu, e  ele usa acessórios característicos, como um colar e um conjunto de penas vermelhos em seu braço esquerdo. 
    William Gomes. Yanomami visita galeria com fotografias de Cláudia Andujar.

    O episódio segue com as impressões de Kopenawa sobre o próprio museu, em que, não o vê como local de preservação, mas como um local que foi devastado e replantado com árvores que não reconhece como brasileiras, culminando na afirmação de que os verdadeiros responsáveis pela preservação da flora são eles, os indígenas. Há ainda uma discussão sobre a arte indígena, os desenhos feitos pelos próprios Yanomami após serem apresentados ao papel e ao pincel atômico por Andujar e que seriam, portanto, representativos dos seus próprios grafismos e formas de produzir representações em imagens. Há também explicações sobre o envolvimento da fotógrafa com o ativismo para salvar a vida daquele povo durante a ditadura militar. 

    É interessante perceber que muitas vezes, através de outras culturas, diferentes visões sobre um assunto podem ser conhecidas. Enquanto nos apegamos às imagens fotográficas para lembrarmos de nossa vida, daqueles que já se foram e até para expô-las em espaços como museus, o povo Yanomami não vê sentido em conservar a existência de alguém querido que já não habita entre eles. O episódio Claudia Andujar é o 4º da série Inhotim – Arte Presente, que está disponível na Netflix.

    E aí? Gostou de conhecer um pouco mais sobre a obra de Cláudia Andujar e sua relação com os Yanomami? Conta pra gente aqui nos comentários o que achou da dica de episódio de hoje! Nos siga também no Instagram.

    Links, Referências e Créditos

    CLAUDIA Andujar. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa18847/claudia-andujar>. Acesso em: 21 de Nov. 2020.
  • Planejamento e Pesquisa

     Ter uma ideia interessante e descobrir como desenvolvê-la são, às vezes, etapas mais importantes em um projeto fotográfico do que fotografar.

    Ter uma ideia interessante e descobrir como desenvolvê-la são, às vezes, etapas mais importantes em um projeto fotográfico do que fotografar.

