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Vivendo com o Inimigo

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Nos anos 80, Donna Ferrato registrou cenas de violência doméstica. Infelizmente, agressões deste tipo continuam sendo constantes em todo o mundo.

Donna Ferrato – Westchester County, New York, 1982

Em 1982, a fotógrafa americana Donna Ferrato viveu durante um tempo com um casal, Garth e Lisa, com o objetivo de registrar a sua vida sexual para a revista Playboy Japão. Um dia, Garth agrediu Lisa no banheiro e Donna, ao escutar o grito, correu com a sua câmera nas mãos. O registro do momento é impactante. Garth se projeta na direção de lisa com a mão se movimentando para culminar no que em poucos segundos seria um tapa. Somos espectadores assistindo a ação do canto do banheiro que, por sua vez, é contornado por espelhos que mostram a cena acontecendo em outros ângulos. Assim, vemos diversas Lisas sendo violentadas naquele instante sem fim. Os espelhos, porém, também são os responsáveis por desfazer o encanto da fotografia, aquele que implica no esquecimento da presença do fotógrafo, quase como se a fotografia se criasse sozinha, pois, é possível ver a imagem de Donna, disparando sua câmera, no reflexo do espelho. Para não provocar gatilho nos leitores, a fotografia não será vista no post, mas você pode acessá-la neste link.
Registrar em fotos é um pacto de não envolvimento do fotógrafo e, neste caso, uma negação de auxílio. A atitude de Donna é moralmente dúbia ao abrir mão de ajudar a vítima em prol de documentar a violência (ou, como definiu, de abrir o livro da hipocrisia da sociedade) para que pudessem acreditar nela, mas, em uma sociedade que acredita mais em imagens do que em fatos, suas fotografias podem ter ajudado a confirmar a existência da violência doméstica como um problema social sistemático e não uma exceção a regra, principalmente porque, depois dessa fotografia, Donna Ferrato passou 30 anos visitando conferências, tribunais, emergências hospitalares, grupos de terapia e aulas de defesa pessoal para mulheres, coletando histórias e fotos sobre violência doméstica, algumas delas foram publicadas em 1991 no livro “Living with the Enemy” ou Vivendo com o Inimigo.
Sobre o livro, Donna disse que: “a maior parte de “Vivendo com o Inimigo” nasceu da frustração — primeiro porque eu me sentia impotente para enfrentar a violência que eu via, e, segundo porque por muito tempo nenhuma revista publicaria as fotos”. Para a revista Time, relatou também: “Agora (a partir do livro), eu também tinha um sonho: algum dia o mundo ia acordar para a desvantagem que as mulheres têm nas suas relações íntimas com os homens. Eu iria fazer todos olharem em seus olhos”.
Donna encontrou a sua forma de tentar expor o assunto transformando-o em provas inegáveis e desenvolvendo instrumentos de empatia, mas deve ser sempre lembrado que a melhor maneira de ajudar uma mulher vítima de violência doméstica é fazer a denúncia e ajudá-la a ter acesso aos mecanismo que a justiça prevê para protegê-la.

Confira algumas das fotografias de “Vivendo com o Inimigo”:

Aviso: foram escolhidas fotografias que não retratassem graficamente a violência, para evitar gatilhos emocionais nos leitores, mesmo assim as imagens podem ser fortes para algumas pessoas.
Donna Ferrato – Minneapolis, Minnesota, 1988

O relatório da polícia saiu assim: 7:30 a.m. O pelotão 510 recebeu uma ligação de uma agressão acontecendo… “Eu te odeio” Nunca volte à minha casa”, gritou o garoto de oito anos para seu pai enquanto a polícia prendia o homem por atacar a sua mãe.

Donna Ferrato – Boulder, Colorado, 1985
O marido de Janice a espancava impiedosamente …

Donna Ferrato – Mulher com seu bebê, olhos fechados – 1988
Kim temia que a tensão que ela sentia após deixar seu marido violento e recomeçar sozinha fosse perigoso para o seu bebê. “Eu poderia agarrá-lo agora mesmo se ele fizesse algo ruim e atirá-lo contra a parede”, ela disse no Mulheres contra o Abuso, um abrigo na Filadélfia. “Em momentos como esse, eu acho que meu pai costumava fazer isso comigo, agora eu talvez faça isso com essa criança”.  O funcionários do abrigo ajudam as mulheres a lidarem com tais sentimentos.

