A história por trás de uma das fotografias mais reproduzidas e cultuadas da atualidade.
A fotografia de Alberto Korda retrata o guerrilheiro revolucionário Ernesto “Che” Guevara de la Serna e é uma das mais replicadas do mundo. Até hoje, ela contribui para disseminar a imagem de Guevara e pode causar diferentes sensações em quem a vê.
Alberto Korda |
A foto foi feita no dia cinco de março de 1960, durante uma cerimônia fúnebre para as vítimas da explosão do cargueiro La Cumbre, acontecimento que matou mais de 100 pessoas e deixou cerca de 200 pessoas feridas. Che estava descendo do palanque no qual discursara para os familiares das vítimas quando Korda tirou a fotografia.
Na foto, o revolucionário aparece com um semblante sério e obstinado. O ângulo, contre-plongée, ajuda a dar para ele uma dimensão heróica, amplificada por suas feições ásperas. Entretanto, a interpretação dessa foto varia conforme a perspectiva política do espectador. Para aqueles que se opõem aos feitos e as ideias de Guevara, essas mesmas feições e esse mesmo ângulo mostram um homem cruel, violento e vilanesco.
Milhares de pessoas se utilizam dessa fotografia com diversos fins, alguns deles muito irônicos. Muitos a cultuam como um artigo religioso e comparam o comandante com o próprio Jesus Cristo, sem considerar o fato de Guevara inúmeras vezes ter assumido ser ateu. Muitos simpatizantes de partidos neonazistas também ostentam a imagem de Che, mesmo que ele se opusesse veementemente aos ideais fascistas.
Vítima da reprodutibilidade técnica da imagem, a figura de Che Guevara parece ser uma “carta coringa”, utilizada para se encaixar nas mais inúmeras narrativas. Isso provavelmente se deve ao fato da simplicidade da composição da foto. Nela, vemos um homem bonito, sério, com cabelos longos e traços fortes. Esse arquétipo é facilmente colocado em qualquer narrativa.
Não é complexo traçar paralelos entre Che e Jesus Cristo, já que muitos os consideram homens belos, altruístas, que lutavam pela justiça e pelos pobres e pelos necessitados. Entretanto, também é fácil de comparar Che ao próprio diabo, devido ao fato de ambos serem descritos como charmosos, bons com as palavras, violentos e cruéis. Essa imagem encaixa perfeitamente em qualquer ponto destes dois extremos de bem e mal, ele pode ser Robin Hood, Drácula, Luke Skywalker e Darth Vader.
A técnica fotográfica tem por prioridade apenas um único fim, a reprodução em massa e a venda desenfreada, sendo assim, ela dissemina apenas a ideologia do mercado, independente dos pensamentos das pessoas fotografadas. É como se ela retirasse daquele homem toda sua história e o transformasse em uma página em branco. Talvez seja essa maleabilidade da imagem que fez com que a foto se tornasse tão famosa.
Com isso, é difícil discordar dos ensaios em que Walter Benjamin escreve sobre a ausência da aura na fotografia. Essa imagem nunca carregou se quer uma sombra da essência do Che Guevara real. Porém, ela poderia, com toda certeza, ser utilizada para defender as mesmas ideias que ele defendia, mas isso depende somente de quem se utiliza da foto e de quais ideais são proclamados em seu discurso.
#leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.
Links, Referências e Créditos
- BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica“. In: Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1987
- MACHADO, Arlindo. A Ilusão Especular: introdução à fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1984
- Wikipedia: La Coubre
- Cultura Fotográfica: Alberto Korda
- Brasil Escola: Che Guevara
Como citar esta postagem
OLAVO, Pedro. Guerrilheiro Heroico. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/guerrilheiro-heroico/>. Publicado em: 16 de fev. de 2022. Acessado em: [informar data].
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