Mês: julho 2022

  • Até onde se pode ir para conseguir comer

    Até onde se pode ir para conseguir comer

    Fome é exposta durante a pandemia.

    Uma fotografia costuma ser capaz de dizer mais coisas que milhões de palavras e quando uma fotografia tem muito a dizer, há uma história por trás. É isso que a fotografia do Danilo Verpa, que busca retratar como a fome leva famílias a revirar lixo e buscar alimentos próximos do descarte, trazendo uma sensação constante de revolta, e um certo pavor, temendo que amanhã seja a nossa vez de não ter o que comer.  Conhecendo esse fato é preciso analisar como as políticas públicas deixaram a desejar no que tange a segurança alimentar.

    5 pessoas em volta de um lixeiro com resíduos,  algumas delas usam luvas,  estão com as mãos dentro da lixeira, aparentemente estão revirando em busca de algo para comer.
    Danilo Verpa

     

    A fotografia do Danilo Verpa permite observar 5 pessoas, em volta de um lixeiro, no que entende – se por ambiente urbano, pela composição das ruas, e carros, uma das mulheres coleta algo que aparenta ser uma fruta, a luz ambiente é característica do dia isso no que se refere aos elementos observáveis mais técnicos, com significação formal, pode – se destacar que a fotografia está na horizontal, no plano médio, sob ponto de vista superior e a expressão de movimento congelada.

    Mas para além dos elementos visíveis, o contexto no qual a foto foi tirada significa muito, ver essa fotografia causa revolta e certa repulsa a pensar que provavelmente o alimento de algumas pessoas vem dos restos de outras pessoas. Conhecendo o contexto da fotografia, o sentimento de revolta fica ainda mais evidente, a foto foi tirada no 23 de outubro de 2021 no contexto pandêmico a situação do Brasil no que tange a fome se tornou ainda mais agravante.

    Já quanto à significação cultural é preciso considerar que a saída do Brasil do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2014 foi um marco mundialmente reconhecido no caminho à promoção do direito humano à alimentação adequada e saudável. Durante a pandemia de COVID – 19, o Brasil retornou para o mapa da fome. Os dados são da pesquisa “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil”, elaborada pela Rede Penssan e mostram que o Brasil retrocedeu 15 anos em cinco, voltando a ter a fome como problema estrutural.

    Urge no Brasil uma ação mais incisiva para garantir a segurança alimentar para a população. O brasileiro sente o descaso na pele. São 19 milhões de brasileiros passando fome no nível mais grave, cerca de 9% da população. Não basta se revoltar, é preciso agir, o que pode ser feito para que as necessidades associadas ao sentimento de revolta é cobrar uma ação dos órgãos públicos, exigir do ministério da economia investimentos em projetos para assegurar a alimentação do brasileiro.

    A prerrogativa de segurança alimentar é uma questão tão forte quanto a de 15 anos atrás, isso causa revolta, mas é função do fotojornalismo retratar isso, evidenciar questões que afetam a população vulnerável. Portanto, a fotografia analisada exige sensibilidade de compreender que além de entender o problema é preciso buscar soluções que viabilizem a segurança alimentar da população brasileira.

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    Sobre a autora

    Maria Eduarda Gomes é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

  • Bandeira LGBTQIA+

    Bandeira LGBTQIA+

    A importância das simbologias

    Na imagem abaixo podemos ver uma bandeira sendo tremulada de uma varanda cheia de pessoas. A foto, tirada de um ângulo baixo em comparação à varanda, mostra parte do céu, desse modo as cores do fundo, de maioria cinza-azulado, acabam por contrastar com as cores vibrantes da bandeira representante do movimento LGBTQIA+ centralizada na foto.

    Descrição: A imagem retrata uma varanda na qual diversas pessoas se apoiam no parapeito, levemente descentralizada podemos ver uma bandeira LGBTQIA+ sendo agitada por alguém. Devido a fotografia foi tirada de um ângulo abaixo do nível da varanda vemos boa parte do céu nublado que, juntamente com a cor da varanda compõe uma imagem majoritariamente em tons azul claro e cinza.
    Sofia Santoro

    Foi em 25 de junho de 1978, Dia da Liberdade Gay nos Estados Unidos, que a bandeira gay, hoje símbolo da comunidade LGBTQIA+, foi vista nas ruas pela primeira vez.

