A Representação do Movimento: recortando espaço e tempo

Nosso movimento é constante e mesmo parados, nossa respiração é um movimento. Entender como representá-lo nas suas fotografias é fundamental.

Nosso movimento é constante e mesmo parados, nossa respiração é um movimento. Entender como representá-lo nas suas fotografias é fundamental.

Cenário de uma cachoeira, com uma pedra se destacando no meio e a corrente da água a atravessando. A pedra está congelada, mas o movimento da água está borrado na imagem.
A. f/14, V. 1/13 s, I. 800 | Gustavo Batista

Há um interessante paradoxo da fotografia que na maioria do tempo não percebemos. Mesmo que uma foto seja um recorte estático da realidade, ainda há movimento presente nela: apenas manipulamos como queremos que ele se apresente. Não se engane, pois mesmo quando estamos parados fotografando, nossa respiração e movimento dos músculos ainda são um movimento sutil, mas muito capaz de tremer nossa fotografia quando não firmarmos a mão. Mas existe um certo ou errado? Quais fatores levamos em conta quando escolhemos como esse movimento aparece? As possibilidades vão até mesmo além do que imaginamos.

Borrado e Congelado: Os tipos de movimento na fotografia

Se imagine fotografando em um festival de dança, câmera no pescoço e os mais variados estilos se apresentando. Existem diferentes possibilidades ao seu dispor para captar cada apresentação, tudo variando de acordo com seu desejo e visão como fotógrafo. Talvez queira deslumbrantes poses de balé congeladas e estáticas, destacando firmeza. Talvez queira vestidos de dança de ventre borrados para sensação de fluidez. Independente das escolhas tomadas, há um agente por trás: a velocidade do obturador.

Através da velocidade do obturador, também conhecida como tempo de exposição, é possível variar o movimento entre dois estados: congelado e borrado. Em termos técnicos, essa alteração refere-se ao tempo que o obturador levará para abrir e fechar, assim controlando a entrada de luz. Uma velocidade de obturador mais alta vai captar movimentos de forma congelada, enquanto uma baixa vai captar borrados.

Estaca de madeira fincada em uma rua, segurando dois varais com várias bandeiras LGBTQIA + enfileiradas. Elas balançam com o vento, apresentadas congeladas na imagem.
A. f/7.1, V. 1/2000 s, I. 200 | Gustavo Batista

Vejamos os casos. O movimento congelado demanda que o obturador seja mais rápido que o objeto. Isso já deve ser visível de 1/250 para cima dependendo da sua câmera, mas ele pode variar. Na imagem acima, havia uma intencionalidade quanto a como as bandeiras deveriam se apresentar: congeladas, destacando a presença do vento mas sem comprometer o conteúdo presente nessas. Para isso, foi usada a velocidade de 1/2000 para que o efeito fosse realizado e a imagem se mantivesse nítida.

Uma mão segura um telefone celular, rolando a galeria rapidamente. A tela do celular está borrada e a mão segurando congelada.
A. f/3.9, V. 1/15 s, I. 200 | Gustavo Batista

O movimento borrado é consequência de um maior tempo de exposição, resultando em um rastro no objeto em movimento. Isso exige uma velocidade mais baixa. A imagem do exemplo acima usa de uma velocidade 1/15 para apresentar um cenário onde é possível ver um celular e uma mão deslizando a tela, rolando pela galeria de imagens. Devido ao tempo de exposição alto, o efeito gerado da tela borrada causa uma sensação de movimento, captando melhor a ideia do deslize rápido na tela. 

Uma moto atravessa em meio a rua com uma mulher dirigindo. A rua está borrada e a mulher no centro congelada.
A. f/13, V. 1/15 s, I. 100 | Gustavo Batista

Panning parece complicado, eu sei, mas o segredo está em “brincar com a física”. Panning vem de panorâmica e sua aplicação consiste em um tempo de exposição mais longo, porém acompanhando o objeto com sua câmera. Isso eliminará o movimento do objeto de interesse, o deixará estático e borrará o resto na direção que a câmera foi movida. No exemplo acima, o objeto de interesse consiste na moto passando. Perceba que como na imagem anterior, a presença do borrado corrobora para a sensação de movimento.

