A Prisão da Alma

Quando uma fotografia expressa a simbologia do condicionamento feminino às grades da coerção patriarcal.

Quando uma fotografia expressa a simbologia do condicionamento feminino às grades da coerção patriarcal.

Lola Álvarez Bravo foi um dos grandes nomes da fotografia mexicana do século XX, sendo a primeira mulher a sair pelas ruas com uma câmera, capturando momentos importantes da pós-revolução mexicana e evidenciando questões sociais que marcaram sua trajetória. Entretanto, também é possível notar em algumas de suas fotografias, janelas para sua própria realidade onde o machismo se manifesta em suas mais diferentes versões.

Imagem, em preto e branco, mostrando uma mulher apoiada na janela, olhando seu exterior.
Lola Álvarez Bravo

Um desses casos é a fotografia “Em Sua Própria Cela”. Seguindo sua estética marcada pelo P&B, a imagem evidencia o busto de uma mulher escorado em uma janela alta. Seu olhar distante pode ser interpretado como uma fuga subliminar do espaço geográfico que ocupa, marcado pela sobreposição de sombras que remetem às grades de uma prisão. Datada em um México de 1950, o ato de ser mulher cabia apenas dentro das suas próprias casas construídas sob uma sociedade patriarcal. 

Todavia, essa fotografia é capaz de carregar uma interpretação que, assim como eu vejo, poderia ser vista por outras mulheres em diferentes lugares do mundo. Tenho para mim que tornar-se mulher é universal. Compreende tantos significados compartilhados que tornam-se incalculáveis. Entre eles, o aprisionamento a partir de um patriarcado que, além de condicionar o corpo, também condiciona a alma.

Se partimos para o sociólogo Michel Foucault, o ser humano pode ser compreendido como “corpo” e “alma”, sendo esta não uma representação divina, mas o resultado dos poderes (sociais, econômicos, políticos e culturais) que estão ligados intrinsecamente ao corpo. Portanto, para ele: “a alma, prisão do corpo” (1975) ou seja, aquilo que interfere na “alma”, no inconsciente do ser humano é aquilo que condiciona também o corpo, sendo impossível modificar as estruturas de um homem ou uma mulher com ações apenas físicas. 

Dentro do patriarcado vigente em grande parte do mundo, percebo que esse modelo de coerção social contra as mulheres atinge seu objetivo de interferir na alma. Seus métodos não se limitam a violências físicas, mas também a violências verbais, econômicas e principalmente estruturais. A partir da fotografia analisada, compreendo aquelas referências às grades como o aprisionamento do próprio inconsciente feminino. Junto a isso, a representação da janela aberta apenas enfatiza que, mesmo livre para sair daquele local, as sombras das grades que aprisionam sua mente também aprisionam o seu corpo.

Ser mulher não está condicionado apenas pelas violências sofridas historicamente, mas para entender sua existência e a partir disso lutar, é necessário entender o machismo estrutural. A partir disso, chego a uma das conclusões possíveis de que, a fim de subverter esses discursos coercivos, é necessário revolucionar a alma. É necessário se desintoxicar de compreensões que aprisionam a mente. Assim, teremos  a liberdade do corpo.

O sufrágio feminino surge do inconsciente individual para atingir o consciente coletivo. Ir contra o patriarcado que violenta não apenas mulheres, mas toda a humanidade, é o caminho para isso. A mulher fotografada por Lola, apesar de estar situada por trás das grades da alma, tem um olhar de viajante. Esses olhos utópicos miram a liberdade que tem sido conquistada as passos curtos e importantes pelos movimentos feministas. 

Links, Referências e Créditos

  • FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 12ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.

Como citar este artigo

GANDRA, Nikolle. A Prisão da Alma. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/a-prisao-da-alma/>. Publicado em: 18 de maio de 2023. Acessado em: [informar data].

Lola Álvarez Bravo

Fotógrafa mexicana que retrata o cotidiano do povo mexicano

Lola Álvarez Bravo nasceu em Jalisco, estado mexicano , no ano de 1907. Seu trabalho fotográfico ficou conhecido por retratar o cotidiano das pessoas que ali viviam, principalmente das mulheres em ambientes urbanos e rurais.

A fotografia mostra a pintora Frida Kahlo com um vestido longo e sua imagem refletida em um espelho. Há a presença de dois cachorros perto dela. Um deles está cheirando as pernas de Frida e o outro, o chão.
Lola Álvarez Bravo

Em 1916, Lola  se mudou para a Cidade do México, local que foi extremamente importante para a sua formação fotográfica, além de ser o lugar onde ela se casou com o seu parceiro de profissão, Manuel Álvarez Bravo, em 1924. Reconhecida como uma figura central na fotografia mexicana, Lola iniciou sua carreira como fotógrafa em meados da década de 1930, colaborando na revista El Maestro Rural.

Ela trabalhou em mais de um nicho fotográfico – o fotojornalismo, o retrato profissional, a fotografia comercial e a documental -, além de ter sido artista plástica. Lola retratou, por meio de imagens documentais, a vida cotidiana nas ruas das cidades mexicanas. Ela também tirou fotos de sua amiga, Frida Kahlo, na década de 1940.  Em 1951, Lola assumiu a direção de Fotografia do Instituto Nacional de Belas Artes e abriu uma galeria de arte, onde divulgou a obra de Frida Kahlo na Cidade do México, além de mostrar várias fotografias de sua autoria.

A fotografia mostra três lances de escada que formam linhas diagonais. Em cada lance há um homem de terno, totalizando três figuras.  Além disso, podemos perceber a silhueta da fotógrafa, pois sua sombra aparece na foto.
Lola Álvarez Bravo
A fotografia mostra uma menina, com duas tranças no cabelo, que parece estar vestida com uma blusa ou um vestido de mangas longas e colares no pescoço. Ela também segura um cobertor estampado contra o seu corpo.
Lola Álvarez Bravo
A fotografia mostra a artista Frida Kahlo sentada, com os braços apoiados em suas pernas e uma de suas mãos serve de apoio para a sua cabeça. Ela está vestida com um vestido longo e com brincos nas orelhas e anéis nos dedos.
Lola Álvarez Bravo
A fotografia mostra uma criança, vestida com uma blusa de mangas curtas e um macacão comprido. Ela está deitada, com os olhos fechados, em uma espécie de lona que está no chão e ao redor dela está cheio de pares de sapatos.
Lola Álvarez Bravo
A fotografia mostra uma mulher nua. Sua pele brilha devido à iluminação, ela  está sentada e apoiada na parede. Uma de suas mãos serve de apoio para sua cabeça e seus olhos estão fechados.
Lola Álvarez Bravo

#galeria é uma coluna de caráter informativo. Trata-se de uma série de postagens que apresenta um recorte da obra de uma fotógrafa ou fotógrafo de relevância artística, cultural, histórica, política ou social, acompanhadas por uma breve biografia sua. Quer conhecer outras postagens desta coluna? É só seguir este link.

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Como citar essa postagem

HELENA, Beatriz. Lola Álvarez Bravo. Cultura Fotográfica.Disponível em: https://culturafotografica.com.br/lola-alvarez-bravo/. Acessado em: [informar data].

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