    A primeira versão, contendo 8 cores – rosa, vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta -, foi obra do artista e designer Gilbert Baker que buscava um símbolo que promovesse a ideia de diversidade e inclusão. Antes da década de 70, a comunidade gay utilizava um triângulo rosa como símbolo do movimento. A marca do triângulo rosa classificava homossexuais dentro dos campos de concentração no período da Alemanha Nazista.

    Nesse sentido, é nítida a rápida aceitação e adesão da bandeira ao movimento, pois ela sugere uma história de representação e orgulho, pensada para incluir e não segregar. Um símbolo proposto com respeito e admiração, além de projetado por um integrante da comunidade.

    Com o tempo, devido a dificuldade de se reproduzir a bandeira com tantas cores, as cores rosa e anil acabaram por serem retiradas da bandeira, mas esta ainda carrega o caráter de representação e respeito merecidos pela comunidade LGBTQIA+.

    Pessoalmente, esta imagem me chama a atenção de diversas formas, tanto o contraste entre as cores da bandeira em relação ao fundo acinzentado, como o contraste de movimento. Se olharmos bem a imagem, percebemos que as pessoas apoiadas no parapeito parecem estar apertadas, sem muito espaço para se movimentar. Entretanto, a mão sem dono que tremula a bandeira parece ter todo o espaço necessário para tal movimentação.

    Muitos não percebem a importância de bandeiras para movimentos político-sociais, mas o peso carregado pela simbologia e a rápida ligação feita entre esta e o movimento em si é de extrema relevância. As associações feitas são parte do movimento e é dessa forma que a bandeira acaba por se tornar um símbolo de liberdade amorosa, de respeito e aceitação.

    É preciso valorizar e enaltecer nossas simbologias.

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

    Links, Referências e Créditos

    Como citar este artigo

    COUTO, Sarah. Bandeira LGBTQIA+. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/bandeira-lgbtqia/>. Publicado em: 27/07/2022. Acessado em: [informar data].

  • Orlando Brito

    Orlando Brito

    Fotógrafo que documentou o passado ditatorial brasileiro.

     
    Orlando Brito é um artista visual nascido em Minas Gerais, em 1950. Ele começou seus trabalhos na fotografia de modo autodidata, iniciando na profissão em 1965, no jornal Última Hora de Brasília. Entre seus objetos de estudo, o fotógrafo abordava temas como política, economia e questões sociais, como a vida urbana e do interior, além de retratar os indígenas. 

    Fotógrafo Orlando Brito segurando uma câmera na frente de um dos olhos, ele se encontra na vertical na frente de um fundo branco. Seus cabelos são grisalhos e ele veste uma roupa azul.
    Orlando Brito

    Orlando Brito iniciou seus trabalhos durante os primeiros momentos da ditadura, onde retratou importantes momentos da história brasileira, acompanhando as personalidades políticas e fotografando os bastidores do Palácio do Planalto. Ele retratava os presidentes em situações não protocolares, em momentos de distração, em que era possível ver o indivíduo longe de sua personagem pública. Seus retratos mostram, de forma alegórica, as relações políticas e sociais no Brasil, tornando-se comentários críticos. Brito trabalhou em importantes veículos como o jornal O Globo e na revista Veja, onde publicou um total de 113 fotografias de capa. Em 1979, o fotógrafo ganhou o prêmio World Press, concedido pelo Museu Van Gogh, na Holanda, e recebeu o Prêmio Abril de Fotografia por onze vezes, além de outros prêmios.

    Imagem de uma  passeata, no meio da rua se encontra um homem que posa em cima de um carro e acena para as pessoas em volta, no carro há também três militares. Ao redor do carro, uma multidão se reúne para ver o homem passar.  O primeiro plano da fotografia contem um homem com trajes militares de costa, ele parece olhar em direção ao carro.
    Orlando Brito

    Militares se reúnem em fileira, enquanto um homem de terno acompanhado de mais dois militares passam. Um coturno preenche o primeiro plano da fotografia.
    Orlando Brito

    Cinco silhuetas de homens fardados, no escuro, um deles segura um rádio comunicador. Ao fundo o Congresso Nacional iluminado.
    Orlando Brito

    Militares fardados, em fileira, aparentemente recitando algo. No meio deles há um homem com terno que também parece declamar.
    Orlando Brito

    #galeria é uma coluna de caráter informativo, com periodicidade semanal. É publicada toda terça-feira pela manhã. Trata-se de uma série de postagens que apresenta um recorte da obra de uma fotógrafa ou fotógrafo de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica, acompanhadas por uma breve biografia sua. Quer conhecer melhor a coluna #galeria? É só seguir este link.