    Pedro David – 360 Metros Quadrados – Libélula, 2012
    Descrição: Fotografia em preto e branco de uma libélula em cima de um caderno.
    Todo projeto começa com uma ideia. Essa noção pode parecer óbvia, mas o ato de idealizar antes de pôr em prática é tão naturalizado que perde a sua real importância diante da execução do projeto, arrastando para o esquecimento outras etapas que também concernem o momento de idealizar, como, por exemplo, pesquisar. Em um mundo saturado de fotografias, destinar um tempo para conceber a ideia do projeto fotográfico é essencial para evitar a repetição de um assunto ou de visões sobre um assunto que já foram abordadas à exaustão.
    O autor de “A Narrativa Fotográfica”, Michael Freeman, sugere “encontrar um assunto que ninguém tenha usado (ou se lembre de ter usado); ou fazer uma foto que  mostre um assunto já utilizado mas de uma maneira que ninguém tenha feito antes” (p.55). É preciso ter em mente, porém, que nenhum assunto é completamente novo, o que não significa que para o público a que se destina seu projeto o assunto que deseja abordar não seja uma novidade. Estabelecer o objetivo do projeto, em termos de onde se deseja chegar com ele, portanto, pode ser um ponto de partida para decidir qual será o seu tema e como ele será abordado. Assim como um assunto inusual pode chamar a atenção, gerar identificação através do tema também é uma opção. Nesse caso, o fator de novidade vai depender apenas da interpretação do fotógrafo.
    Pedro David – 360 Metros Quadrados – Torre, 2012
    Descrição: Fotografia em preto e branco de blocos de brinquedo empilhados em cima da mesa formando um pirâmide. A parede no fundo da imagem está rabiscada.
    O ensaio que ilustra este artigo é um exemplo de como uma abordagem inédita pode ser usada para tratar de um assunto simples e muito cotidiano. “360 Metros Quadrados”, do artista visual mineiro Pedro David, propõe mostrar os mundos possíveis dentro de um ambiente territorialmente limitado, como essa casa de 360 metros quadrados em um periferia brasileira. O autor atinge o seu objetivo enfatizando detalhes tão casuais que é surpreendente que se transformem em uma obra de arte com grande destaque estético. Dessa forma, o fotógrafo realizou um projeto que chama a atenção por sua própria acepção dos temas casa e espaço.
    Tendo isso em vista, é importante entender que não é possível abordar um assunto em toda a sua dimensão e que um projeto sempre será um recorte. Estando sem ideias, tente, portanto, pensar em um assunto amplo e, em seguida, nos assuntos mais específicos que existem dentro dele. Por fim, verifique quais são mais prováveis de serem realizados com o seu tempo, dinheiro, equipamento e conhecimento técnico. Essas condições, aliás, devem ser levadas em consideração desde o início, afinal seria horrível perceber durante a execução que, dados os recursos disponíveis, não é possível pôr o seu plano em prática.
    Tão crucial para um projeto quanto ter um assunto que se encaixe nas suas possibilidades e que seja atraente é conhecer sobre esse assunto. Pesquisar está, portanto, indissociavelmente atrelado a planejar. Alguns assuntos podem parecer universais, ou seja, assuntos que as pessoas supõem que existe uma única maneira de representar e que, por conseguinte, não parece relevante que sejam pesquisados. Entretanto, é nessa etapa que se descobre o que já foi abordado sobre o tema, o que, portanto, possibilita buscar novas interpretações. Além disso, enxergar o tema pelo ponto de vista alheio fará sua visão sobre ele transcender estereótipos culturais, especialmente quando mídias diferentes são consultadas, como livros de ficção, livros acadêmicos, filmes, etc.
    Pedro David – 360 Metros Quadrados – Planisfério, 2012
    Descrição: Fotografia em preto e branco de favos de mel com formato de continentes equilibrados no chão.
    Se possível, planejar quais os equipamentos e técnicas serão utilizados não deve ser apenas uma questão de conveniência, mas um aspecto fundamental da narrativa. Em “360 metros quadrados”, por exemplo, a escolha da Polaroid 55 é mais um limitador do espaço, acentuando a ideia de um microuniverso em cada fotografia. O material, a técnica e a composição devem ser planejados como parte da narrativa, a maneira que a história será contada pode ser irremediavelmente afetada caso esses elementos sejam deixados de lado no planejamento.
    Por último, uma etapa imprescindível para o começo de um projeto é o título, que deve ser curto e não precisa ser definitivo. Se necessário, escreva também um subtítulo que explique o que o título não deixou claro. Tome como exemplo o ensaio de Pedro David e como o seu título é literalmente o seu objeto de fotografia, enquanto o subtítulo o contextualiza: “Uma viagem minúscula em proporções geográficas, mas profunda em significados, dentro dos limites de um terreno residencial na periferia de uma grande cidade brasileira”.
    O planejamento é muito pessoal e todos os componentes citados aqui como forma de auxiliar no processo podem ser utilizados na ordem que você desejar, o mais importante é manter o foco para não tratar de aspectos demais do assunto, tornando as fotografias desconexas. Porém, ao mesmo tempo, manter uma visão muito fechada da obra pode limitar o projeto. O ideal, portanto, é fazer projeções a partir das suas possibilidades. E por que não começar a treinar agora? Escolha um dos nossos posts do #fotografetododia e pense em um tema para conciliar com a técnica do post, anote como você transformaria a combinação em um ensaio fotográfico, dentro das suas possibilidades, é claro. Se quiser, compartilhe conosco aqui nos comentários.
    Outras postagens da série sobre ensaios e projetos fotográficos:

    Referências:

    • FOX, Anna, CARUANA, Natasha. Por trás da imagem. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
    • FREEMAN, Michael. A Narrativa Fotográfica: a arte de criar ensaios e reportagens visuais. Porto Alegre: Bookman, 2014.
    • SIMMONS, Mike. Como Criar uma Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2015.
    • SHORT, Maria. Contexto e Narrativa em Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
  • Narrativas Fotográficas

    Como contar histórias através das fotografias.