Donna Ferrato – Mulher com a sombra do policial – Filadélfia, Pensilvânia, 1986.
Uma esposa espancada reclamou para o policial que  suas ligações por ajuda raramente eram atendidas. Apesar de uma ordem judicial para se manter longe, seu marido invadiu a sua casa pela janela.

Donna Ferrato – Mulheres e crianças com mural – Minnesota, 1988.
Não existe uma residente de abrigo típica, assim como não existe uma mulher espancada típica. No Defensores das Mulheres, em Saint Paul, o primeiro abrigo do país, mulheres podem se abrigar por seis semanas e ter acesso a assistência legal, financeira, médica e trabalhista. O mural da casa foi pintado por uma residente há dez anos.

Donna Ferrato – Policial com um panfleto – 1988
Ativistas pressionam a polícia a passar por um treinamento de violência doméstica e distribuir panfletos sobre o abuso de parceiros, listando as fontes locais de ajuda.
Denuncie!
Quarenta anos depois da foto em que Garth agride Lisa, a violência doméstica continua sendo um grave problema social em todo o mundo e os dados mostram que o confinamento social por causa da pandemia de Covid-19, que fez com as mulheres tivessem que passar mais tempo sozinhas com seus agressores, fizeram os números da violência aumentarem. No Brasil, houve um aumento de denúncias de violência doméstica de 34% por mês, além de um aumento de 5% do feminicídios, ocorrendo só no estado do Pará um aumento de 100%, segundo o monitoramento feito pelo Amazônia Real, Agência Eco Nordeste, #Colabora, Portal Catarinas e Ponte Jornalismo.
Neste contexto, é importante lembrar que no Brasil vigora a Lei Maria da Penha, voltada para a proteção e justiça de mulheres que sofrem violência doméstica. A lei, que só entrou em vigor em 2006, é considerada bem abrangente em termos legislativos, ainda que haja problemas em sua execução.
Se você ou alguma conhecida está passando por essa situação, saiba que a Lei Maria da Penha torna obrigatória a instauração de um inquérito quando uma denúncia de violência doméstica é recebida, que a polícia também deve oferecer encaminhamento médico à mulher, se necessário, e requerer ao judiciário medidas protetivas e de prisão preventiva. Além disso, a vítima só poderá fazer uma retratação (ou seja, retirar a queixa) em uma audiência marcada com esse propósito e, mesmo assim, os magistrados avaliarão se ela corre algum risco, antes de decidir pelo arquivamento do processo. Isso acontece porque a violência doméstica é entendida como um ciclo que engloba a etapa de tensão, que é a fase dos insultos e ameaças; a fase de explosão, quando a violência acontece; o distanciamento, etapa em que a mulher pode procurar ajuda; e a reconciliação, quando o agressor pede desculpas, age carinhosamente e, às vezes, convence a vítima de que a violência não se repetirá, levando-a a tentar retirar a queixa. Mas depois de um tempo de tranquilidade o ciclo sempre recomeça e, segundo uma pesquisa feita com mulheres de Belo Horizonte, o tempo entre as agressões diminui a cada ciclo.
Saber como funciona o ciclo é muito importante para reconhecer quando se está presa a ele, mas, se a agressão física não se concretizar, qualquer outra forma de violência pode ser denunciada, pois, segundo a Lei Maria da Penha, é considerada violência doméstica contra a mulher, qualquer violência física, psicológica, verbal, sexual, moral ou patrimonial contra qualquer mulher, independente de sua orientação sexual, raça, credo ou classe social, cometida por alguém de seu círculo familiar e afetivo.
Por isso, em qualquer fase do ciclo ou sofrendo qualquer uma das violências citadas acima, denuncie ligando para o número 180 ou se dirigindo à Delegacia da Mulher do seu estado. Se não existe a possibilidade de telefonar ou visitar uma delegacia, a partir deste ano as farmácias começaram a receber denúncias, basta desenhar um “x” vermelho na sua mão e mostrar ao farmacêutico e a polícia será imediatamente acionada.
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