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  • A cor da morte é preta

    A cor da morte é preta

    Do pardo ao preto, da marginalização ao genocídio, o negro.

    No Brasil a cor da morte é preta e a violência segue essa paleta de cor à risca, que define o critério de morte ou vida, de negar ou permitir, de ser bom ou mau de clarear ou denegrir.

    Manifestantes durante o ato Vidas Negras Importam, ocupam ruas na Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. Em primeiro plano há uma mulher com um megafone em sua mão direita que parece gritar, ela mantém sua máscara de proteção abaixo do queixo para falar ao aparelho. Ao fundo vemos um grupo de pessoas em sua maioria identificável, mulheres negras que utilizam máscaras de proteção, segurando cartazes com frases, nomes, idades, e fotos, podemos identificar completamente os dizeres de pelo menos um cartaz que traz a frase: "Felipe Santos 18 anos ???” e uma foto de um menino negro abaixo. Em relação a outros cartazes, podemos deduzir que estão escritas as frases “Paulo Gabriel 6 anos” “Paulo Amaral 8 anos violência Policial” e “No brasil um jovem preto é assassinado a cada 23 minutos”. No plano ao fundo, pode-se ver construções, casas e prédios, uma fiação de rede elétrica em uma altura baixa, e algumas árvores.
    Bruno Santos/Folhapress

    O autor da imagem é o fotógrafo Bruno Santos, e a fotografia ilustra uma matéria publicada pela Folha de São Paulo com o título “Parem de matar nossos filhos”. A fotografia mostra manifestantes carregando cartazes, com nomes de jovens mortos em ações policiais durante o ato “Vidas Negras Importam”.   

    A foto, tirada no ano de 2020, na cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, me traz a impressão de que poderia ter sido tirada esse ano, ou nos próximos, em qualquer cidade do Brasil. Pois ela retrata a reivindicação de respostas ao genocídio de pessoas pretas, que são assassinadas a cada 23 minutos em todo país, e na maioria esmagadora dos casos, são acontecimentos invisibilizados e esquecidos.

    Os cartazes presentes na imagem, apesar de estarem em segundo plano, são os primeiros a chamarem minha atenção. Por se tratarem de códigos linguísticos, eles nos convidam a lê-los. Os cartazes estampam frases, nomes, números, e dores. Estampam vidas perdidas e desaparecidas. Estampam a morte e reivindicam respostas sobre ela, trazem voz ao silêncio mantido sobre essas mortes, e transformam o medo em revolta. Escrevem, em cima do apagamento desses assassinatos, “reivindicação”.

    O grupo de manifestantes composto majoritariamente de mulheres negras, que seguram os cartazes, é o segundo ponto da imagem que meus olhos percorrem. Essas pessoas trazem semblantes pesados e de sofrimento e demonstram que além da pele de quem morre ser preta, a dor acima de tudo, quem sente são corpos pretos. Esses indivíduos reivindicam o direito à vida de pessoas negras, sua importância e acima de tudo sua dignidade. 

    A mulher que ganha destaque no primeiro plano da fotografia, é a próxima parada da minha observação. Ao falar em um megafone ela traz em seu rosto uma expressão carregada de força e dor. A imagem grita, ainda que sem qualquer som, a dor que o povo preto sente e tem que transformar em força. Grita como essas mulheres, e acima de tudo essas mães que perderam seus filhos, tem que lutar por eles para reivindicar a vida, ainda que na morte. E ter esperança para transformar todo seu sofrimento, nessa luta.

    Toda a cena presente na fotografia me tira o ar e o chão, me imprime cansaço e desespero, me traz a dor de saber que o meu povo precisa lutar apenas pelo direito de viver. Esses jovens assassinados tem uma pele como a minha, que carrega tanto significado, tanta vida, tanta gente, que me carrega também. Ao ver essa imagem, ela me fere. Mas como mulher negra, essa imagem também me traz força, a força que é necessária mesmo na dor e especialmente nela. A força para lutar, para que mais mães não percam seus filhos pretos, para que mais negros não tenham suas vidas roubadas. Que possamos ter essa força para reivindicar nossos direitos.