     Narrativa, de modo geral e amplo, implica a reunião de signos cujo sentido será afetado por um contexto histórico, social e cultural particular. Signo, por sua vez, dizemos de um elemento que estará representando outro. Uma operação matemática, por exemplo, é a reunião de signos (pois os números estarão representando quantidades), mas não possui significado particular, muito menos é afetada por um contexto histórico, social e cultural e, portanto, não configura uma narrativa. As imagens, porém, estão suscetíveis a essas nuances de interpretação. Basta pensar em como a forma de ler textos da esquerda para a direita e de cima para baixo afeta a nossa forma de interpretar imagens, de forma que aqueles acostumados a outro tipo de leitura de textos, como os japoneses, por exemplo, leriam imagens de outra maneira, expondo o aspecto cultural dessa interpretação espacial.
    Christian Cravo – “Mariana” – Sem Nome
    Narrativa, de modo geral e amplo, implica a reunião de signos cujo sentido será afetado por um contexto histórico, social e cultural particular. Signo, por sua vez, dizemos de um elemento que estará representando outro. Uma operação matemática, por exemplo, é a reunião de signos (pois os números estarão representando quantidades), mas não possui significado particular, muito menos é afetada por um contexto histórico, social e cultural e, portanto, não configura uma narrativa. As imagens, porém, estão suscetíveis a essas nuances de interpretação. Basta pensar em como a forma de ler textos da esquerda para a direita e de cima para baixo afeta a nossa forma de interpretar imagens, de forma que aqueles acostumados a outro tipo de leitura de textos, como os japoneses, por exemplo, leriam imagens de outra maneira, expondo o aspecto cultural dessa interpretação espacial.
    Na fotografia, a ideia de narrativa é geralmente associada a projetos como ensaios fotográficos ou fotorreportagens, o que não quer dizer que não esteja presente em fotografias individuais. Aliás, se considerado o conceito de narrativa do parágrafo anterior, toda fotografia seria uma narrativa, mas é preciso destacar que nem todas as fotografias são criadas para terem um significado histórico, social e cultural particular e é exatamente essa tentativa de manipular a significação, ou seja, de propositalmente contar algo que marca a narrativa fotográfica.
    A noção que parece ser a mais reforçada sobre as narrativas fotográficas é a presença de um começo, de um meio e de um fim. A proposta de uma rota temporal é fácil de  imaginar em ensaios e reportagens, em que um começo pode se tratar de fotografias que introduzem o espaço e os personagens, o meio pode ser o aprofundamento do que foi apresentado no começo e o fim pode ser um desfecho para o que se desenvolveu. Michael Freeman, autor de “A Narrativa Fotográfica”, acrescenta também a necessidade de um clímax, que seria um momento em que o desenvolvimento começa a aumentar e aumentar o ritmo até chegar no ponto alto da história, aquela fotografia mais impactante que prende a atenção, talvez contendo um problema a ser resolvido no encerramento.
    Christian Cravo – Fotos do ensaio “Nos Jardins do Éden”
    O ensaio “Nos Jardins do Éden”, de Christian Cravo, é um ótimo exemplo de um ensaio com um tema que pode ser disposto em ordem cronológica. Christian é um dos mais importantes nomes da fotografia brasileira contemporânea e “Nos Jardins do Éden”, evidencia esse prestígio. O ensaio retrata rituais de vodu no Haiti, um contexto em que o fotógrafo poderia documentar o ambiente, as preparações, o ritual em si (clímax) e o que acontece depois do ritual, apresentando as fotografias na ordem dos acontecimentos reais. Ou seja, é uma situação em que a narrativa já vem pronta. É preciso lembrar, entretanto, que o fotográfo impõe a sua visão à fotografia, portanto, mesmo que a narrativa venha pronta, ela nunca contará exatamente ou apenas o que aconteceu. A narrativa individual de cada fotografia de “Nos Jardins do Éden” conta também sobre a sujeição dos corpos à fé, além de passar uma mensagem de exotismo, sempre repetindo elementos como o fogo, a nudez e as galinhas, e de fascínio, nas luzes que emanam em feixes sobre as pessoas.
    Construir uma narrativa em ordem cronológica é o meio mais fácil, mas não é a única maneira que existe de contar histórias por meio da fotografia. As narrativas podem ser cíclicas ou o antes e o depois de um acontecimento podem estar implícitos na fotografia. Um ensaio pode, também, não ter nenhuma relação temporal entre as fotografias, mas manter a coesão por compartilhar o mesmo tema ou um mesmo conceito visual. Já a continuidade entre elas pode ser criada pelo ritmo que a ordem escolhida de apresentação dessas fotografias e o destaque que a edição dá a cada uma delas. Até mesmo a falta de coesão, como colocar uma foto em preto e branco seguida de uma colorida, pode contribuir para estabelecer um ritmo narrativo. Um ensaio com fotografias de um mesmo objeto pode ter um clímax, por exemplo, se a forma que as fotografias foram feitas e dispostas no ensaio sugerirem uma acentuação do tema até uma foto de destaque, por exemplo.
    Christian Cravo – Fotos do ensaio “Mariana”
    As fotografias acima, também de Christian Cravo, são parte de um ensaio que reflete as consequências do rompimento da barragem de Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana, Minas Gerais, até agora o maior crime ambiental do Brasil. Ao contrário de seus outros ensaios, “Mariana” é colorido apenas para que o próprio monocromatismo do local esteja aparente. Assim, mesmo que as fotos não mostrem o momento do rompimento a cor predominante da lama nos remete ao que aconteceu, as colocando como parte da mesma história, e mesmo que não seja explícita a relação das famílias com o local antes e depois do crime, através de seus pertencentes inevitavelmente deixados para trás o ensaio narra a dor da perda de vidas deixadas em suspenso e de ter uma parte da sua vida inundada por lama.
    Sugestão de exercício: procure ensaios fotográficos em revistas ou na internet e após analisar cada fotografia escreva quais são as características narrativas que se destacam nele. Tente responder a questões como: Que história esse ensaio conta? Que recursos o fotógrafo utilizou que me fazem reconhecer as fotografias como uma unidade? Como a composição das fotografias me leva a reconhecer o tema do ensaio? Deixe a suas conclusões aqui nos comentários e se quiser receber mais conteúdos como esse nos siga no instagram @d76_cultfoto.