Não existe certo ou errado, apenas a sua intenção

Captar o movimento na fotografia é composto de duas possibilidades que parecem básicas: ou você congela ou você borra. É um processo subjetivo que depende de você, pois não há certo ou errado. A real diferença está na intenção e no resultado final, afinal, fotos borradas e fotos congeladas causam diferentes percepções. Para isso, o primeiro passo é sempre saber qual sua intenção e quais possibilidades você tem a seu dispor. Não entender isso pode criar um ciclo de constante insatisfação nas suas fotos e não há nada pior que sentar para rever as tiradas no dia e se decepcionar.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS NA PRODUÇÃO DESTE CONTEÚDO

HEDGECOE, John. O novo manual de fotografia: guia completo para todos os formatos/John Hedgecoe; tradução de Assef Nagib Kfouri e Alexandre Roberto de Carvalho – São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005. p 93-103

ENTLER, Ronaldo A fotografia e as representações do tempo Galáxia, núm. 14, 2007, pp. 29-46 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo, Brasil.

COMO CITAR ESTE CONTEÚDO

Enquadramento

O enquadramento de uma fotografia é fundamental para a construção de seu sentido. Ele depende do espaço, do tempo e do intuito da fotografia.

O enquadramento de uma fotografia é fundamental para a construção de seu sentido. Ele depende do espaço, do tempo e do intuito da fotografia.

Em um parquinho infantil de uma praça, na lateral de um brinquedo há um jogo da velha com peças interativas em verde, roxas e vermelho. Quando o X está virado para a frente, a peça está sem alterações, mas caso seja o círculo, rostos com diversas emoções estão desenhados, como emojis. Na disposição em que a fotografia foi tirada, aparece um rosto feliz, um mandando beijo e com chifres, um bravo e um chateado.
A. f/8, V. 1/160s, I. 400 | Lívia Gariglio

Como escolher sobre o que fotografar em um espaço? Essa é uma dúvida bastante frequente entre os fotógrafos. A decisão de algo aparecer ou não, e até mesmo a forma como aparece impacta na leitura da fotografia. Dessa forma, ao usar o enquadramento intencionalmente é possível criar uma narrativa interessante ou mudar o significado da imagem. Mas, como essas escolhas são feitas? E quais são os fatores que influenciam? Neste capítulo, iremos nos aprofundar nessa temática.

Como o tempo e o espaço afetam o enquadramento?

Em cima de uma mesa de madeira, existem dois ambientes diferentes: um espaço limpo e vazio, com um abajur de luz vermelha o iluminando e um espaço que é iluminado de azul e entulhado com diversos objetos, como garrafa d’água, carregador, blusa, bolsas, pincéis, moedas, entre outros. Existe um contraste visual entre os dois lados.
A. f/5, V. 1/60 s, I. 800 | Lívia Gariglio

Imagine que você resolva fotografar a sua sombra quando está andando pela rua. O seu corpo não deixa de existir por você fotografar apenas a sua sombra, não é mesmo? Isso mostra que existem elementos de um espaço que nem sempre vão aparecer no enquadramento da fotografia, ou seja, no visor da câmera. O que aparece no visor é o campo de visão e, aquilo que não aparece no visor é o extracampo, ou fora de campo.

Isso significa que podemos mostrar ou não mostrar algo. Por exemplo, é possível tirar uma foto em que um quarto parece arrumado, mas na realidade apenas aquele fragmento está organizado e o restante, está extremamente caótico. Isso seria um exemplo de mostrar ou não-mostrar algo, escolhendo aquilo que está em campo e fora de campo. Ou seja, mostrar algo é incluir no campo e não mostrar é tirar do campo.

Mas, e se eu tiver algo no campo, mas que eu não quero que apareça? Nesse caso, não o evidencio. Existem algumas formas de se evidenciar ou não algo que está em campo. Vamos pensar em uma mancha na parede, por exemplo. Nessa situação, poderíamos desfocar o fundo ou  posicionar outro objeto que esteja no campo para ficar a sua frente. Assim, estaríamos evidenciando esse objeto, não a mancha.