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    Sobre a autora

    Isadora Lúcia de Souza Silva é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

  • Movimento Vidas Negras Importam

    Movimento Vidas Negras Importam

    A revolta que une manifestantes no isolamento social.

    A imagem de autoria de Bruno Santos foi publicada no dia 4 de julho de 2021 no jornal Folha de São Paulo com a legenda: “Manifestantes carregam cartazes com nomes de jovens mortos em ações policiais, durante o Ato Vidas Negras Importam, em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo”. O título da matéria: ‘Parem de matar nossos filhos’.

    Manifestantes erguendo cartazes com os nomes de jovens negros assassinados. Os manifestantes usam máscaras e uma delas parece gritar ao megafone.
    Bruno Santos

    O protesto organizado por 15 coletivos do movimento negro e frentes populares da periferia de São Paulo teve como objetivo obter respostas para a morte de cinco jovens assassinados pela polícia militar. Além disso, o grupo reivindicava o acesso à saúde na zona leste da capital durante a pandemia.

    A fotografia de Bruno Santos acredito que atrai o olhar e nos toca de duas formas. Primeiro, mais superficialmente, por ser uma foto muito bem tirada que gravou o momento exato do grito da mulher à direita e, também, pela posição do fotógrafo que se colocou contra o sol forte. Os manifestantes ao fundo tem os olhos semicerrados devido a forte luz solar, incrementando a fisionomia que expressa não apenas raiva, como tristeza e frustração, além de diversas outras emoções provocadas na manifestação.

    Numa segunda análise, mais aprofundada, por tratar de um assunto recorrente e desumano, a imagem nos faz repensar os privilégios da parcela branca rica da população e a consequente morte da metade negra e periférica, impulsionadas unicamente pelo racismo estrutural arraigado na sociedade brasileira.

    Pensar que em meio a uma pandemia pessoas tiveram de sair de suas casas para defender o direito a vida de seus filhos e cobrar respostas pela morte precoce deles pelas mãos do próprio Estado que, supostamente deveria proteger seus cidadãos, é no mínimo revoltante, motivo não apenas para questionar mas derrubar as estruturas de privilégio existentes.

    O movimento Vidas Negra Importam teve início nos Estados Unidos e se espalhou por diversos países e continentes. Entretanto, nenhum deles possui uma realidade de extermínio da população negra como o Brasil e os Estados Unidos. Ambos antigas colônias repletas de escravizados, os dois países em muito se assemelham quando o assunto é a luta racial. Ambos ainda têm muito o que reivindicar.

    Todavia, por mais que em muito se assemelham, a história e vivência da população negra estadunidense e brasileira não são idênticas. Cada sociedade possui dificuldades próprias e é preciso que o povo brasileiro perceba e lute a partir disto, se não acabará por importar questões que não inteiramente cabem em nossa vivência e, inevitavelmente, acabará deixando de lado problemas intrínsecos a nossa realidade.

    É preciso que o Brasil branco se informe e atue juntamente com a população negra contra as máquinas racistas do Estado. Como disse a ativista estadunidense Angela Davis: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista é necessário ser antirracista”.

    A pandemia se amenizou, mas o racismo a cada dia descobre novas formas de alcançar e dominar as estruturas de poder. É preciso ir às ruas, é preciso ir à luta.

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

    Como citar este artigo

    Couto, Sarah. Movimento Vidas Negras Importam. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em: <https://culturafotografica.com.br/movimento-vidas-negras-importam/>. Publicado em: 22/07/2022. Acessado em: [informar a data]. 

  • Entrevista com Sandra Barrilaro. “A fotografia é uma ferramenta fundamental para o ativismo”

    Entrevista com Sandra Barrilaro. “A fotografia é uma ferramenta fundamental para o ativismo”

