A história por trás da fotografia de Ruth Orkin e minhas impressões acerca dela
A fotografia, feita em 1951, retrata uma mulher que caminha sozinha por uma rua que está cheia de homens, quinze figuras masculinas no total. A grande maioria deles a encaram com “olhares de abutre”. O homem, à sua direita, assobia ou fala algo enquanto ela passa. Enquanto o outro, a sua frente, permanece parado enquanto olha para ela, como se quisesse impedir sua passagem.
Ruth Orkin |
A mulher me parece aflita, ansiosa e incomodada com a situação. Seus olhos apontam para o chão, como se quisesse evitar ou se desviar dos olhares desses homens. Ela segura seu xale com a sua mão direita e com a esquerda, um caderno e uma bolsa. Tenho a impressão de que seus passos são rápidos e apressados e que por isso segura suas coisas com tanta força.
A fotógrafa que capturou a imagem foi a americana Ruth Orkin. Durante uma viagem pela Itália, conheceu a jovem Ninalee Allen, mulher que aparece na fotografia. Ninalee tinha acabado de se formar em Ciências Humanas e havia atravessado sozinha o Atlântico em uma viagem de navio. Além disso, Ninalee se hospedou no mesmo hotel que a fotógrafa quando viajou para a Itália.
Quando Ruth Orkin conheceu Ninalle Allen, a fotógrafa teve a ideia de fazer um ensaio sobre o cotidiano de uma mulher sozinha em viagens. Era para ser algo leve e divertido. Entretanto, dentre as várias fotografias tiradas naquela manhã em Florença, uma delas se transformou em um retrato de assédio sexual.
A fotógrafa conta que pediu para os homens não olharem para a câmera quando tirou a fotografia acima. Com esta instrução em mente, eles passaram a encarar Ninalee Allen, ato que deu um aspecto estranho para a imagem. Mesmo que Allen diga que não se incomodou com os olhares masculinos, penso que a fotografia retrata o triste e cansativo cotidiano de mulheres em um mundo machista. Recebemos olhares e cantadas que não pedimos, que nos objetificam e nos deixam extremamente desconfortáveis.
Na visão de Ninallee pode não ter ocorrido assédio, pois ela conta que não se sentiu incomodada. Entretanto, alguns aspectos e conceitos mudam com o passar dos anos. Há transformações, novas leituras de textos, fotografias, visões de mundo. Portanto, penso que no momento em que eu me encontro agora, esta fotografia é um retrato de assédio sexual. Como você a vê?
Essa fotografia me lembrou da música “Garota de Ipanema”, escrita por Tom Jobim e Vinicius de Moraes, pois a canção apresenta uma mulher passando pela rua e sendo observada por homens. Será que ela se sentiu incomodada no momento em que passava? Me parece que a letra normaliza esses tipos de atitudes, em que a percepção de que encarar uma mulher passando pela rua são tratadas como se fosse algo normal. Muitas mulheres carregam marcas e cicatrizes por causa dessas representações.
#leitura é uma coluna de caráter reflexivo. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, histórica, política e social. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor as postagens da coluna? É só seguir este link.
Links, Referências e Créditos
Como citar essa postagem
HELENA, Beatriz. Garota americana na Itália. Cultura Fotográfica. Publicado em: 10 de nov. de 2021. Disponível em: https://culturafotografica.com.br/garota-americana-na-italia-2/. Acessado em: [informar data].
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