    Referências:

    • FREEMAN, Michael. A Narrativa Fotográfica: a arte de criar ensaios e reportagens visuais. Porto Alegre: Bookman, 2014.
    • SHORT, Maria. Contexto e Narrativa em Fotografia. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
    • SQUIRRE, Corine. O que é narrativa? Civitas, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 272-284, maio-ago. 2014.
  • Cores Frias

    Como as cores frias afetam a percepção de quem vê a fotografia e como elas podem ser usadas para criar certos efeitos?

    A cor é um dos elementos mais importantes em uma fotografia. O uso e a combinação de tons pode afetar radicalmente a intenção e o efeito de uma fotografia para quem a vê. No círculo cromático, as cores frias, tons de azul, verde e roxo, estão em oposição ao vermelho, laranja e amarelo, cores quentes. As cores frias têm mais azul na composição, enquanto as quentes têm mais amarelo. 

    Legenda: Círculo cromático. Fonte: Arty (2018)
    Descrição: um circulo de cores dividido em duas partes, uma com as cores quentes e uma com as cores frias.

    Estes tons mais frios transmitem uma sensação de melancolia e relaxamento, dependendo da forma como forem usados. Quantos mais “desbotado” o verde ou o azul forem, maior a sensação de relaxamento transmitido por eles. Se os tons estiverem muito saturados o efeito calmante se perde um pouco.

    Mas por que essas cores tem o efeito de acalmar o observador? Segundo o livro Psicologia das Cores, de Eva Heller, o azul e o verde são muito associados ao céu e a natureza, elementos considerados “divinos” por algumas culturas, o que faz com que elas tenham esse efeito tranquilizante para várias pessoas. Este livro apresenta o resultado de uma pesquisa sobre cores e sentimentos, e um dos capítulos mostra que azul e verde foram as cores mais associadas aos sentimentos de harmonia, simpatia, amizade e confiança.

    Legenda: Viaduto Santa Efigênia Visto a Partir do Vale do Anhangabaú. Walter Firmo, 1980.
    Descrição: uma avenida movimentada em um horário que parece o entardecer, com o céu começando a escurecer. 

    Walter Firmo é um fotógrafo brasileiro, muito conhecido por retratar a cultura negra e brasileira, tendo fotografado artistas como Cartola, Paulinho da Viola, Pixinguinha e Clementina de Jesus. Durante sua carreira passou a ser chamado de “mestre da cor”, justamente pelo uso interessante deste elemento em suas fotografias. 

    Legenda: Santo Amaro da Purificação, Bahia. Walter Firmo, 2002.
    Descrição: duas pessoas nuas em meio ao que parece ser um canavial. Ao fundo vemos uma pequena igreja. 

    A foto acima tem poucas cores na sua composição. Azul no céu, verde na grama, branco na igreja ao fundo e marrom e preto na pele e no cabelo da mulher e o homem fotografados. A predominância do azul e do verde passam uma sensação de tranquilidade e os olhares dos modelos no horizonte dão a impressão de que eles estão pacientemente esperando algo ou apenas observando a natureza em um momento de contemplação.

    Pensar o uso e a intenção da cor na fotografia é fundamental para criar fotos que façam o observador sentir algo enquanto ele observa. Além de observar as cores e as luzes do ambiente no momento de fotografar, também use aplicativos de edição e experimente diferentes tonalidades para as suas fotos. 

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    Links, Referências e Créditos