    Artigo em periódico de Helena Gonçalo Ferreira publicado em Fotografia e Género

    CECS – Centro de estudos de Comunicação e Sociedade

    Conheci a Sandra Barrilaro em Santiago de Compostela, num evento em que falou da sua experiência como membro do grupo de ativistas Mulheres rumo a Gaza que desafiam o bloqueio de Israel a Gaza, para mostrar a sua solidariedade com a resistência das mulheres palestinas. Fascinou o público com o seu relato emocionante sobre a viagem simbólica de um dos veleiros que rumou a Gaza, em setembro do ano passado, com mulheres de várias nacionalidades. A conversa aqui reproduzida data de agosto de 2017. Sandra Barrilaro é uma fotógrafa espanhola que trabalhou no meio da imagem durante mais de trinta anos, leccionando cursos de fotografia e redigindo artigos para revistas da especialidade. É também editora e autora do livro infantil “Bajo las estrelas”  (2001). Realizou várias viagens à Palestina que serviram para alargar o amplo arquivo fotográfico que recolhe com fotos sobre este território e para realizar reportagens fotográficas. Como fruto destas viagens surgiu a série de fotografias a preto e branco com o título “Palestina, una mirada a la injusticia“, que já esteve em exposição em diferentes cidades de Espanha. É coautora do livro “Contra el olvido. Una memoria fotográfica de Palestina antes de la Nakba“, 1889-1948 (2015), obra fundamental para preservar a memória histórica da população palestina contra a propaganda de negação que persiste no movimento sionista. Assumindo ainda a função de editora nesta obra, prestou especial atenção ao papel que as mulheres palestinas tinham no século XIX e primeira metade do século XX, analisando a sua presença numa infinidade de fotografias da época. Este projeto coordenado pela Sandra Barrilaro, em conjunto com Teresa Aranguren, Johnny Mansour e Bichara Khader, com prólogo de Pedro Martínez Montávez, evidencia a existência de uma Palestina com sociedade, cultura e território que foi ocupada e usurpada pelos colonizadores. De facto, o povo palestiniano tem sido sujeito a um processo de colonização progressiva. No meio de toda essa opressão, em que uma sociedade inteira perde a sua identidade, os grupos mais vulneráveis como as mulheres e as crianças posicionam-se em contextos de grande risco. As mulheres palestinianas vivem em condições degradantes e lutam pela sobrevivência das suas comunidades frágeis, mas, ao mesmo tempo, colocam os seus conhecimentos e toda a força que lhes resta, ao serviço da libertação, dentro e fora do território ocupado por Israel.

     

    Autor(a/es/as)

    Helena Gonçalo Ferreira (C612-8825-BB2B)

    Local de publicação

    Fotografia e Género.

    Acesse a publicação completa em https://revistacomsoc.pt/article/view/1107.


    Esta publicação foi elaborada com base nas informações prestadas por Helena Gonçalo Ferreira , através do formulário Divulgue suas publicações!.

  • Os olhos que enxergam Clarice

    Os olhos que enxergam Clarice

    Queridíssima pelos brasileiros, Clarice Lispector sabia muito bem de sua incompreensão perante os olhos dos outros. Mas, não os de Claudia Andujar.

    Clarice sempre foi uma escritora incompreendida. Podem entender seus textos, mas a pessoa? Quase nunca. E esta é uma das características mais peculiares da “pernambucana”, como se declarava. Julgo que Claudia Andujar sabia disso quando a fotografou para uma reportagem em 1961 em sua casa, no Recife.

    Clarice Lispector sentada em seu sofá com uma máquina datilográfica em seu colo. Seus trajes são simples e graciosos, e o cenário de sua casa é arejado e transmite tranquilidade e silêncio.
    Claudia Andujar

     

    Esta foto me puxa para fora dela, causando o efeito oposto da maioria das fotografias. Mais do que olhar, essa fotografia me faz querer investigar Clarice; e não somente isto, mas olhar para Clarice através das lentes fica mais interessante se feito com os olhos de Claudia.

    Enxergo através desta fotografia, uma mulher que enxerga a outra. Não apenas como mulher, mas como indivíduos que compartilham perspectivas similares sobre a vida. Tanto Claudia quanto Clarice são imigrantes, tendo ambas deixado a Europa, se estabelecido no Brasil e se naturalizado brasileiras. Ambas são lembradas até hoje por conta de seu trabalho realizado, predominantemente, em solo brasileiro. O que é pertinente, já que esta foto exibe justamente o trabalho das duas: a fotografia e a escrita.

    Mas eis o questionamento: Como enxergar a escritora de forma mais íntima que através das lentes de Andujar? Ou, ainda, como entender Clarice Lispector melhor do que enxergando pelos olhos de Claudia Andujar? É possível?

