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Os olhos que enxergam Clarice

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Queridíssima pelos brasileiros, Clarice Lispector sabia muito bem de sua incompreensão perante os olhos dos outros. Mas, não os de Claudia Andujar.

Clarice sempre foi uma escritora incompreendida. Podem entender seus textos, mas a pessoa? Quase nunca. E esta é uma das características mais peculiares da “pernambucana”, como se declarava. Julgo que Claudia Andujar sabia disso quando a fotografou para uma reportagem em 1961 em sua casa, no Recife.

Clarice Lispector sentada em seu sofá com uma máquina datilográfica em seu colo. Seus trajes são simples e graciosos, e o cenário de sua casa é arejado e transmite tranquilidade e silêncio.
Claudia Andujar

 

Esta foto me puxa para fora dela, causando o efeito oposto da maioria das fotografias. Mais do que olhar, essa fotografia me faz querer investigar Clarice; e não somente isto, mas olhar para Clarice através das lentes fica mais interessante se feito com os olhos de Claudia.

Enxergo através desta fotografia, uma mulher que enxerga a outra. Não apenas como mulher, mas como indivíduos que compartilham perspectivas similares sobre a vida. Tanto Claudia quanto Clarice são imigrantes, tendo ambas deixado a Europa, se estabelecido no Brasil e se naturalizado brasileiras. Ambas são lembradas até hoje por conta de seu trabalho realizado, predominantemente, em solo brasileiro. O que é pertinente, já que esta foto exibe justamente o trabalho das duas: a fotografia e a escrita.

Mas eis o questionamento: Como enxergar a escritora de forma mais íntima que através das lentes de Andujar? Ou, ainda, como entender Clarice Lispector melhor do que enxergando pelos olhos de Claudia Andujar? É possível?

Ali, sentada no sofá, tranquila e elegante, Clarice tece palavras. Seus olhos semicerrados defrontam o datilógrafo. Seus dedos esguios gentilmente tocam os botões, adicionando vida a seus textos. A foto me transmite a sensação de que há uma oposição entre a profundidade do que está sendo escrito por ela naquele momento e a  leveza de seu suspiro, eternizado por Andujar.

Para todos os lados está a casa de Clarice, e no centro seu corpo se faz presente. Ela apoia a máquina datilográfica de forma quase espiritual em seu colo, como se estivesse em completo transe; em êxtase; e nada ao redor parece importar ou estar preenchido de significado quando se está ao lado dela. A única exceção para isso parece ser Claudia Andujar, capaz de enxergá-la e nos fazer enxergar a escritora daquela forma.

Particularmente, dentre todas as coisas que Claudia me faz enxergar em Clarice, digo que a solitude é a mais vibrante delas. Clarice está fisicamente ali, mas se faz realmente presente nos limites de sua mente. Ela articula, inspira e transpira poesia, e faz isso isolada e indiscretamente discreta; sem a necessidade de companhia, exceto de alguém tão semelhante a ela mesma.

Ocupando cerca de ¼ da fotografia, aquela delicada e caprichosa escritora transmite, para muito além de seu corpo, tudo o que é. Dela emana uma aura eternizada na fotografia de Andujar que talvez não fosse propriamente capturada se, por acaso, fosse outra pessoa atrás daquelas lentes.

Se, caso outra pessoa estivesse ali, iria enxergá-la tal como é? Ou apenas veria Clarice? Talvez, não sendo Cláudia, com seu olhar igualmente delicado e elegante, não conseguisse perceber que entender Clarice “não é uma questão de inteligência, e sim de sentir…”. Ou captura, ou não captura.

#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

Links, Referências e Créditos

Como citar este artigo

BRITO, C. S. Os olhos que enxergam Clarice. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/os-olhos-que-enxergam-clarice/>. Publicado em: 20 de jul. de 2022. Acessado em: [informar data].

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