Desse modo, estamos escolhendo recortes tanto ao mostrar ou não mostrar  (escolher o que entra em campo e o que fica fora dele), quanto ao evidenciar ou não evidenciar (definir a forma como algo aparece no campo).  Esses recortes podem ser de espaço ou de tempo. Todos os exemplos citados até agora foram de espaço, ou seja, escolha de como abordar o lugar onde a fotografia está sendo tirada. Entretanto, a fotografia também depende do fator tempo para acontecer.

Um abajur com estampa clara e sustentação de metal escuro está na frente de uma parede branca que contém uma mancha alaranjada.
A. f/3.5, V. 1/30 s, I. 100 | Lívia Gariglio

Segundo Maurício Lissovsky (2008), a fotografia é uma máquina de esperar, ou seja, é como se tivéssemos que nos visualizar como uma espécie de videntes. Se você quer tirar uma foto de alguém sorrindo espontaneamente, você imagina que acontecerá alguma ação que vai gerar esse sorriso. E só depois disso, irá tirar a fotografia. Mas, e se isso não acontecer? São situações que nem sempre se concretizam e o recorte de tempo impacta diretamente no resultado de uma fotografia.

Pessoas sentadas e em pé aguardando em um ponto de ônibus. Carros estão parados na rua, no trânsito. Atrás, estão casas e o céu, que está azul com nuvens rosas, indicando o fim da tarde.
A. f/4.5, V. 1/125 s, I. 1600| Lívia Gariglio

Para ilustrar isso, decidi tirar uma foto de um ponto de ônibus em horário de pico. Dei preferência aos bairros que eu frequento por morar perto e, portanto, achei que teria mais facilidade. No entanto, eu estava completamente enganada. No primeiro dia, começou a chover e voltei para casa antes de conseguir fotografar. No segundo, cheguei por volta de 16h40min, para conseguir capturar o movimento que começa a partir das 17h. Entretanto, no local escolhido, as pessoas estavam esperando o transporte público na praça que fica atrás e não exatamente no ponto. Então, fui para a  rua de cima, porém, cheguei exatamente no momento em que dois ônibus estavam passando e, assim, o ponto ficou bem mais vazio. Esperei uns 20 minutos e não estava circulando tanta gente, por isso me desloquei para um ponto que ficava mais para a frente. E, nesse momento, percebi que o meu maior obstáculo consistia em fotografar do outro lado da rua, mesmo com o grande trânsito de carros e caminhões. A fotografia acima foi o resultado, depois de diversas tentativas.

Além disso, o mesmo espaço, em horários diferentes, pode proporcionar uma sensação e uma interpretação completamente diferentes. Isso pode acontecer por causa da iluminação, das ações que ocorrem, entre outros. Uma praça, durante o dia pode passar a sensação de vivacidade, movimento e jovialidade e de noite, pode parecer deserta, triste e decadente.

O enquadramento é estético, ético e político

Essa escolha de recortes espaciais e temporais são feitos com base em três critérios: estético, ético, e político. Quando a intenção é provocar alguma sensação ou experiência, o critério é estético. Já se o foco é, por exemplo, não mostrar o rosto de uma criança em vulnerabilidade, o recorte é feito com propósito ético, e se for relacionado com expor uma realidade, um conteúdo crítico ou opiniões e posicionamentos, o recorte é político.

Dessa forma, o enquadramento é utilizar o campo e o extracampo para construir uma narrativa por meio do tempo e do espaço, com base em intuitos estéticos, éticos e/ou políticos. Nenhuma fotografia é isenta de enquadramento, mas dominando essas formas de mostrar e esconder, de imaginar e esperar, é possível produzir fotografias ainda mais intencionais, criativas e únicas.

Referências consultadas na produção deste conteúdo

ENTLER, R. O corte fotográfico e a representação do tempo pela imagem fixa. Studium, Campinas, SP, n. 18, p. 30–42, 2019. DOI: 10.20396/studium.v0i18.11788. Disponível em: https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/studium/article/view/11788. Acesso em: 20 abr. 2023.

FLÁVIO VALLE. Enquadramento. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotograficaufop.blogspot.com/2016/09/glossariofotografico-enquadramento.html>. Publicado em: 16 set. 2016. Acessado em: 20 abr. 2023.

LISSOVSKY, Mauricio. A máquina de esperar: origem e estética da fotografia moderna. Rio de Janeiro: Maud X, 2008.

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