    Ali, sentada no sofá, tranquila e elegante, Clarice tece palavras. Seus olhos semicerrados defrontam o datilógrafo. Seus dedos esguios gentilmente tocam os botões, adicionando vida a seus textos. A foto me transmite a sensação de que há uma oposição entre a profundidade do que está sendo escrito por ela naquele momento e a  leveza de seu suspiro, eternizado por Andujar.

    Para todos os lados está a casa de Clarice, e no centro seu corpo se faz presente. Ela apoia a máquina datilográfica de forma quase espiritual em seu colo, como se estivesse em completo transe; em êxtase; e nada ao redor parece importar ou estar preenchido de significado quando se está ao lado dela. A única exceção para isso parece ser Claudia Andujar, capaz de enxergá-la e nos fazer enxergar a escritora daquela forma.

    Particularmente, dentre todas as coisas que Claudia me faz enxergar em Clarice, digo que a solitude é a mais vibrante delas. Clarice está fisicamente ali, mas se faz realmente presente nos limites de sua mente. Ela articula, inspira e transpira poesia, e faz isso isolada e indiscretamente discreta; sem a necessidade de companhia, exceto de alguém tão semelhante a ela mesma.

    Ocupando cerca de ¼ da fotografia, aquela delicada e caprichosa escritora transmite, para muito além de seu corpo, tudo o que é. Dela emana uma aura eternizada na fotografia de Andujar que talvez não fosse propriamente capturada se, por acaso, fosse outra pessoa atrás daquelas lentes.

    Se, caso outra pessoa estivesse ali, iria enxergá-la tal como é? Ou apenas veria Clarice? Talvez, não sendo Cláudia, com seu olhar igualmente delicado e elegante, não conseguisse perceber que entender Clarice “não é uma questão de inteligência, e sim de sentir…”. Ou captura, ou não captura.

    #leitura é uma coluna de caráter crítico, com periodicidade semanal. É publicada toda quinta-feira pela manhã. Trata-se de uma série de críticas de imagens fotográficas de relevância artística, cultural, estética, histórica, política, social ou técnica. Nela, a autora ou o autor da postagem compartilha com os leitores a sua leitura acerca da obra abordada. Quer conhecer melhor a coluna #leitura? É só seguir este link.

  • Nan Goldin

    Nan Goldin

    A fotografia como forma de abordar temas socialmente negligenciados.

    Nascida em Washington DC em setembro de 1953, Nan Goldin cresceu numa família judia de classe média-alta em Boston. Com apenas 11 anos, enfrentou o luto devido ao suícidio de sua irmã mais velha. Próximo aos 16 anos, foi introduzida ao mundo da fotografia ao ganhar sua primeira câmera fotográfica.

    Em suas imagens, há uma espécie de composição quase orgânica, elas retratam momentos íntimos e ‘naturais’, sem muito preparo ou interferência da fotógrafa na cena. Goldin evidencia em suas fotos temas como o sexo, drogas e as comunidades gay, trans e travesti do final do séc XX.

    Seu trabalho mais conhecido, “The Ballad of Sexual Dependency” – A Balada da Dependência Sexual – publicado em 1986, retrata a cultura gay, bem como familiares e amigos da artista.

     

    Descrição: “Rise and Monty Kissing” retrata um beijo entre duas pessoas. Uma está em cima da outra, que por sua vez está sentada numa cadeira bege. A única iluminação é um foco de luz projetado sobre o casal.
    Nan Goldin
    Descrição: “Nan and Brian in Bed.”. Do lado esquerdo da foto vemos um homem sem camisa sentado e fumando um cigarro. Do lado direito vemos a artista deitada encarando o namorado. A iluminação parece vir de uma janela à frente de Brian, que projeta uma iluminação bastante amarelada sobre o casal.
    Nan Goldin

    Em todos os seus trabalhos, Goldin traz questões como sexo, drogas e momentos de intimidade, recorrentes em nossa sociedade, isto devido a seu olhar humanizado e intimista. A maior contribuição da artista para a fotografia, foi o ato de fotografar momentos considerados “não merecedores” de retratação.

    Em 1984, Nan publicou seu mais famoso autorretrato, a foto foi tirada um mês após ser brutalmente agredida pelo namorado Brian, anteriormente presente nas fotografias da artista.

    Descrição: O Auto Retrato mostra Nan, uma mulher branca, com grandes hematomas abaixo dos olhos, a parte branca de seu olho esquerdo está completamente vermelha. Retratada do busto para cima, ela usa brincos e um colar de pérolas, seus cabelos cacheados vão até pouco abaixo de seus ombros.
    Nan Goldin

    A comunidade LGBTQIA+ sempre foi um tema presente nas fotografias de Goldin. Após se formar na School of the Museum of Fine Arts no ano de 1973 em Boston, a artista se mudou para New York, onde teve maior contato com mulheres trans e travestis.

    Durante as décadas de 70, 80 e 90, Nan tirou diversas fotografias dentro do tema, publicando, em 1991, a série “Jimmy Paulette e Taboo! Undressing” na qual acompanhou todo o momento de transformação das duas travestis.

    Descrição: Dois homens sem camisa se maquiando, um deles olha diretamente para a câmera, o outro está de costas.
    Nan Goldin
    Descrição: Duas travestis montadas, sentadas no banco de trás de um carro. A mais à esquerda utiliza uma blusa preta, peruca e maquiagem azul e grandes brincos prateados. A mais à direita usa um top dourado e uma peruca loira, além do batom vermelho.
    Nan Goldin

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    Links, Referências e Créditos

    Como citar esta publicação

    COUTO, Sarah. Nan Goldin. Cultura Fotográfica (blog). Disponível em:<https://culturafotografica.com.br/nan-goldin/>. Publicado em: 18/07/2022. Acessado em: [informar data].

  • Quem vê um menino na praia?

    Quem vê um menino na praia?

    Fotografia de Lucas Landau, tirada em 2018, expõe mentalidade preconceituosa do povo brasileiro.

    Objetivamente, a fotografia mostra um menino na praia de Copacabana durante a virada do ano de 2017 para o de 2018. Estático, o garoto olha para cima, hipnotizado pelos fogos de artifício — sequer nota a presença do fotógrafo. Landau a postou sem segundas intenções ou interpretações, mas em apenas algumas horas, a imagem havia viralizado pelos motivos errados, gerando intrigas e discussões.

    Rapaz observa queima de fogos no revéillon em Copacabana. Ele está com os joelhos abaixo dágua enquanto uma multidão molha apenas os pés atrás dele.
    Lucas Landau

    É possível traçar paralelos entre a composição dessa fotografia e as interpretações equivocadas que dominaram a mídia. A criança, que é o elemento principal da imagem, está focada enquanto a multidão ao fundo está borrada. O fato de o menino estar sozinho no plano focado passa a sensação de isolamento e pode dar a entender que a sociedade mantém distância enquanto fala ou até mesmo caçoa de sua suposta vulnerabilidade social.

    Ainda pensando em questões sociais, a multidão é dominada pela cor branca, criando um contraste não só com o menino, mas com seus arredores. Ao não utilizar o flash, Landau mantém todo o primeiro plano escuro (o fotógrafo menciona, inclusive, que preferiu publicar a imagem em preto e branco, pois estava escura em cor). Esse fator faz com que o espectador sinta algo subliminar na escuridão, como se ela envolvesse a criança e tirasse sua visibilidade.

    A própria roupa do menino é um elemento do primeiro plano que deve ser mencionado: além de estar sem camisa, está usando um par de bermudas pretas, que entram em conflito com o branco da multidão. É uma tradição se vestir de branco no réveillon, e o fato de a criança quebrar esse padrão fez com que muitas pessoas presumissem que ele simplesmente não tinha o que vestir para a ocasião, reforçando um estereótipo de pobreza.

    Por fim, até mesmo a feição e a pose do menino deram margem para interpretações: seu rosto não expressa particularmente felicidade no momento capturado, e seus braços estão colados ao corpo, provavelmente em uma tentativa de se proteger das águas gélidas de Copacabana. Esses elementos fizeram com que muitas pessoas enxergassem uma tentativa de se defender da hostilidade da sociedade, apagando a simplicidade do momento que mostra apenas uma criança maravilhada com um espetáculo.

    No dia 1° de janeiro de 2018, Lucas Landau publicou essa foto por ser uma imagem bela e espontânea, mas seria impossível que todos que chegassem a ela a vissem com a mesma inocência. Um conjunto de fatores fez com que um racismo velado viesse à tona e foi assim que um menino na praia, assistindo a um espetáculo, teve sua realidade reescrita e se tornou uma criança abandonada à margem da sociedade.

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    Sobre a autora

    Hynara Luiza Lopes Versiane de Mendonça é bacharelanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).